sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Um livro por dia: SEXTA-FEIRA POR EXEMPLO



Poucos anos depois do 25 de Abril, a euforia começava a estagnar sob o peso económico. O grande crescimento da segunda metade da década se sessenta e da primeira da década de setenta dava sinais de cansaço e esgotamento. Em Fevereiro de 1977, em editorial da revista OPÇÃO (Vol. 1, nº44, semana de 22 a 28 de Fevereiro de 1977) podia ler-se: "... assistimos nas últimas semanas à suspensão e ao encerramento de nada menos que nove publicações. É que os aumentos do papel e dos custos de produção, agravados por um nítido abaixamento do poder de compra, vieram agravar a situação quase periclitante em que vive a imprensa em Portugal". Era Secretário de Estado da Comunicação Social, Manuel Alegre, que acabava de ler um comunicado na televisão, justificando o teor do editorial.

Nos anos subsequentes, a situação iria deteriorar-se substancialmente. Entre os caídos, a DH Ciência (1975) e a Série Panorama (1977), a Portugal Press (1978) entre muitos outros. No entanto, nesse mesmo ano surgia uma nova colecção que, de certa forma, antecipava a colecção azul da Caminho e que, à falta de melhor título, poderemos chamar a Colecção Negra do Círculo de Leitores. E antecipava a colecção azul da Caminho por alternar obras de Ficção Científica, com policiais e títulos de horror (cada género identificado com o ícone respectivo - um robot para a FC, um detective para o policial e uma caveira para o horror). Alternar talvez não seja a palavra exacta, pois nem sempre os títulos alternavam estritamente, podendo um policial suceder-se a outro e só depois um de horror ou um de FC. Por motivos que se prendam com protocolos editoriais, ou com a limitação da aquisição de dólares em 1978, a maioria dos títulos - para não dizer todos - correspondem a obras de autores franceses, a maioria puro pulp, ou já caídos no domínio público.

No entanto, com 10.000 exemplares de tiragem e venda exclusiva aos sócios do Círculo de Leitores, é um conceito arrojado de colecção de literatura popular que procura acorrer aos gostos ainda em formação de uma população consumidora que acaba de sair de uma ditadura para mergulhar numa crise económica.

No final dos anos 70, recordo-me de olhar extasiado para as lombadas negras que se perfilavam na mesa da sala, entre dois suportes de livros que eram miniaturas de canhões das guerras napoleónicas; as imagens de capa, numa moldura cinzenta, inflamavam-me a imaginação - a estação orbital sobre a esfera azul-terrestre de REGRESSO A ZERO de B. R. Bruss, ou as silhuetas sinistras de OS TRANSLÚCIDOS do mesmo autor; a caneta cravada numa orelha que escorria sangue num dos títulos policiais, ou a imagem cinzenta de um ameaçador Frankenstein no volume desse título, eram as que mais me entusiamavam. No entanto, quando anos mais tarde, no início dos anos 80 me dediquei a ler cada um deles, foi SEXTA-FEIRA POR EXEMPLO o que mais me marcou. Publicado em Agosto de 1978, e assinado por Pierre Suragne (pseudónimo do célebre autor francês Pierre Pelot), apresenta-nos uma trama que assenta exclusivamente nas expectativas do leitor quanto às convenções genéricas para retirar o coelho final da cartola. História com tons apocalípticos, e partindo de uma ideia com ecos distantes de EYE IN THE SKY the Dick, serve-se de todos os condimentos de uma narrativa pulp - violência, sexo, destruição - e une-os a personagens bem construídas, com idiosincrassias próprias que se revelarão fontes de problemas (por exemplo, o político que recorre a uma máscara para manter um affair ilícito, máscara essa que impede a sua rápida salvação quando o mundo começa a derruir), sem negligenciar uma crítica social acérrima, tão ao jeito francês (veja-se, por insuperável nesse campo, Andrevon).

Infelizmente, das quase quatro dezenas de volumes que possuo desta colecção, apenas um escasso punhado pertence aos géneros do fantástico, assistindo-se a um claro predomínio do policial e da espionagem sobre os demais. No entanto, enquanto objecto-colecção, é dos mais curiosos que já alguma vez foram tentados entre nós.

6 comentários:

Miguel Garcia disse...

Bom dia João,

Vi a capa e não foi estranho, fui à estante à pilha de FC, Argonautas e pequenas colecções de FC, e lá estava o dito. Confesso que como não conhecia o autor, e é a colecção que tenho menos livros(emprestados), achei que seria uma leitura não marcante. Mas agrada-me a ideia que deste.
Finalmente comecei a ler o Quinto Dia que João Barreiros tanto falou, às 200 e tal páginas começa a aquecer..ou seja logo no inicio.
Abraço

Barreiros disse...

Erro no Sistema! Erro no Sistema!
O livrinho REGRESSO A ZERO foi escrito por Stefan Wull e já tinha aparecido antes na colecção Argonauta!

João Seixas disse...

Olá Barreiros!

É verdade, erro meu. É o que dá escrever de memória depois de um longo dia a estafar os olhos em frente do monitor.

João Seixas disse...

E, Miguel, se tens esse livrinho aí à mão, lê-o mal acabes O QUINTO DIA. É muito recompensante enquanto leitura, porque, como referi no post, cria em ti uma convicção quanto ao que se está a passar, para no final a desfazer de forma brilhante. Não quero escrever aqui spoilers, mas posso dizer-te que antecipa em muito, muita coisa que o cinema anda agora a fazer... Depois de leres, verás...

PS: Já agora, aquela festarola de Monção, que referes no teu blogue, não faz parte de uma mitologia lusa, criada cá. É apenas uma adaptação local do mito de S. Jorge e do Dragão, que nem sequer é originalmente cristão. Por isso, mantenho o que disse na apresentação do David Soares.

nuno2maz disse...

Tambem tive esta colecção fantástica quando era miudo e agora sobram uns poucos. Lembro-me dos Mil e Um Fantasmas do Alexandre Dumas, os Maleficios do B.R. Bruss (ando desesperado a procura deste livro e se alguem souber onde posso encontra-lo agradeço a dica), o Crime Impossivel e o já falado Sexta Feira por Exemplo. Tambem tinha o Regresso a 0 (ainda tenho), que e sem duvida um livro fantastico. Alias a colecçao de FC em casa dos meus pais era fantastica. Recordo-me de um outro que se chama "o Labirinto" que é simplesmente fantastico. Abraços

Paulo Morgado disse...

Na verdade não se chamava Colecção Negra mas sim Colecção 4 Enigmas e era edição Circulo de Leitores sob licença da Editorial Nova Era, que lançou originalmente a mesma colecção, mas com capas diferentes.