quarta-feira, 28 de abril de 2010

Para Anotar na Agenda


quinta-feira, 22 de abril de 2010

The time, the place, the players


terça-feira, 20 de abril de 2010

Mapas e Territórios da FC em Portugal




Confesso que hesitei muito antes de responder ao último post do Nuno Fonseca, integrante do debate, interessantíssimo (também muito por mérito dele) que temos travado. Essa hesitação deriva, em primeiro lugar, de uma estúpida sensação de dejá vu que me assaltou. Ao ler o texto do Nuno, era outro o interlocutor que parecia querer intrometer-se. O método retórico a que o Nuno recorreu fez-me lembrar um outro, bem conhecido do nosso fandom, que tinha o condão de transformar qualquer troca de ideias num lodaçal em que era impossível avançar um passo sem ser necessário desbravar o ínfimo significado de cada palavra. Por cada afirmação precipitada que o indivíduo proferia, o debate deslocava-se da substância para a forma: passava-se a discutir não o que ele tinha dito, mas se ele tinha dito aquilo que disse. E essa foi, predominantemente a forma escolhida pelo Nuno para me responder. A ela, somou-lhe uma táctica dúbia, que é tomar os meus silêncios por fuga à resposta, complementada pelo apelo ao leitor que ele não considera iletrado, analfabeto ou acéfalo, com a necessária implicação de que é assim que eu o considero. O Nuno dirá de imediato : “Estão a ver? Não foi nada disso que eu disse! Eu apenas disse que eu não os considero assim”. Mas a verdade, como o Nuno bem sabe, é que a linguagem, felizmente para todos nós que nos sentimos próximos da escrita e dela tiramos algum rendimento, não se confina ao que é dito. Estende-se ao que se sugere, ao contexto em que se diz o que se diz, em suma, reveste-se de capacidades retóricas que a enriquecem e enriquecem qualquer troca de ideias.

Por isso, não vou entrar no jogo do Nuno de estar aqui a dizer que ele interpretou mal aquilo que eu disse, ou que afirma que eu disse coisas que não disse, pois tudo isso é irrelevante. No meu texto, a que o Nuno responde, referi desde logo que considerava que o anterior texto do Nuno (sim, eu sei, isto é confuso) apenas nalguns pontos era susceptível de fricção com o que eu próprio havia escrito: como tal, abordei apenas esses possíveis pomos de discordância, não perdendo tempo a comentar aquilo com que concordo, ou aquilo com que, discordando, considero abarcado por pontos anteriormente abordados. O Nuno considera que isso são “formas epistolares de fuga à resposta”. No entanto, na ânsia de esclarecer as contradições que lhe apontei, o Nuno mergulha desabridamente por uma defesa incendiada da sua posição, fazendo os necessários acertos para que tudo encaixe. E é nesses acertos que tudo desaba.

Atente-se, desde logo, na primeira questão suscitada: O Nuno insurge-se contra a minha observação de que “Fonseca reconhece a realidade essencial que apontei no meu texto: algures entre finais dos anos 80 e meados dos anos 90 do século passado, desvaneceu-se o público leitor”. E o Nuno, não só se insurge contra a minha afirmação, como afirma agora que o inverso é que é o ponto essencial do seu artigo. Porém, aquilo que o Nuno escreveu, claramente e sem subterfúgios foi que (ênfase minha) “Durante cerca de 30 anos, entre os anos 50 e os 80 do século passado, houve pelo menos uma colecção de FC que vendeu como a “uva mijona”: a argonauta. As pessoas faziam esperas aos livreiros para os adquirir, iam regularmente às livrarias à procura do "último argonauta" e ainda hoje todos se lembram disto. Nesse mesmo período todas as grandes editoras tiveram colecções ou publicações regulares de FC e muitas das pequenas também. Por outro lado, hoje em dia, de uma forma ou outra, todas as editoras vão produzindo alguns títulos, de forma completamente casuística na maior parte dos casos, embora numa produção incipiente.” A única coisa em que esta frase difere da conclusão que eu atribuí ao Nuno é a expressão “desvaneceu-se o público leitor”. Mas como melhor sumariar a conjugação de “vendeu como a uva mijona”, “as pessoas faziam esperas aos livreiros”, e “todas as grandes editoras tiveram colecções e publicações regulares de FC e muitas das pequenas também” com “hoje em dia” vão-se produzindo “alguns títulos” “de forma incipiente”? Foram as editoras que perderam a vontade? Foram os autores que deixaram de escrever? Foram as livrarias que se recusaram a vender? Ou foram os leitores que deixaram de comprar?

Toda esta série de perguntas, porém, conduz à minha segunda fonte de hesitação para a elaboração desta resposta: há uma coisa em que o Nuno tem toda a razão. Não dispomos de números que nos permitam responder de forma cabal e incontestável a todas as questões que ele formulou nos seus dois posts. Só que, à luz da argumentação do Nuno, essa ausência de dados impede toda e qualquer resposta; impede mesmo o ensaio de uma resposta. E isso é tão verdadeiro para ele como para mim. Será, portanto, tão irrelevante dizer que a FC vende pouco, como dizer que isso não é verdade. E isso torna inútil qualquer debate. À boa maneira pós-modernista, a tal da esquerda académica que eu aqui critiquei, a falta de prova equivale à prova da falta. Como não há provas de que o Manel matou a Maria, logo o Manel não matou a Maria. E, com um pouco de esforço, chegaremos rapidamente ao extremo: como não há provas de que o Manel matou a Maria, logo o Manel não matou a Maria, logo a Maria ainda está viva. Sei que é uma redutio ad absurdum, mas como me ensinaram há muito na exegese jurídica, esse é o melhor método para testar a bondade de uma premissa ou a eficácia de uma tese. E não se diga que estou a exagerar demasiado. A impressão com que fiquei depois de ler o texto do Nuno foi essa: como não é possível afirmar com toda a certeza que a FC não vende, então ela vende. Mas fico sem saber se será lícito acrescentar, vender vende, pode é não ser comprada. Nunca me adaptei bem a estas realidades panglossianas, a esta vivência no melhor dos mundos, que só pode ser o melhor dos mundos, porque não logramos provar as suas deficiências.

É um argumento que eu até posso aceitar: implica o fim da discussão, pois tudo o que nos resta, como o Nuno diz, é formular uma questão atrás da outra. Só que nenhuma dessas questões vai ter a resposta que o Nuno exige, com números concretos, pois ninguém está disposto a avançar com eles. E quando avançam, são números debatíveis, porque existe uma miríade de razões (desde económicas, fiscais, e outras mais) que justificam que uma editora esconda os números reais das vendas. Não importa que elas não tenham o mínimo pejo em alardear os milhares de exemplares e as trintenas de edições sucessivas de Bolaños, Luís Miguéis Rochas, Xicos Viegas, Sousas Tavares, Rebelos Pintos e outros tantos mais. Mas quando chegam à FC... Aí, o segredo reina. Só aí os números têm que ser escamoteados, porque é uma vergonha e um prejuízo irreparável para as editoras confessarem que por cada 10.000 ou 30.000 Sousas Tavares que vendem, conseguem empurrar mais do que 1000 exemplares de um livro de FC. Há, por isso, que escamotear as vendas… certamente para não envergonhar os autores sérios, que poderiam ficar melindrados por venderem tanto como os rasteiros autores de histórias de lulas no espaço.

O Nuno certamente contrapor-me-á que apenas estou a referir os best-sellers, que isso é um fenómeno à parte. A questão não é nova. Penso que foi o David G. Hartwell quem contou esta história (e se não foi, peço que me perdoem, mas estou a escrever de memória): Um dia é chamado ao gabinete do director-mor do Grupo Editorial onde dirigia a linha de FC, que lhe diz “Estamos a pensar descontinuar a linha de FC, porque está a vender muito pouco”. O editor, surpreso, contrapõe, “A vender pouco? Mas se tenho dois livros no top de vendas do New York Times há mais de três meses”. “Ah, sim?” pergunta o big boss, de pé atrás “Quais?” “Os dois últimos do Asimov”, responde o editor. “Aaaah. Mas o Asimov não é FC. O Asimov é best-seller”. Só que os best-seller são uma categoria, não são um género. E há, também, best-sellers no Fantástico e na FC, como os há na Fantasia. Só cá é que não. E é de cá que estamos a falar.

Curiosamente, neste ponto, a falta de números e a falta de provas não são exigidas pelo Nuno para afastar os números apresentados pelas editoras. Para ele basta-lhe a existência de razões para que elas escamoteiem os seus números. E não é o único ponto. Quando me pediu estudos sobre a distribuição demográfica do consumo de FC, indiquei-lhos efectuados entre finais dos anos 70 e 2005. Como lhe dava jeito, escondeu o de 2005, e centrou a atenção no facto de datarem de início dos anos 80. Mas, pergunto eu, e os números para os contrapor, para mostrar que eles são hoje diferentes? Irrelevante. O Nuno aprendeu a gostar de F com a mãe e conhece muitas meninas que lêem FC. Esquecendo que, para quem pede números objectivos e estudos científicos, a experiência pessoal e a evidência anedótica são “major no nos”.

E nesta linha poderíamos seguir ad infinitum, sem que nada se adiantasse e nada se ganhasse. No entanto, e como o Nuno bem sabe, embora prefira fazer de conta que não, onde não existem dados concretos, existem indicadores. Alguns desses indicadores são objectivos. Entre eles podemos contar:

a) Publica-se, hoje, menos FC do que antes.
Esses dados podem ser ainda mais concretizados e de forma objectiva: não levando em consideração as obras slipstream, ou o surgimento de volumes pontuais publicados fora de colecção por editoras que normalmente não publicam FC, e não distribuídos como FC, publicaram-se em Portugal, entre Janeiro de 2000 e Dezembro de 2009, 318 livros de FC, destinados ao público adulto. Essa publicação foi efectuada por 5 grandes editoras (Gailivro, Presença, Saída de Emergência, Livros do Brasil e Europa-América) e duas pequenas editoras (Livros de Areia e Chimpanzé Intelectual).
Concretizando ainda mais esses dados, é possível observar que a publicação desses 318 livros se distribuiu de uma forma absolutamente desequilibrada, com 299 a serem publicados entre 2000 e 2005, e apenas 19 entre 2006 e 2009. Um diminuição, portanto, na ordem dos 94% em apenas 5 anos. (Seria interessante observar que livros de Fantasia ou outros géneros concorrentes foram publicados nesse ano e qual as suas vendas, e analisar a sua potencial influência sobre esta diminuição na publicação de FC. Mas já todos conhecemos a resposta, não é?)

b) Das editoras referidas anteriormente, duas delas (Europa-América e Livros do Brasil) cessaram praticamente a publicação de FC, descontinuando as suas colecções. Das três grandes editoras remanescentes, uma delas (Presença) apresentou uma diminuição acentuada na publicação de FC entre 2000-2005 (25 livros) e 2006-2009 (2 livros). As duas remanescentes apenas tiveram actividade significativa após 2005, pelo que não é relevante qualquer comparação. Objectivo, também, é que as duas primeiras (que cessaram a publicação) publicavam apenas ou maioritariamente FC (em detrimento de outros géneros do Fantástico, como o Horror ou a Fantasia), a terceira concentrou-se quase exclusivamente na Fantasia ou na Literatura adolescente, e as duas restantes incluem as obras de FC em colecções maioritariamente dominadas por obras de Fantasia ou outros géneros do Fantástico.

c) Todas essas editoras, nas escassas informações prestadas, maioritariamente através de entrevistas ou reportagens, indicam uma média de venda das obras de FC em torno dos 600 exemplares.

d) O mesmo número era já indicado também pela Caminho aos seus autores, em período anterior ao referido em a).

e) Os números indicados permanecem constantes independentemente da apresentação gráfica das obras ou das diferentes “máscaras” com que estas são comercializadas. Permanecem também constantes independentemente do preço de capa ou da qualidade desta, e independentemente de serem incluídas intra ou extra-colecção. Estes números aumentam na sequência de adaptação cinematográfica ou televisiva ou tie-in com as mesmas. (Estes dados parecem indicar ou uma constância do número de leitores de FC, ou uma constância de leitores de FC que dividem os seus afectos por sub-géneros da FC ou que, em ultima instância, compram FC enganados ou apenas pelo efeito de arrasto do sucesso das vertentes áudio-visuais).
f) No início dos anos 1980 assistiu-se a um incremento de publicação de FC, de certa forma mais consistente e concertado do que o que fora experimentado no imediato pós-25 de Abril. (Em ambos os casos, existem possíveis explicações sociológicas ou culturais para o facto: no primeiro caso, a conotação da FC com futuro, progresso e contra-cultura em meados dos anos 70, perfeitamente condizentes com a euforia pós-revolucionária; e no segundo caso pelo grande sucesso de STAR WARS, CE3K e E.T. e pela aproximação do ano de 1984).

g) Estudos recentes indicam que a frequência do ensino superior mais do que triplicou entre 1990 e 2005, e que as universidades são mais frequentadas por estudantes do sexo feminino do que masculino. Os mesmos estudos, ou estudos similares, indicam que se lê cada vez menos nas camadas universitárias e que a dita iliteracia funcional atinge em Portugal valores da ordem dos 80%.

h) São menos de 15% os portugueses que recorrem às compras on-line, seja em Portugal seja no estrangeiro. Desses, apenas uma percentagem escassa compra livros. (É certo, como eu já tinha aventado no meu primeiro post, e como o Ricardo Loureiro deu testemunho pessoal na caixa de comentários, que muitos leitores deixaram pura e simplesmente de ler em português, preferindo ir directamente à fonte. Mas atenta a percentagem de compradores on-line e a percentagem ainda menor de consumidores on-line de livros – para não referir já a ínfima minoria que compra livros de FC on-line – esse dado é negligenciável).

Todos estes são indicadores objectivos de que algo vai mal, muito mal, com a literatura de FC em Portugal. A sua conjugação parece indicar que esse é um problema que vai muito além da falta de números objectivos. A ideia de que existe um exército de leitores de FC formado nas últimas décadas, carece de todo de sustentação, quer a nível de factos, quer a nível de indicadores. A afirmação contrária, de que existiam leitores em número suficiente para manter várias colecções simultâneas ao longo de vários anos, prova-se pela existência dessas colecções (e não colhe aqui defender que algumas editoras poderiam – sempre a hipótese, nunca o facto – não pagar direitos, não pagar tradutores, não ter qualidade, não pagar ilustradores, etc… Essa realidade, a existir, permitiria aumentar os lucros das editoras, mas é irrelevante para o número de leitores, que compravam esses livros, ao mesmo preço, independentemente das práticas editoriais).
Penso que, no essencial, o Nuno tomou o mapa pelo território, e não vendo a grande cratera no mapa, resolveu negar a sua existência no real, mesmo enquanto os pés lhe escorregavam pela ladeira. Não quero, porém, menosprezar o texto do Nuno. Apesar de não corresponder à realidade que todos conhecemos, levanta inúmeras questões pertinentes e para as quais era importante encontrar uma resposta. Mas apenas porque todas elas apontam para um facto incontornável: não há FC de qualidade nas prateleiras das livrarias nem nos catálogos dos editores.

domingo, 18 de abril de 2010

A FC e as suas Audiências




Em resposta aos meus dois anteriores posts (e, reflexamente, ao post da Safaa Dib que inspirou toda a questão), o Nuno Fonseca publicou uma extensa reflexão sobre o potencial de comercialização da FC, para o qual o Rogério Ribeiro aponta , indicando-o como discordância do que eu aqui escrevi. Ora, se o texto do Nuno Fonseca tem alguns pontos de possível fricção com a posição por mim defendida, afigura-se-me que, no geral, não belisca minimamente o que afirmei.

Desde logo, Fonseca reconhece a realidade essencial que apontei no meu texto: algures entre finais dos anos 80 e meados dos anos 90 do século passado, desvaneceu-se o público leitor que sustentava praticamente em simultâneo, quatro colecções regulares de FC (Argonauta, Caminho, EA Bolso e Nébula) para além de outras iniciativas de menor duração (como a Contacto ou a Bolso Noite), fazendo com que o ritmo de publicação de FC sofresse um decréscimo de cerca de 32 volumes anuais (mais, se contarmos com a publicação ocasional de títulos de FC por outras editoras, fora de coleccção), para uns escassos 6 (na melhor das hipóteses, já incluindo esses títulos “surpresa”). Só que em vez de tentar explicar esse fenómeno, o Nuno opta por estender uma nuvem de questões, com o resultado de que as águas do debate parecem bastante mais turvas do que já estão. Algumas dessas questões, porém, são pertinentes, e merecem ser abordadas:

1) Antes de mais, a questão das tiragens: é verdade, como eu próprio reconheci, que os números são escassos. Porém, aqueles que temos, provêm de editoras com actividade frequente na área do Fantástico – e aplico aqui o Fantástico como incluindo a FC, e não no sentido Todoroviano, recorrendo a ele para indicar toda a literatura oposta ao mero realismo mimético, embora assuma que prefiro a designação FC&F, que sempre utilizei, para aquilo que se vem (erradamente) designando como Fantástico em geral – e que são surpreendentemente homogéneos. E, a menos que queiramos acusar todas as editoras de fraude e desonestidade, esses números são confirmados pelos relatórios de vendas que estas são legalmente obrigadas a enviar aos autores e que estes, querendo, podem livremente e a qualquer altura, sindicar. (Questão diferente, é a de saber se algumas editoras enviam esses relatórios e cumprem a legislação ou os contratos, mas essa é uma questão meramente acessória no thema decidendum sobre que versamos).

2) Questão imdiatamente conexa com essa, é a de apurar de que forma as alterações do livro-objecto podem ter reflexo nessa escassez de vendas. Ora, quer o Luís Filipe Silva, quer o António de Macedo, publicaram livros na Caminho antes e depois da transformação do formato bolso para o formato estante, com o concomitante aumento de preço dos (então) cerca de 350$00 para os 1.000$00 (o triplo do preço, uma medida já então fortemente criticada pelo Pedro Foyos em crónica no DN). Das conversas que tive com eles, não me recordo de as vendas terem sofrido uma quebra significativa (e se eles lerem este post, agradecia a confirmação ou a refutação deste facto), pelo que não terá sido essa a razão de afastamento dos leitores. Mas admito que a colecção azul da Caminho era relativamente sui generis em termos de conteúdo, e não disponho de quaisquer dados quanto às colecções da EA e da Argonauta. No entanto, a passagem da Contacto do formato hardback para o formato bolso, também não a impediu da extinção com fundamento na escassez de vendas. Actualmente, parece-me que é dado mais ou menos aceite, que o livro de bolso não vende, e que as recentes tentativas de retomar as edições de bolso (apesar dos preços mais baixos e, por vezes, das capas mais apelativas) foram um fracasso. Os leitores preferem comprar livros mais volumosos e mais caros, do que um número maior de livros.
Assim, e pese embora o entusiasmo do Nuno, falecem de imediato as suas duas primeiras conclusões, na medida em que equaciona a abundância de FC no passado com a certeza da possibilidade da sua publicação hoje e afirma que ainda existe hoje o público comprador de outrora (que não nos diz onde está).

3) Já a sua terceira conclusão (“- que toda uma geração foi exposta à FC escrita e que ela ainda existe em circulação, seja na casa das pessoas, em alfarrabistas ou simplesmente no imaginário ou "memória das estantes lá de casa") parece-me de pouco impacto para a situação actual do género.

De seguida, o Nuno Fonseca formula cinco perguntas, uma das quais foi respondida supra, outra das quais é parcialmente conclusiva e como tal só pode ser respondida clarificando as demais, e três bastante pertinentes, nomeadamente quanto a:

“- o peso que essas vendas terão no total da tiragem, no lucro da editora, de todos os intervenientes do mercado e, também importante, nas taxas de exposição e re-leitura;
- que há sectores a sobreviver com vendas e tiragens bem inferiores;
- a quem são vendidos esses números? “

4) Ora, quanto à primeira questão, a sua resposta é enganadoramente simples. Se uma editora imprime uma tiragem de 5.000 exemplares e vende 600, 600 esses que venderá se fizer uma tiragem de apenas 1.000 e que poderá esgotar caso se limite a uma tiragem de 600, o peso dessas vendas será sempre o mesmo, podendo fazer variar, isso sim, o peso do prejuízo. Mas a pergunta que realmente importaria formular como complemente necessário, é saber se vale a pena a uma editora de dimensão média/grande, pela margem de lucro obtida atentos os custos de produção (incluindo publicidade e marketing) e a constância das vendas, levar a cabo esse tipo de tiragem se não tiver um objectivo editorial que vá além da mera venda de livros. É uma questão que se prende intimamente com a seguinte e que leva a uma resposta similar: é possível que haja sectores a sobreviver com vendas e tiragens bem inferiores (imagino que a poesia seja um deles), mas aí importa apurar se vendas constantes de tiragens iguais ou inferiores a 600 exemplares não confirmam apenas que a FC é hoje um género pouco mais que marginal?; e se isso não é reconhecer que houve uma diminuição significativa do número de leitores de FC, que antes suportavam quatro colecções mensais e hoje têm dificuldade em assegurar uma venda de mais de 3.600 livros anuais (pressupondo a venda de 600 exemplares de cada um dos seis livros de FC publicados, optimisticamente, por ano).

5) Já a terceira questão, também conexa com aquelas, prende-se directamente com aquilo que eu escrevi. Ou seja, que em determinada altura, seja porque motivo for, quebrou-se uma cadeia de continuidade entre os leitores daquelas pretéritas colecções e os potenciais leitores da FC publicada nas editoras emergentes (Presença, Saída de Emergência, Gailivro, Livros de Areia, Chimpanzé Intelectual/E’scritório, etc..) que, ou abandonaram apenas as edições nacionais ou abandonaram o género.

Questão que o Nuno formula mas deixa sem responder, pois isso implicaria um esmiuçar, impossível por escassez de dados, sobre quem lê os bons livros de FC e que lê os outros, transpondo, como defendo, grande parte da responsabilidade desta situação para os leitores que temos (e que são produto dos nossos sucessivos sistemas educativo e político).

6)Continuando na sua senda de escamotear a realidade que todos nós percebemos quotidianamente por detrás de uma imaginada falta de números objectivos, o Nuno Fonseca formula uma falsa questão (“Há mesmo crise no negócio dos livros?”. Não, não há a menor crise no negócio dos livros, quando o próprio sector reclama um movimentação de quinhentos milhões de euros anuais, quando Grupos editoriais se constituem em Portugal como se nós fôssemos um país de literatos e de autores com grande projecção internacional; Há, isso sim, crise em alguns sectores do livro e em alguns géneros literários, como a FC), que serve apenas como pretexto para defender o gigante Leya, a coberto da observação de que na raiz do problema poderá estar o facto de “que quem tem meios para editar FC com sucesso e lucro” ser “quem não o faz”.
A posição é relevante – diria mesmo, determinante - mas o contexto é atabalhoado. Escreve Fonseca: “Certo certo é que, em termos de Fantástico, temos de recordar que a Gailivro não é a Leya, apesar de lhe pertencer; a Gailivro não determina a estratégia económica do grupo, pelo que o poder decisório quanto ao publicar não é igual.” Ora, antes de mais, há que decidir: ou a Gailivro é a LeYa ou não é a LeYa; num ou noutro caso, se tem ou não poder decisório, e em que termos.

Antes de mais, parece-me importante separar a questão da Gailivro-LeYa, da questão mais geral, tanto mais que nem compreendo porque razão o Nuno resolve individualizar essa editora. É minha opinião que a mais recente política editorial da Gailivro tem sido a mais danosa para o panorama do Fantástico nacional, e não apenas da FC. Precisamente, pelas razões que o Nuno aponta. Neste momento, nenhuma editora nacional teria melhores condições para relançar um Fantástico de qualidade, sem, no entanto, mostrar sinais de o querer fazer. O Nuno fala do marketing e das capas que escamoteiam a identidade da FC, mas o primeiro livro de FC da Gailivro publicado em 2010, escolhe para a capa uma iconografia de zombies, na linha da aposta editorial que eu referi num post anterior. Mas esta questão LeYa é completamente alheia ao que vimos discutindo, pois a política editorial seguida pela Gailivro não apresenta alterações significativas face àquela que seguia antes da aquisição pelo Grupo.

Mais importante, ainda que empiricamente e porventura seguindo uma filosofia “em cima do joelho”, seria colocar a seguinte questão: Porque não aposta a Gailivro na boa FC? Porque razão, tendo a Presença estreado a sua colecção Viajantes no Tempo com livros de FC destinados a adultos e de qualidade (Stephensom, Asher, Dick) depressa a transformou numa colecção juvenil? Porque razão desistiu da publicação do CARBONO ALTERADO, que viria depois a ser publicado pela SdE, com resultados bem distantes dos obtidos na língua original? Falta de promoção? Falta de marketing? Quer a Presença quer a Saída de Emergência (entendá-mo-las, neste cenário de mega-grupos literários como pequenas ou médias editoras) têm uma exposição pública nvejável. As principais livrarias têm os seus livros nas montras e nos expositores? Que as leva então a tomar estas decisões, senão as ridículas vendas da FC?

O Nuno equaciona de seguida os Grupos como a LeYa com as cadeias como a FNAC. Aí está redondamente enganado. Se é certo que grupos como a FNAC, com as condições que impõem para a fixação de um preço inferior ao da venda em livrarias normais, pode levar a um encarecimento dos livros (pois as editoras procurarão manter a sua margem de lucro), não é menos certo que, pelo menos a FNAC, é muito mais receptiva à venda de edições de pequenas e médias editoras, e mesmo da literatura de FC, do que as distribuidoras e livrarias convencionais.

7) Igualmente escamoteadora da realidade é a questão da pescadinha de rabo na boca que o Nuno estabelece entre o “não se publica por não se vende, não se vende porque não se publica”, e escamoteadora porque parte do princípio de um novum, em contradição com o que defendeu em um. Ou seja, e como já antes tive oportunidade de observar ao Nuno, num outro post, a questão não é porque razão a FC não vende, mas sim porque razão a FC deixou de vender. É um fenómeno conexo e paralelo à de perguntar porque razão a Fantasia começou a vender tanto. Há certamente pontos de contacto entre ambas as questões, mas a resposta de uma nunca será suficiente para esclarecer a outra.

É que, apesar de tudo, e por muito mercantilistas que sejam, as editoras e os grupos editoriais não são insensíveis às pressões da procura. E eu, que sou insuspeito nessa matéria, não sinto a mais pequena pressão de procura da FC. Daí que eu não censure, por exemplo a Gailivro por não publicar FC; censuro a Gailivro por contribuir conscientemente para tornar impossível no curto-médio prazo avitalidade da FC e do Fantástico em geral, ao substituí-los paulatinamente por derivados que apresenta como tal. No que não está sozinha.

8) Por fim, iluminado por um fulgurante pensamento politicamente correcto, o Nuno aborda duas questões importantes – a da influência dos leitores de sexo feminino, e o do cinema de FC – escudando-se numa suposta falta de estudos e números objectivos, ignorando, porventura, que esses números existem lá fora, e que ambas as questões têm sido estudadas de forma pertinente e conexa pelo menos desde há trinta anos para cá, quando o surgimento dos primeiros fenómenos televisivos na área da FC, como o Star Trek (1966-1969) nos Estados Unidos e o Doctor Who (1963-1995) e sucessivas reencarnações, permitiram perceber uma alteração na demografia e na distribuição das audiências, sobretudo através da quase predominância de mulheres no universo de fanzines e fan-fiction da série Star Trek, motivada mais pela “sedução” do Sr. Spock do que do capitão Kirk. No entanto, este súbito crescimento da base feminina de fãs da FC, acompanhando os movimentos feministas e de empowerment das mulheres que nessa altura começavam a emergir, não era idêntico ao da tradicional base masculina da FC da Golden Age e dos anos cinquenta. Referindo-se, por exemplo, ao aspecto utópico da série Star Trek, Henry Jenkins (in Textual Poachers: Television Fans and Participatory Culture, 1992) escreve: “female fans of Star Trek have, in fan magazines, gone further into the utopian than the text itself, transforming Spock himself and the series ‘into women’s culture, shifting it from science fiction into romance, bringing to the surface the unwritten feminine “countertext”, and forcing it “to respond to their needs and to gratify their desires. These female fanzine writers, thus, re-position the play of generic ambiguities and contradictions that Cranny-Francis talks about, but in this case outside the televised text” (o bold é meu, o itálico é do autor).

Analisando o mesmo fenómeno, o aumento significativo da demografia do público-alvo da FC no pós guerra, e aceitando a posição de Gerald Klein de que a FC adoptou uma via pessimista nos anos 50, assim a distinguindo da via optimista dos anos de Campbell, Adrian Mellor [in ‘Science Fiction and the Crisis of the Educated Middle Class’, in C.Pawling, (Ed.), Popular Fiction and Social Change (London: Macmillan, 1984), p. 39] comenta que “Our thesis must be that science fiction remained culturally marginalised for just as long as it continued to embrace science and technology, and to view the future with optimism. To the extent that it abandoned this world view, embracing instead the values of pessimism and tragic despair, so it was in turn embraced by the ‘dominated fraction’ of the dominant class. For the ‘tragic vision’ whose origins can clearly be discerned in SF from the 1950s onwards, is itself expressive of core values of the educated middle class. Mainstream culture’s new interest in SF, the vast growth of college science fiction courses in the United States, the advance of certain SF texts to the status of cult objects within the (middle-class) hippie counter-culture all this becomes explicable as a meeting of ideological minds. It is not the educated middle class that has changed, it is science fiction. The retreat into pessimism and cosmic despair is viewed by the dominated fraction of capitalism’s dominant class as a maturation, a welcome end to the isolation forced upon a subculture by virtue of its faith in the future.

Uma constatação que levou Teresa Ebert a distinguir três formas de FC em razão dos seus respectivos receptores e consumidores: a FC mimética (a que também se referia como “literária” e que empregaria ‘mimetic conventions of the bourgeois novel with its preoccupations with sociopsychological realism and its commitment to a causal interpretation of the universe’), Meta-FC (‘a self-reflexive discourse acutely aware of its own aesthetic status and artificiality’) e o parente pobre a Para-FC. Se da primeira dava como exemplo o STRANGER IN A STRANGE LAND do Heinlein e do segundo o DAHLGREN do Delaney, o exemplo escolhido da terceira era a série STAR TREK, o único exemplo desta nova forma de recepção de FC. Da Para-FC escrevia ela “Para science fiction is a type of writing which is energised by the sudden popularity of science fiction among a new class of readers… an adaptation and updating of the old-fashioned space opera type of science fiction for the tastes of middle class consumers whose passion for gadgets is inexhaustible…. This type of science fiction has the tendency to leave the literary altogether and move into TV serials, films and comic strips.” (in ‘The Convergence of Postmodern Innovative Fiction and Science Fiction’, Poetics Today, 1:4, 1980, p. 92.).

Pese embora o meu desagrado por algumas das considerações da autora, é relevante a associação que desde sempre se estabeleceu entre o surgimento da FC televisual e o aumento da demografia de espectadores de ambos os sexos ao afastamento da FC escrita e das suas naturais características. Quando em 1982, William Sims Bainbridge da Universidade de Harvard publicou os resultados do primeiro estudo científico do reflexo da composição das audiências do género sobre a sua percepção, elaborado no decurso da 36º WorldCon, as conclusões (conforme sumariadas) foram: “Science fiction has become an important medium of communication for new ideas and values concerning sex roles, and the influx of women into this previously male literary subculture is a change of significance for popular culture. This article uses the first large well-collected body of social science survey data to examine the ideological orientations of women readers and authors. None of the leading women authors write the traditional Hard-Science variety of science fiction that explores innovations in physicial science and technology, and there is a slight tendency for women readers to prefer this type less than men do. Women authors tend to write either Sword-and-Sorcery, a variety of heroic fantasy, or New-Wave science fiction, a politically liberal and stylistically progressive form. Many of the women authors use their fiction as a medium for advocating social change from a feminist perspective. Science fiction has become a forum for women authors' uninhibited public analysis of contemporary sex roles and consideration of options for the future.” (in Sex Roles, Vol. 8, No. 10, 1982).

Dados mais completos e uma história mais detalhada podem ser encontrados, por exemplo, em Science Fiction Audiences – Watching Doctor Who and Star Trek (2005) de John Tulloch e Henry Jenkins, que me foi de extrema utilidade para localizar a bibliografia citada neste texto.

Até que ponto estes estudos podem ser transpostos para a realidade portuguesa actual pode, e deve, naturalmente, ser debatida, mas não permite de forma alguma o subterfúgio de que houve uma transmutação da comunidade de leitores para a comunidade de telespectadores ou consumidores de espectáculos cinematográficos. Não só porque a literatura coexiste com eles desde os anos 50 (no caso do cinema) e dos anos 60 (no caso da TV), como porque cinema e televisão apresentam um discurso completamente distinto do da FC escrita, com raros e pontuais casos de sintonia entre ambos. Não tenciono menosprezar o cinema e a televisão de FC (que muito aprecio e de que sou consumidor habitual), mas isso não permite negar a predominância do espectáculo visual nesses meios em detrimento do conteúdo. Nessas circunstâncias, a literatura continua a ser a forma predominante da FC. E é essa que está manifestamente em crise em Portugal.

sábado, 17 de abril de 2010

Ficção Científica: Os porquês e os porque nãos (um rascunho)




Este texto nasceu como uma breve resposta ao comentário que a Regina Catarino deixou no meu post anterior, e cresceu até merecer a visibilidade de um post próprio. Por isso, e antes de mais, tenho que agradecer à simpática Regina pelo espicaçar, e pelas palavras amáveis quanto à possibilidade de trocar ideias civilizadamente neste blogue. Sempre procurei que assim fosse, e só num caso - como de habitual, com o(s) suspeito(s) do costume - é que a coisa descambou para a indesejada javardice. Mas adiante.

O comentário da Catarina (cuja leitura na íntegra podem fazer – e recomendo – na caixa de comentários) colocava uma série de questões quanto ao porquê de cada vez de publicar e ler menos FC em Portugal. Ao fim e ao cabo, a pergunta que todos nós, entusiastas do género ouvimos e colocámos com demasiada frequência para que possamos ser optimistas quanto à saúde deste.

Ora, quanto ao porquê de não se publicar mais FC em Portugal, e de as editoras não apostarem na FC, a resposta é simples: a FC não vende. Seja qual for a editora (ou editores) a quem se coloque a questão, todos são unânimes: um bom livro de FC vende, em média 600 a 800 exemplares, o que é muito pouco quando comparado com as vendas de séries de Fantasia, de Romances Históricos ou de Romances Cor-de-Rosa.

No entanto, essa questão pressupõe, obviamente uma outra: porque é que a FC não vende? OU seja, porque razão os leitores portugueses viraram as costas à FC?

E essa é uma questão de difícil resposta por não dispormos de estudos, números e informações suficientes. Mas, seja qual for a explicação para esse fenómeno, penso que ela se há-de sempre buscar na confluência de uma série de factores; a saber:

a) um aumento da iliteracia e da iliteracia funcional. Como todos sabemos, a FC, quando levada a sério, pode ser um dos géneros mais exigentes para o leitor, impondo-lhe um mínimo de conhecimentos básicos de ciência e uma vontade de descobrir novas formas de ver o mundo. Note-se, porém, que não estou a dizer que é preciso saber ciência ou ser-se cientista para apreciar a FC, mas exige-se do leitor uma certa "atitude" intelectual que lhe permita questionar - pelo lado da "realidade" - o mundo em que vive, assumindo a possibilidade de que este é 1) objectivamente cognoscível através da ciência; 2) meramente contingente; e 3) susceptível de permanente e radical mudança.

b) Por outro lado, um aumento da ignorância científica, substituída pelo fascínio por gadgets; o fácil acesso à mais avançada tecnologia leva o leitor a contentar-se com o mero conhecimento na "óptica do utilizador" em deterimento do conhecimento técnico-científico.

c) Em terceiro lugar, a FC evoluiu muitíssimo desde os tempos de Verne e Wells, sofrendo consideráveis mutações e espraiando-se numa filigrana de sub-géneros comunicantes e reciprocamente alimentados de temas, ideias e formas de tratamento. Infelizmente, essa evolução não foi acompanhada pelas nossas colecções - seja a Argonauta, a Caminho ou a EA Bolso - que se foram limitando a repetir quase exclusivamente um mesmo "tipo" de FC, ou subgénero da FC, levando a 1) uma saturação dos leitores, fartos de lerem ao longo de 50 anos a FC de há 50 anos (e mal traduzida); e 2) o afastamento de leitores que conhecendo a FC fizeram transitar as suas aquisições para as lojas internacionais e especializadas, lendo-a na língua original, não mais regressando a casa (por assim dizer).

d) O envelhecimento dos leitores, compaginado com c), e com as características típicas da FC (sobretudo a auto-referenciação) que impedem a entrada de novos leitores desprovidos do conhecimento da longa evolução do género e das suas mais recentes manifestações.

e) O facto inverso de a literatura de Fantasia Épica - a mais predominante entre nós - não sofrer tantas evoluções a nível da estrutura narrativa, mas tão só a nível de formas de tratamento dos temas (técnicas literárias), reforçando a familiaridade e a "segurança" dos leitores (bem como facilitando as estratégias de marketing).

f) O facto de a FC no cinema mais recente assentar exclusivamente no espectáculo visual, praticamente não se distinguindo do thriller, do cinema de aventuras ou de acção (para não dizer Fantasia ou Tecnofantasia), que, ao invés de atrair novos leitores, os afasta logo que pegam num livro de FC.

g) O grande sucesso do cinema de Fantasia (LOTR, Harry Potter, etc..) com o efeito inverso.

h) Apesar de parecer preconceito, é (estatisticamente) verdade que há menos mulheres a ler FC do que homens; ora, a par da evolução dos gadgets (que podem afastar mais homens do que mulheres da leitura - em particular por via dos videojogos), assistiu-se a um maior predomínio de leitoras em geral, com o necessário reflexo nos gostos de leitura e no pequeno campo da FC;

i)A incapacidade de muitos editores compreenderem sequer o que é FC - da qual têm um (pre)conceito e uma imagem derivada da iconografia genérica e não do objectivo último da sua utilização, leva a que estes "fujam" da FC, ou tão só publiquem aquela que se conforma à sua percepção pessoal do género.

j) Por parte de muitos autores ou aspirantes a tal, observa-se, por vezes, um fenómeno curioso, que é escreverem aquilo a que se soe chamar "FC para quem não gosta de FC", ou seja, textos que pretendem apenas utilizar a iconografia e as técnicas da FC a nível meramente metafórico, simbólico ou satírico (a DAGON #0 trás um exemplo claro disso).

h) Some-se a tudo isso o desprezo da crítica em geral (que em Portugal, como se sabe, é de qualidade rasteira e meramente propagandística ou presa a afectos) que contribui para diminuir, não só a exposição do género, como a sua recepção, estigmatizando-a.

i) E há, também, por vezes conexa com a anterior, lamentavelmente, uma razão político-ideológica: a esquerda política (com as suas excrescências feministas e multiculturalistas) sempre equacionou a ciência e a tecnologia com o domínio de princípios conservadores, tudo contribuindo para que uma literatura que é claramente defensora de um domínio do tecnológico e - por vezes mesmo - de uma tecnocracia (quando não propondo mesmo que o processo decisório da res publica passe por um processo científico e não político), seja claramente anátema.

j) Por último, e ainda conexo com os dois pontos anteriores, ambas as condicionantes são reforçadas por uma crescente afirmação das escolas de pensamento pós-modernistas nas faculdades de letras, com a sua daninha proposição de que todas as manifestações culturais são igualmente válidas como instrumentos de conhecimento (nesta perspectiva o conhecimento cientifico ou as crenças religiosas, os mitos ou a história, tudo teria igual valor) – veja-se, por exemplo, Boaventura Sousa Santos e Eduardo Prado Coelho. Obviamente, num tal caldo anóxico é impossível a sobrevivência de um género literário que subsiste de uma clara delimitação entre o possível, o impossível, o provável e o exequível.

Tendo em conta estes elementos, como poderemos conceber um possível futuro para a FC nacional? Correndo o risco de fazer soar novamente as trompetas das habituais lamúrias, diria que o futuro da FC em Portugal (e do fantástico em geral) se mostra hoje mais negro do que há cinco anos atrás. A FC está estrangulada pela proliferação de fantasias juvenis e autores pueris, as primeiras manifestamente lucrativas, os segundos oferecendo uma via aberta ao oportunismo editorial. A falta de qualidade de uns e outros, e o abastardamento do Fantástico às mãos de Stephenie Meyers, Paolinis e companhia, criaram uma tal poluição que serão necessários muitos e muitos anos para se recuperar um mínimo de senso. E isso é pouco provável por duas ordens de razões: 1) Porque são pouco exigentes e fáceis de obter e imitar, enquanto a receita tiver sucesso vai ser explorada até à exaustão. Alguns bons títulos serão publicados, ou por editoras alternativas aos grandes grupos que se constituíram recentemente, ou por estes numa tentativa de defenderem um mínimo de credibilidade e apaziguarem os críticos mais ferozes; 2) quando o filão se esgotar e os lucros caírem a pique (como aconteceu, no cinema, com os grandes Dramas Históricos nos anos 60), o impacto não se fará sentir apenas nestas obras de imitação, mas também nas obras do género stricto sensu, que serão sempre identificadas com aquelas. Afinal, já há muito se observou com alguma pertinência que a FC é um género que é sempre julgado pelos seus piores exemplos.

Recordo, por exemplo, que até Junho de 2009, tinham sido publicados apenas dois livros de Ficção Científica: o WHERE LATE THE SWEET BIRDS SANG da Kate Willhelm pela Gailivro e a antologia COM A CABEÇA NA LUA, pela Saída de Emergância. Daí até ao final do ano, foram publicados mais dois ou três livros também por estas duas editoras cujos editores, Luís Corte-Real e Pedro Reisinho, no debate da SPA organizado pela OML em Outubro, prometeram grandes apostas no campo da FC para 2010. Em meados de Abril deste ano, corrido quase o primeiro terço do ano, foram publicados apenas dois livros de FC, ambos pelas mesmas editoras (o FORÇAS DE MERCADO pela Saída de Emergência , e a antologia do João Barreiros, SE ACORDAR ANTES DE MORRER pela Gailivro). Ora, a publicação de menos de um título por mês é incomportável para o desenvolvimento do género. É certo, tanto quanto sei, que a SdE tem em preparação pelo menos mais três livros de FC e a Gailivro, um, pelo que até ao final do ano o panorama pode alterar-se ligeiramente (e a SdE já publicou a BANG! que promete ter pelo menos mais dois números este ano, possivelmente três – como diz a capa do #7, “daqui para a frente a revista BANG! promete sair de 3 em 3 meses, MESMO!”), mas chegando Novembro e o Fórum Fantástico, já anunciado, logo faremos contas.

No entanto, é confrangedor verificar que pelos dois livros de FC já publicados, surgiram nas livrarias mais de uma vintena de títulos de pseudo-Fantástico ou dedicados exclusivamente a um público juvenil, que necessariamente abafarão a sua visibilidade. O futuro, como dizia o sábio Criswell, é composto de coisas que nos acontecerão no futuro e, daí que, embora tenha a convicção de que a FC e o bom Fantástico estarão praticamente mortos em Portugal durante os próximos vinte anos (se não mais), reservo o meu prognóstico para o fim do jogo, como diria esse Criswell do futebol que é o João Pinto. Porque nunca tanto como neste caso, desejaria estar enganado.

Adenda (às 20:12): Estupidamente, ao referir os títulos de FC publicados este ano, esqueci-me do FLASHFORWARD do Robert J. Sawyer, também da Saída de Emergência. Fica corrigido o lapso que, lamentavelmente, em nada altera o que disse seguidamente.

Adenda II (às 21:47): Esqueci-me também da edição da Antagonista do GOLFINHO DE JÚPITER da Mary Rosenblum, o que aumenta, para já, a média para um livro por mês. Aqui fica a necessária correcção.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Algo que se perdeu...


A Safaa Dib, assistente editorial na Saída de Emergência, assina no seu estimável blogue mais um texto extremamente pertinente sobre a triste realidade do presente mundo editorial. O fenómeno é mais ou menos transversal ao mundo ocidental, mas não deixa de ganhar particular acuidade no nosso entorno luso, até pela novidade que reveste numa actividade que, até há bem pouco tempo, se mantinha afastada das luzes da ribalta e da atenção pública. Pela experiência que a Safaa adquiriu nas movimentações editoriais que se registam longe do plano com que os leitores mais directamente contactam, e pela actividade que vem mantendo há quase uma década na organização do Fórum Fantástico (juntamente com o Rogério Ribeiro) e no fomento do Fantástico nacional, e na denúncia de situações menos límpidas em torno de algumas vanity presses, o texto em causa reveste-se de uma maior acuidade.

Sobretudo, quando ela aflora - embora, lamentavelmente, não aprofunde - uma questão essencial que poucos se têm ainda dado ao trabalho de denunciar. Quando a Safaa escreve, de forma certeira, que "Homens que normalmente não compreendiam o negócio de livros, mas compreendiam perfeitamente a palavra negócios, foram postos à frente dos destinos de editoras.", está a chamar a atenção para um fenómeno que começou lá fora há coisa de 20 anos e que finalmente se instala em Portugal com o maior despudor: o desaparecimento progressivo dos Editores. A demissão gradual das suas funções, substituídas pelas de meros administradores, pouco mais que contabilistas indiferentes àquilo que vendem.

Já foi observado inúmeras vezes que o campo do Fantástico sempre se desenvolveu graças ao impulso visionário de Editores carismáticos: Hugo Gernsbach, John W. Campbell, Horace Gold, Gardner Dozois, Ellen Dattlow, Michael Moorcock, David Hartwell entre tantos, tantos outros. O Pedro Marques, tanto no seu blogue como no blogue da Livros de Areia, vem prestando homenagem a outros tantos editores do mainstream, como Maurice Girodias, Barney Rosset, ou Giangiacomo Feltrinelli, uns e outros inspiração para aquilo que nós próprios procuramos lograr como Editores na LdA.

E no entanto, numa altura em que se publica como nunca se publicou antes, onde o negócio livreiro se gaba de movimentar 500 milhões de euros por ano, os Editores - daqueles que fazem jus a esse nome - são cada vez menos. E, infelizmente, o Fantástico é um dos responsáveis. Nunca antes de Rowlings, ou Paolini, ou Meyer se tinha assistido ao fenómeno de edições sucessivas na ordem dos milhares de exemplares por dia. Na Gailivro-LeYa, Meyer vendeu qualquer coisa como 600.000 livros, coisa inimaginável há uns anos atrás e ainda impossível para 99% dos demais autores e/ou editores. A abundância gera prodigalidade e a prodigalidade gera hábitos caros. Daí que a grande ambição dos Editores - descobrir o novo grande clássico da literatura, o futuro Pessoa, ou o futuro Sena - transformou-se na descoberta do próximo best-seller, sem qualquer consideração pela qualidade do mesmo.

A literatura desceu ao nível de uma moda, comparando-se a umas meras calças de ganga ou cuecas fio-dental. Só isso explica que editores, um pouco por todo o mundo, tenham deixado de encarar as obras literárias como objectos únicos e originais que darão a conhecer aos leitores, e tenham passado a procurar a próxima moda: há uns anos atrás eram os dragões e os elfos, no ano passado os vampiros, o que é que vai ser a seguir?

Em Portugal a Gailivro aposta nos zombies; lá fora, apostam nos anjos. Justin Chanda, editor da linha de juveniles da Simon & Schuster explica porquê perante a observação de que Bad-boy angels are the new hotties. Like modern vampires, they can be gorgeous, immortal and otherworldly heartthrobs, unlike, say, zombies. "With all that rotting-off, they're not very sexy."

Anjos ou Zombies, serão apresentados como uma moda, a ser mastigada e remastigada durante uns tempos (intervalos cada vez mais curtos, tal como sucede com os telemóveis) antes de ser substituída por uma nova moda (talvez os centauros ou sanitas falantes). Estes novos "editores" partem já do princípio de que os leitores (e estes são cada vez mais jovens, cada vez menos críticos, cada vez mais iguais) reagirão automaticamente a este reposicionamento dos temas e dos afectos literários, pois não querem estar "fora de moda". No que não se enganam, pois o gosto de leitura destas novas gerações é formado nas redes sociais electrónicas que tendem a impor uma homogeneidade à escala global.

O acto de ler um livro, um dos raros prazeres individualistas a que alguém se pode dar, passa a ser encarado como uma actividade colectiva sob pena de exclusão dos não-aderentes, que passam a ser os novos nerds, os elitistas e intelectuais, pois a ênfase nesta leitura comunitária é sempre e exclusivamente colocada no prazer sensual da leitura.

Neste quadro, os Editores deixam de lidar com livros - com o texto, o seu conteúdo e a sua relevância - e passam a lidar com gostos, e gostos cada vez menos exigentes. Os nossos editores de Fantástico de leva mais recente, nasceram para a profissão neste caldo, sem nunca terem lido um manuscrito inédito, guiando-se pelos indicadores fáceis dos tops de referência internacionais. Nunca conheceram um mercado livreiro em que os livros tivessem voz própria, ao invés de se imitarem uns aos outros numa conformidade doentia; um mercado onde um livro tivesse valor enquanto tal, e não como potencial primeiro degrau de uma franchise lucrativa. Só isso explica aquele editor que no Verão passado em entrevista à Notícias Magazine, anunciava a descoberta de um novo fenómeno na literatura fantástica: as stand alone novels, como se 99% da literatura fantástica não se compusesse de livros individuais que nunca foram pensados ou quiseram ver-se integrados em séries intermináveis.

Foi algo que se perdeu em tudo isto: a excelência da edição, a individualidade da leitura, a essência do livro.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Diz lá, podias viver sem a ZON?

Se podia viver sem a ZON? Se calhar até podia.... mas não me ria tanto!



The turn is coming up. Let's make a decision.


Err... This is Deliverance country.


They deliver pizzas way out here?


Inbreeds. They're all over this area.


Mutants from a small gene pool having sex with one another. It's disgusting!

Seria de esperar que alguém tão burro ao ponto de pagar uma legendagem destas, tivesse pelo menos a esperteza de permitir desactivar as legendas...

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Cinco Anos de Estouro


Foi em Novembro de 2005 que a primeira BANG! (#0 - confesso que nunca percebi a lógica disto) surgiu no decurso do Fórum Fantástico, o primeiro organizado sob essa designação pela Safaa Dib e pelo Rogério Ribeiro, com o apoio da Épica - Associação Portuguesa do Fantástico nas Artes. Aqueles que acompanharam de perto o(s) acontecimento(s), terão certamente na sua colecção um exemplar da tiragem da revista que apresentava a capa completamente despida de lettering. Erros e enganos que ajudam a valorizar estas pequenas coisas, a enriquecer colecções do género e a cimentar uma memória colectiva do género em Portugal.

Esse primeiro número, que no segundo dia do Fórum já se apresentava normalmente vestido, anunciando na capa um artigo sobre "Saramago: o Nobel da Ficção-Científica", da autoria de "José" Candeias, e a pré-publicação de Salomão Kane, marcava também a estreia em Portugal de Lavie Tidhar, com o conto Aranhas Temporais, Teias Espaciais, que acompanhava ficção portuguesa de David Soares, Ágata Ramos Simões e João Ventura. Um receita eclética que se revelou de sucesso, apesar de algumas queixas quanto ao arranjo gráfico demasiado próximo do de um "mero" fanzine. Afinal, a BANG!, era a primeira revista séria exclusivamente dedicada ao Fantástico, estatuto que foi consolidando ao longo dos dois números em papel que se seguiram.

Efectivamente, quando a BANG! surgiu, sob direcção de Rogério Ribeiro, os fanzines nacionais apresentavam ainda alguma agitação. O Rogério assumia as rédeas da revista após ter assegurado a edição de cinco números do Dragão Quântico, onde também colaborou Ricardo Loureiro, editor do Hyperdrivezine, do Câmara Obscura e do Nova. Com o número 3, a BANG!, afectada por vendas escassas, transita para o formato digital, ganhando número de páginas, maior variedade de conteúdos e mais maturidade crítica e literária, até se tornar a revista de referência no Fantástico e sobrevivendo ao progressivo e paulativo desaparecimento de todos os fanzines e e-zines que durante alguns anos, e graças aos esforços do Rogério Ribeiro, do Ricardo Loureiro, do Telmo Pinto e do Tiago Gama contribuiram para o aparecimento de novos autores e para o enriquecimento do género.

Com o seu número 7, oitavo número da revista, e com mais uma gralha de colecção na capa (datada de Fevereiro de 2009), a BANG! retoma a edição em papel, desta feita sob direcção de Luís Corte-Real e Nuno Fonseca e com um grafismo profissional e praticamente irrepreensível. Nuno Fonseca, no seu editorial, promete "renovar constantemente, pisar novos territórios e abraçar novas ideias", e fiel a esta determinação a revista diversifica ainda mais os seus conteúdos, estendo a cobertura ao cinema e à banda desenhada (duas lacunas que era importante preencher) e deixando de fora apenas a música - e creio que a revista ficaria perfeita com uma secção semelhante à que Douglas E. Winter assina na VideoWatchdog.

A par da ficção de Vasco Curado (presença habitual da BANG!), Valéria Rizzi (uma surpresa para quem não "a" conhece), Gerson Lodi-Ribeiro, Renato Carreira e Richard Matheson, os ensaios de David Soares (uma magnífica análise do Ensaio Sobre a Cegueira de Saramago e do superior The Day of the Triffids de John Whyndham), António de Macedo (sobre uma fabulosa biblioteca digna dos sonhos de Borges) e José Carlos Gil (conclusão do seu ensaio sobre Lovecraft iniciado no número anterior) ajudam a tornar este número da revista numa peça de qualidade invejável. É, sem dúvida, um dos melhores números da BANG!, confirmando a curva ascendente de qualidade que vinha prometendo desde a edição inicial há quase cinco anos.

Infelizmente, o editorial de Luís Corte-Real agourava já tempos menos bons. Quando o editor diz, "Mesmo que vendamos todos os exemplares impressos, a editora não vai ganhar um cêntimo", é sempre de temer o pior. O que é pena, pois a BANG! é uma revista imprescindível para qualquer pessoa que leve a sério o Fantástico em Portugal. Mais do que isso, é assumidamente a única revista portuguesa dedicada ao Fantástico, sobretudo depois de a esperança prometida pela Dagon se ter desvanecido com um número experimental verdadeiramente medíocre e o subsequente desaparecimento nos esconsos de uma vanity press. É por isso dever de todos nós fazer saber à Saída de Emergência e aos editores da BANG! que não prescindimos da revista e que não prescindimos da revista em papel. Afinal, é a única que temos.

Numa tentativa de minorar as despesas, a Saída de Emergência resolveu voltar a organizar a revista com a "prata da casa"; sai, por isso Nuno Fonseca, a quem devemos agradecer a co-organização de um número da revista verdadeiramente memorável. A substituí-lo, Safaa Dib assume a direcção da revista, representando uma garantia de qualidade e de continuidade no trabalho de excelência que a BANG! vem desenvolvendo em prol do Fantástico.

Espero, por isso, com ansiedade pelo próximo número.