segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Tempus Fugit 2


Outro acontecimento relevante e revelador a obter algum eco no período de desactualização do Blade Runner, foi a polémica que envolveu a hoax da Happy Endings Foundation. Esta organização fantasma apresenta(va) a singela proposta de limitarmos os actos de leitura (de miúdos e graúdos) a livros com finais felizes (obviamente, o valor subjectivo da felicidade nunca foi coisa que preocupasse os estróinas daquele site). E, para mostrar o fervor dos seus princípios, propuseram-se organizar uma queima de livros para o passado dia 05 de Novembro, despertando a ira e indignação da blogosfera.

Confesso - embora seja fácil afirmá-lo ex post facto - que o teor do site em questão nunca me convenceu. E embora gostasse de aparentar uma profundidade de análise, linguística e estrutural, que me tivesse conduzido a essa conclusão, a verdade é que não procedi a qualquer análise aprofundada. Simplesmente, a nível da retórica (constante dos manifestos), faltava-lhe algo que estou habituado a encontrar sempre por detrás destas iniciativas: o fervor religioso do fanático. E apesar de todas as "queixas" apresentadas contra os finais infelizes e o incentivo dado a uma intervençao proselitista junto de terceiros, esse fervor religioso estava ausente; em parte alguma encontramos um subtexto moral que indicasse uma conexão a qualquer uma das igrejas ou seitas, reconhecidas ou não.

Não obstante tal facto, alguns figurões da nossa blogosfera caíram no embuste; um deles, Francisco José Viegas, que, desde que foi apanhado pelo conspiracionismo último-papista, parece bastante apto a engolir qualquer patranha, discorreu fartamente no seu blogue, com recurso mesmo a citações de Montalban para justificar que cada um pode fazer o que lhe apetecer com os seus próprios livros (eu tenho algumas sugestões quanto às inenarráveis páginas de Luís Miguel Rocha que Viegas andou por aí a impingir).

Com a Os Meus Livros de Novembro, Filipe d'Avillez descobre a careca quer à Fundação dos Finais Felizes, quer aos nossos inquietos e inquietantes bloguistas:

No entanto, é imprescindível retirar duas conclusões de toda esta matéria; uma delas, d'Avillez roça com algum prazer malandro, que é a credulidade da nossa intelligentzia cultural que, abananada pelo sucesso de autores comerciais vácuos (como Luis Miguel Rocha, José Rodrigues dos Santos ou Miguel Sousa Tavares) e autores pretensiosos vácuos (como Gonçalo Tavares, José Luis Peixoto ou Rodrigo Guedes de Carvalho) perdeu a capacidade crítica de destrinçar a substância da aparência e procura gratuitamente causas que justifiquem uma indignação de sofá, sem outras consequências que não o eco encontrado no círculo restrito de blogues dos amigos.

Atente-se que, ao mesmo tempo que Viegas carpia a queima dos livros, David Soares já revelava a fraude no seu blogue, sem deixar de espetar as farpas nos lombos mais merecedores.

A outra conclusão a tirar, e desta d'Avillez passa completamente ao largo, é o porquê de uma fraude tão patética ter obtido tanta ressonância. E a resposta é uma, é simples, e é preocupante: é que estamos habituados a viver num mundo tão tolerante perante o grassar da mais desbragada estupidez, muita dela alimentada pelos sectores mais conservadores da Igreja Católica (nisto não mais culpados do que os sectores mais "liberais" da esquerda política), que não duvidamos de que os nossos semelhantes são capazes das mais desabridas cretinices. Ao lado de activistas pró-virgindade, anti-stem-cell research, "pró-vida" e anti-aborto, holistas e iogis, queimar livros não só não surpreende, como quase nos deixa indiferentes.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Tempus Fugit 1


Já faz um mês que o Fórum Fantástico fulgiu a sua chama sazonal pelos jardins do Campo Grande. Um evento demasiado ambicioso para os meios que tem, deixa sempre o sabor de que poderia ter sido algo mais. No entanto, confesso que o Fórum deste ano correu melhor do que eu pessoalmente estava à espera. As clivagens que se vinham sentindo no fandom foram (praticamente) sanadas, os ressentimentos que faziam prever um ambiente crispado não se manifestaram e os convidados - nacionais e estrangeiros - pautaram-se por uma simpatia e excelência invejáveis.

Com alguma parcialidade, não posso deixar de destacar as presença de Bruce Holland Rogers - que, segundo me dizem (outros afazeres impediram-me de estar presente) deslumbrou audiências universitárias com preciosas lições sobre a arte da escrita - e Blanca Riestra que complementou com generosa simpatia a sua perspectiva sobre o universo de Borges e da literatura.

Também Elia Barceló foi de uma alegria contagiante, partilhando histórias e experiências com um genuíno prazer por fazer parte, sem complexos, do universo da literatura fantástica e daqueloutra literatura, a Literatura.

Igualmente um prazer rever Wim Stolke, que conheci em Nantes, nas Utopiales de 2004, e privar com Steve Redwood, que deixou bem claro - de forma esfusiante e cativante - que não é o pseudónimo de Rhys Hughes que durante tanto sempo suspeitamos.

Infelizmente, uma aziaga sobreposição de agenda com outros afazeres profissionais não me permitiu assistir a todas as apresentações (perdi as de José Mário Silva e Rosário Monteiro, a apresentação da Conspiração dos Abandonados de António de Macedo e a pré-apresentação da antologia A República Nunca Existiu, a publicar em 01/2008 pela Saída de Emergência).

Entre os nossos compatriotas, ouvi com interesse Fernando Ribeiro reflectir sobre Horror e Música e, com menos interesse, a leitura de apontamentos sobre Dunsanny, Machen e Lovecraft pelo professor José Manuel Lopes (o que parece confirmar que a nossa Academia não consegue levar a literatura popular com o mesmo ânimo que os anglo-saxónicos imprimem a estas iniciativas). Tive ainda o prazer de apresentar com o João Barreiros, o Luis Filipe Silva e o Miguel Neto a primeira parte da trilogia A Bondade dos Estranhos (Chimpanzé Intelectual).

Destaque também para a apresentação da antologia Por Universos Nunca Dantes Navegados, por Luis Filipe Silva e Jorge Candeias, que foi o culminar de um processo que praticamente nasceu - ou pelo menos viu o primeiro luzir de sol - no Fórum Fantástico de há dois anos e que serviu de mote a uma interessante conversa/discussão sobre o passado, o presente e o futuro da ficção curta, que de certo modo se assumiu como o tema central do fórum deste ano.

Como sempre nestas coisas, há também algumas queixas: a falta de uma programação para as noites; a continuada incapacidade de proceder ao registo, colecção e divulgação das intervenções (kudos, por isso, à Saída de Emergência, que colocou on line e na íntegra as intervenções do professor José Manuel Lopes e Fernando Ribeiro); e o espaço/tempo excessivo que dedicou à vinda de Cebulski, um mero scouter da Marvel, que teria sido facilmente substituído por dois ou três autores capazes de contribuír para o enriquecimento do fórum.

Não obstante estas queixas, impõe-se mais uma vez parabenizar a Safaa Dib (todos sabemos o empenho e sacrifício pessoal que o Fórum deste ano lhe exigiu) e o Rogério Ribeiro por assegurarem a continuidade do evento.