terça-feira, 31 de dezembro de 2013

The Final Countdown


Não restam grandes dúvidas, neste momento, e no final de mais um ano de calendário, de que o BLADE RUNNER é um espaço virtual assombrado pelos fantasmas de projectos por cumprir. A média anual de quarenta posts ao longo destes sete anos de semi-inactividade não permite ocultar que 217 dos 240 posts foram publicados nos primeiros três anos e meio de existência do blogue.

É, assim, momento de colocar um ponto final na actividade do BLADE RUNNER. E, no entanto, pôr termo ao blogue ao fim de oito meses de total ausência de publicações não deixa de saber a desistência. Um sabor que não me agrada muito.

Resolvi por isso, agendar o ponto final no blogue para o dia 31 de Dezembro de 2014. O objectivo? Permitir-lhe, e a mim, uma última oportunidade de exibir algum fulgor antes da machadada final. A data da execução fica marcada; a mim incumbe-me fazer com que o blogue tenha um final digno ou se mantenha apenas uma presença silenciosa numa ciberesfera cada vez mais dominada pelo ensurdecedor grasnar vácuo do facebook.

Aqueles que queiram acompanhar esta corrida contra o relógio, os meus votos de um excelente ano de 2014 aqui no BLADE RUNNER.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

RIP: Jesus Franco (1930-2013)


Faleceu ontem, num hospital em Málaga, o mais prolífico realizador Europeu de sempre. Com mais de 190 filmes no seu currículo, sem contar as inúmeras versões de muitos deles, e uma ligação muito especial a Portugal, onde veio buscar cenários fantásticos (nos dois sentidos do termo) para muitos dos seus filmes, Franco foi um realizador literalmente único. O seu olhar, filtrado pela câmara, foi capaz de dotar o mundo e as suas personagens de uma dimensão que poucos de nós poderiam perceber sem ajuda. Despreazado pela crítica durante a maior parte da sua carreira, apenas recentemente, com a recuperação das suas obras em magníficos DVD e BD, viu reconhecida uma parca fatia do seu incomensurábvel mérito.

Franco é uma daquelas forças ocultas que modelam indelevelmente a realidade e a história da imaginação, com uma influência que vai muito além da sua multivariegada obra. A marca da sua imaginação, que abordou todos os géneros possíveis e imagináveis, e que nos legou personagens inesquecíveis como o Dr. Orloff ou o detective Al Pereira, é visível na obra de centenas de outros criadores que reconhecem agradecidos a sua influência benigna.

Franco morreu poucos dias após a estreia do seu último filme AL PEREIRA VS THE ALLIGATOR LADIES (2013), estreado a 22 de Março, e a pouco mais de um mês de cumprir 83 anos. Desde há quase uma década que devoro avidamente os seus filmes, que como todos os que os conhecem bem sabem, vão do sublime ao banal. Quis o destino que o Maestro morresse no preciso dia em que recebi uma das ansiadas embalagens da Amazon trazendo três dos seus filmes (CECILIA, LORNA L'EXORCISTE e LA CONTESSE PERVERSE). O vazio que se abriu no mundo do cinema Fantástico será muito difícil de colmatar.

terça-feira, 19 de março de 2013

DEATH RACE 3: INFERNO (Roel Reiné, 2012)


Uma das principais causas do declínio da qualidade narrativa e da estética visual no cinema fantástico tem sido a detrimental influência visual dos reality shows e dos videojogos; CGI, movimentos tremidos de câmara, rap ou hip-hop aos berros, impossíveis POV subjectivos e colorações esverdeadas parecem ter vindo para ficar: nem é preciso dizer SUCKER PUNCH (2011) ou Uwe Böll para justificar este argumento. Curiosamente, ambos os factores funcionam maravilhosamente ao serviço deste DEATH RACE 3: INFERNO, tal como tinham favorecido já as duas anteriores entregas. Paul W. Anderson – que não é propriamente alheio à adaptação de videojogos (RESIDENT EVIL e suas sequelas, que escreveu e/ou realizou) – realizador por cujo trabalho até há pouco tempo pouca simpatia tinha, soube evitar a armadilha de refazer o clássico de culto de Paul Bartel, DEATH RACE (1975) e, com o beneplácito de Corman, surpreendeu com um filme entusiástico, competente, e com o seu q.b. de comentário social como forma de justificar a extravagante violência automobilística.


Quando DEATH RACE estreou em 2008, com o cenário de uma economia americana colapsada, não deve ter deixado de provocar um arrepio nos espectadores que começavam ainda a descobrir o longo dominó financeiro despoletado pela falência do Lehman Brothers, conferindo particular relevância à sua trama de exploração de uma corrida mortal como forma de financiar os crescentes custos do sistema prisional privatizado. Juntamente com o subapreciado REPO MEN (2009) de Miguel Sapotchnick, foi um dos primeiros filmes a representar cenários de horror económico após o soluço financeiro de 2008, o que terá conferido algum grau de plausibilidade às excêntricas premissas de um e outro.


A história dos vários DEATH RACE, como a narração desta última entrega não deixa de nos recordar, começa e acaba com Frankenstein, a estrela mascarada das corridas letais que, a par do inovador DR. WHO (1963-actualidade), oferece uma razão lógica e plausível para a passagem de testemunho de Jason Statham no primeiro filme, para o surpreendentemente agradável Luke Goss (da famigerada boys band original, Bros) nas duas sequelas. Tendo começado com a típica história de um encarceramento imerecido, perpetuado por uma incriminação que assegurasse a sua participação nas corridas substituindo o original Frankenstein (David Carradine) falecido num aparatoso acidente, o piloto mascarado (como um Jason Vorhees tecnofantástico) oferece um excelente ícone anónimo para identificação e gáudio das massas que acompanham as corridas no circuito prisional de Terminal Island.




Depois de DEATH RACE ter estabelecido a premissa da corrida mortal, as regras e a recompensa (ao fim de cinco vitórias, a liberdade), e DEATH RACE 2 (2010) ter jogado de forma interessante com a questão da identidade do homem sob a máscara, pouco mais resta a esta mais recente entrega do que aumentar o grau de espectacularidade da acção e fazer variar o cenário, tarefa que Anderson (argumentista) e Roel Reiné (realizador) fazem sem hesitar. Uma OPA agressiva por parte do multimilionário Frost (Dougray Scott, preenchendo o habitual papel do vilão britânico que tem dominado o cinema americano) sobre a empresa de Weyland (Vingh Rhames) que explora as corridas, serve como justificação para o cenário da corrida no deserto do Kalahari, o que permite fazer o upgrade dos carros musculados e blindados das primeiras entregas para verdadeiros colossos todo-terreno que parecem saídos das oficinas de MAD MAX (1979-1985). Tudo o mais, todas as pequenas intrigas secundárias, são apenas rodas dentadas da engrenagem no coração do filme: as próprias corridas, filmadas com a precisão de um velho espectáculo de Hal Needham, e a anos-luz das abstracções CGI da série THE FAST AND THE FURIOUS (2001-2010).




Não obstante a centralidade dos três grandes segmentos da corrida, Anderson e Reiné empilham outros motivos de interesse puramente pulp, desde o pormenor dos guardas que patrulham o perímetro prisional com corpulentas hienas, passando por duas cenas de pancadaria com artes marciais, até à inesperada prova de selecção das sensuais navegadoras que, tivesse sido filmada nos tempos áureos da AIP ou da New World Pictures de Corman, não deixaria de incluir tops arrancados e corpo-a-corpo na lama (confirmando o filme como um clássico de culto instantâneo), antes de culminar na violenta apoteose com machados, lança-chamas e cabeças decepadas com que somos bafejados.


O elenco de actores, que inclui os favoritos de culto Danny Trejo (FROM DUSK TILL DAWN) e Ving Rhames (PULP FICTION) parte do qual transita dos filmes anteriores, entrega-se com gosto a este misto de filme de acção, exploitation e tímido comentário social, apesar de alguns apartes dos falsos anúncios televisivos, seguindo na linha de outros semelhantes da obra de Paul Verhoeven (v.g. ROBOCOP, STARSHIP TROOPERS), se apresentarem como apontamentos semi-satíricos que elucidam alguns pormenores da constituição do tecido sociológico do futuro próximo imaginado pelo filme; o meu favorito: “o acesso ilegal ao live feed será punido com pena de morte, ou prisão perpétua para os menores de quinze anos”.


Luke Goss possui inegável carisma no papel do mítico Frankenstein e a belíssima Tanit Phoenix incendeia o ecrã à cabeça de um deslumbrante elenco feminino que pouco mais faz do que cumprir a função de regalo para os olhos e, para além do generoso decote que ostenta em todo o filme, presenteia o espectador com a mais inesperada, absurda e gratuita shower scene de que há memória, de tal forma que nos sugere a sua inclusão como um momento auto referencial face às convenções genéricas. Não que isso constitua razão de queixa, seja como for…




Contas feitas, e parafraseando umas das mais memoráveis falas de Quentin Tarantino, DEATH RACE: INFERNO, é uma pop bubblegum extravaganza, que preenche exemplarmente a sua intenção de servir um espectáculo puramente sensorial. O final, que imagino não encontre uma recepção unânime por parte da audiência, apenas faria sentido até finais dos anos setenta e nos série-B mais fracos, num universo alheio às regras da genética e onde os registos dentários não existissem. Atenta a gratuitidade com que a vida humana é encarada ao longo de toda a série, poder-se-ia arguir que a identificação dos cadáveres seria uma formalidade desnecessária, mas se tivermos em conta os milhões de dólares em jogo na trama, não se nos afigura muito credível – é apenas preguiça de Anderson no argumento, ou o simples gosto de escrever uma conclusão antiquada, mais adequada à era que inspirou e viu surgir o primeiro DEATH RACE (1975), do que a um imaginário amplamente informado por séries como CSI ou THE CLOSER. Seja como for, é um final relativamente insatisfatório mas que deixa em aberto múltiplos rumos futuros para a franchise e, pelo menos desta vez, fico ansioso pela próxima sequela.

terça-feira, 5 de março de 2013

COWBOYS & ALIENS (Jon Favreau, 2011)



O Western, enquanto género ou conjunto de convenções iconográficas e narrativas, situa-se na génese dos principais veios da cultura popular, quer na literatura, quer no cinema, desde o Policial e o Road Movie (por motivos óbvios), até, de forma mais subtil, à aparentemente irrelacionável Ficção Científica: e no entanto, são múltiplos os pontos de contacto entre um e outra, desde o ímpeto de expansão para novas fronteiras – uma actualização da doutrina do manifest destiny americano, tão bem corporizado na série Star Trek (1966-1969) – até à anomia de sociedades pós-apocalípticas como aquelas que encontramos representadas em MAD MAX (1979-1985) e seus infindáveis derivados assinados por Enzo G. Castelari (a trilogia do Bronx), Robert Hayes (SHE-WOLVES OF THE WASTELAND) ou Donald Jackson (HELL COMES TO FROGTOWN), para citar apenas uma ínfima parte, que são autênticos westerns em tudo menos no nível (pós)tecnológico.


Provavelmente, foi este grau de proximidade genética, aliado a um grau de proximidade do registo histórico, que ditou que fossem escassas as obras de Ficção Científica que abordassem cenários tecnológicos no velho oeste. Ou isso, ou o facto de o filão ter sido quase exaurido na série de televisão The Wild Wild West (1965-1969), que na sua segunda série (1967-1968), conta inclusivamente com um episódio (“The Night of the Flying Pie Plate”, ep.06), que nos apresenta a chegada de um disco voador tripulado por homenzinhos verdes (neste caso, mulheres verdes), mas que na realidade não passa de um esquema do Dr. Loveless para roubar um carregamento federal de ouro! Parece-lhe familiar? Então é porque já viu COWBOYS & ALIENS, que se limita a literalizar a presença de seres alienígenas para contar a mesma história.




Serve este breve introito para expressar a minha total incompreensão pelas sucessivas declarações de Steven Spielberg (produtor executivo), Roberto Orci e Alex Kurtzman (co-argumentistas) e Scott Mitchell Rosenberg (autor da novela gráfica original, que não li, nem tenciono ler), espalhadas um pouco por todas as publicações especializadas e em entrevistas no DVD (Paramount, R2), que parecem apontar para a descoberta de um conceito tão revolucionariamente novo que faria Dan O’Bannon corar de vergonha por nunca ter pensado nele. Porém, esse é um dos principais problemas com o filme em apreço (e, presumo, da novela gráfica a que vai buscar o título): é uma ideia que pouco adianta para além do conceito, bem patente no título do filme. COWBOYS & ALIENS (que na realidade poderia chamar-se ÍNDIOS & COWBOYS & ALIENS, tornando ainda mais claro o carácter de fantasia infantil que, curiosamente, Olivia Wilde parece intuir na sua entrevista na featuretteGetting the Story”, incluída no DVD), apontam claramente para um ponto de partida que precisaria de muito mais do que apenas cowboys e aliens para funcionar como um todo integrado.



E não são poucos os problemas que se colocam a uma tal premissa: a proximidade do registo histórico, completamente estéril no que toca a lendas que se prendam com o avistamento de OVNI ou contacto com criaturas alienígenas (não obstante a vaga de avistamento de imaginados dirigíveis e charutos voadores que, na sequência da visita do balonista francês Charles Durant e outros aeronautas que, na década de 1830, prendiam a imaginação popular, surgiam de quando em quando nos jornais da época) aumenta o grau de dissonância entre tais conceitos e a dificuldade de os integrar de forma coesa e coerente; o que é dificultado pela tarefa de criar uma narrativa que justificasse o porquê de nunca se terem encontrado rastos ou restos dessa intervenção de uma tecnologia extra-terrestre superior, que não passe pelas frágeis construções de teorias conspirativas derivadas de Roswell (e que já fragilizara o INDIANA JONES AND THE KINGDOM OF THE CRYSTAL SKULL de Spielberg).


O resultado é sintetizável em poucas linhas, o que não deve ser utilizado contra si, já que estamos no reino do primado da ideia: uma espécie alienígena visita a Terra em busca de ouro, e procede à abdução de dúzias de americanos, entre os quais um assaltante reformado (Daniel Craig), e o filho de um poderoso rancheiro na linha de Chisum (Harrison Ford), a quem o primeiro roubara uma fortuna em ouro, fazendo com que ambos, depois de Craig ter conseguido escapar, amnésico, se aliem no comando de uma posse em busca dos seus entes queridos. Pelo caminho recrutam a ajuda do antigo bando de Craig, de uma tribo de índios igualmente vítima da rapina alienígena, e de uma atractiva alienígena de uma espécie rival que não só é capaz de ressuscitar, como no final, à laia de Cristo, sacrifica-se para salvar a espécie humana. 



Se a trama em si é linear e não onera grandemente a inteligência do espectador, que pode dispensar as principais funções cognitivas para a acompanhar, o problema não é minimamente minorado pela intervenção de Orci e Kurtzman no argumento, reforçados com os poderes de co-produção; Orci e Kurtzman, para mim, são o equivalente moderno do Joe Ezterhas dos anos 80 e 90, deixando no seu caminho um rasto de filmes medíocres – THE ISLAND (2005), TRANSFORMERS (2007-2011) e STAR TREK (2009), para citar os principais – que escondem a inépcia da escrita através de uma ininterrupta tempestade sonora e de efeitos especiais que anestesiam a mente e adormecem o intelecto numa emulsão exclusivamente sensorial. Mas num filme em que, pela sua própria natureza, os efeitos especiais devem ficar contidos à intervenção extraterrestre, respeitando o ambiente convencional do cinema do oeste, a fragilidade do argumento fica a nu. E é impossível esconder o quão o filme depende de vários deus ex machina para evitar ficar atolado em situações absurdas e perfeitamente dispensáveis. Seja a primeira intervenção alienígena que permite ao filme sair-se do impasse em que se colocara com Craig e Paul Dano acorrentados à mercê de Ford, passando pela ressurreição de Ella (Wilde) quando parecia impossível evitar que os índios massacrassem a posse de Ford e Craig, até ao cliché do letrado pacifista que não consegue acertar um único tiro numa garrafa de vidro ao longo de todo o filme mas que em pleno ardor da batalha desfecha um tiro certeiro na cabeça de um monstro alienígena, evitando um triste fim para uma das personagens principais (Ford).


Por vezes, é possível evitar que os espectadores reparem nestas facilidades de escrita absorvendo-os com personagens interessantes e bem construídas; mas as personagens que habitam este Oeste selvagem composto de lugares comuns são também elas meras figuras de papelão, elementos que devem chegar o mais rapidamente possível à próxima cena de acção para permitirem que aquilo que verdadeiramente interessa – os efeitos especiais da “Industrial Light & Magic” – possa assumir o seu carácter de centralidade. Para os que ansiavam pela alta intensidade de ver o novo James Bond contracenar com o imortal Indiana Jones, o filme não pode ter-se revelado senão uma tremenda desilusão. Não existe uma única cena que consiga gerar a mesma intensidade que marcava a mera conversa num café entre Al Pacino e Robert de Niro em HEAT (1995), num outro ansiado confronto de gigantes. 



E se Harrison Ford ainda consegue fazer aflorar momentaneamente uma personalidade forte quando conta ao miúdo que os acompanha como cortou a garganta do próprio pai que agonizava às portas da morte, com a mesma faca que acabara de oferecer à criança que se fascinara com ela (“Be a man”, diz-lhe ele), Craig não dispõe de qualquer oportunidade para transcender a mera prestação física da sua interpretação (embora me tenha deliciado com a cena em que pede a Dano (no papel de Percy Dollarhyde) que lhe dê a mão, dizendo-lhe que sabe como libertá-lo das correntes, o que faz partindo-lhe os ossos da mão).



Amnésica, a sua personagem busca claramente explorar a memória que todos temos do magnífico Pistoleiro Sem Nome popularizado por Clint Eastwood na trilogia de filmes de Sergio Leone (1964-1967). Um homem sem nome e sem memória é um homem sem passado, porém, qualquer passado que pudesse adensar o mistério é desde logo dissipado por recorrentes flashbacks que nos revelam que Craig era apenas um bandido que enganou os companheiros por causa de uma mulher. Mais tarde, quando conhecemos o bando que costumava liderar, não encontrámos um único elemento inteligente ou que vá além da mera caricatura oriunda da central de casting. Nem enquanto líder bandoleiro Craig possuía qualquer grandeza. Lembram-se quando em A FISTFUL OF DOLLARS (1964) depois de a personagem de Eastwood (Joe na versão italiana) ter sido estabelecida como um tipo implacável e movido unicamente pelo seu próprio interesse, parece inverter essa imagem ao arriscar-se para salvar Marisol, que os Rojos mantêm cativa? Quando ela lhe pergunta porque o fez, ele responde sem grandes detalhes: “Once I knew someone like you, and there was no one to help”. Dessa simples situação resulta mais personalidade e densidade de carácter do que em toda a prestação de Craig.


No mais, com a necessidade de obrigar à identificação dos espectadores com as personagens principais, e tendo os alienígenas como principais adversários, nenhuma das personagens pode ter qualquer defeito ou marca de vilania; o próprio Coronel Dollarhyde (Ford), que desde logo nos é apresentado como um déspota cruel, violento e injusto, revela-se tudo menos isso, e não o vemos cometer um único acto repreensível ao longo de toda a metragem. Pelo contrário, ele é o prototípico personagem Spielberguiano, um pai que procura o filho, tendo uma outra figura filial como ponto de comparação. Em nenhum momento qualquer personagem humana ameaça sequer com a possibilidade de fraquejar ou de trair o grupo. E quem gostava de ver uma possível relação Donifon (John Wayne) / Liberty Valance (Lee Marvin) desenrolar-se contra o pano de fundo de uma invasão alienígena, fará melhor em revisitar o THE THING (1981) de Carpenter, onde a paranoia e a desconfiança são os elementos predominantes entre as personagens.



Num cenário de tal mendicidade imaginativa, ao invés de concentrado na diegese o espectador está a formular uma pergunta após a outra: Para que querem os alienígenas o ouro, se no interior da sua nave (uma construção claramente inspirada nas pranchas do seminal ARZAK de Moëbius, adapatado para série de animação – ARZAK RHAPSODY (2003) – pelo próprio Jean Giraud), não vemos uma única peça dourada e os aliens não usam sequer vestuário quanto mais adereços? A única resposta (para disfarçar a falta de uma credível) é a que nos é dada por Ella – “O ouro é tão escasso para eles como o é para vós.” – o que faz pressupor uma economia de mercado baseada no padrão-ouro, como a nossa; pelo menos no referido episódio de The Wild Wild West, os falsos venusianos precisavam do ouro como combustível para a sua nave. Como é possível que a arma alienígena que Craig consegue (meio acidentalmente) arrebatar ao cientista alienígena (que significativo é que o único cientista do filme seja alienígena e uma espécie de Dr. Mengele) que o estava a operar funcione através das suas ondas mentais? De onde veio Ella, como chegou cá, porque não traz consigo uma única arma? E, mais significativamente, talvez, porque escolher adoptar a forma de uma mulher (armada com um revólver) numa época dominada pelo estereótipo do pistoleiro? Terá avaliado mal a cultura do planeta onde veio parar? Para os que pensem que é uma pergunta misógina, perguntem-se que forma escolheria uma galinha se pudesse metamorfosear-se para escapar à panela. Certamente que não a de uma sexy pistoleira, sobretudo se os cozinheiros também estivessem armados e não se importassem de fazer o gosto ao dedo. E porque acha ela que se destruírem todos os elementos da guarda avançada alienígena, os demais não investigarão o que se passou? 



Perguntas que ficam sem responder e que chamam a atenção para as demais contradições do argumento: o motor da narrativa é o rapto/abdução de várias pessoas por parte dos ETs. Ella explica que os alienígenas estão a estudar os pontos fracos da espécie humana, preparando a invasão. No entanto, quando é necessário pensar uma estratégia para resgatar os abduzidos da aparentemente impregnável fortaleza/nave, a solução é atrair os alienígenas para o exterior, pois como eles não consideram que os humanos sejam minimamente perigosos ou sequer particularmente engenhosos, os deixarão sem guarda. E como solucionar a intrusão na fortaleza alienígena – que arrastaria mais uns milhões em cenários digitais e pelo menos mais meia-hora de filme – senão colocar Ella a dizer que os alienígenas afinal vivem em cavernas pois não suportam a luz do sol, se depois os vemos a mover-se livre e eficazmente sob o sol do deserto, e no final os vemos no interior da nave reunidos em torno do ofuscante gerador? E que dizer da abusada falha estrutural que desde o original STAR WARS (1977) serve para argumentistas preguiçosos e pouco imaginativos destruírem facilmente uma superestrutura inexpugnável? 




COWBOYS & ALIENS fica-se pela mera ideia. Mas se a Ficção Científica já foi considerada a Literatura de Ideias, só uma ideia não chega para fazer um bom filme de Ficção Científica. Talvez por isso Favreau, Orci e Kurtzman recorram desesperadamente a tantos momentos icónicos de filmes anteriores, desde JURASSIC PARK (1993) (o momento já referido entre Ford e o miúdo, que ecoa aquele outro entre Sam Neil e um outro miúdo, tendo uma garra de velociraptor onde este tem uma faca), até ao final de I, CRUDELI (1967), onde o vilão também termina coberto com o ouro derretido que tinha roubado. Atrever-me-ia a identificar um paralelo mais subtil entre o alienígena que mata a mulher de Craig, e que este deixa marcado com uma cicatriz, e o duelo de John Wayne, em THE SEARCHERS (1956), com o chefe índio Scar (cicatriz), que para o Ethan Hawke de Wayne é tão alienígena como o mais foleiro monstro de CGI, mas um tal paralelo parece-me totalmente fora do alcance de Orci e Kurtzman – mas não já de Spielberg que, ao que consta, aprendeu a fazer cinema com John Ford. 



A realização de Jon Favreau, competente ao leme de IRON MAN (2008), apresenta-se aqui no mesmo modo confiante de cruzeiro que tornara IRON MAN 2 (2010) um exercício frustrante, levando-me a crer que, tal como Orci e Kurtzman, Favreau confia em demasia na capacidade dos efeitos especiais obliterarem os demais defeitos do filme. Mas nenhum efeito especial consegue transformar uma direcção ociosa num trabalho competente.

BREEDERS (Tim Kincaid, 1986)



BREEDERS é um descendente tardio do ALIEN (1979) de Ridley Scott, embora, curiosamente, devolva a temática às raízes do mais puro pulp dos anos trinta, comuns a ambos. Mas se o filme de Scott actualizava, de uma forma esteticamente irrepreensível e politicamente relevante, as promessas lúbricas das capas berrantes das THRILLING WONDER STORIES e PLANET STORIES, Tim Kincaid, argumentista e realizador deste BREEDERS opta por uma adaptação mais literal da sua temática. Se a particular estética da ficção científica da era das pulp parecia privilegiar os BEMs (Bug Eyed Monsters) tentaculados e ansiosos por provar as delícias carnais das virginais terrestres de vestes esfarrapadas, o conteúdo das publicações era bastante mais casto e relevante do que as audaciosas ilustrações prometiam. Apenas um punhado de contos de Henry Kuttner (três para ser mais preciso), escritos sob o pseudónimo James Hall (um deles), e publicados (nos dois primeiros números da) na efémera MARVEL SCIENCE STORIES, logravam cumprir a promessa das capas, apresentando-nos lúbricos monstros alienígenas, e donzelas de vestes esfarrapadas a contorcer-se nos braços tentaculados, verdadeiramente dignos das ilustrações. Nos demais casos, não é difícil imaginar a desilusão dos muitos adolescentes que despendiam os seus suados cêntimos à procura de uma brecha que lhes desse acesso momentâneo a um universo adulto, perverso e kinky, nem é difícil imaginar Kincaid como um desses adolescentes, ou como alguém que optou por os vingar.



BREEDERS é uma dessas histórias tornadas celuloide. Preparando uma invasão alienígena, um monstro de olhos esbugalhados viola uma série de atraentes jovens, todas elas virgens e que, depois de tratadas no Hospital de Manhatan, despertam como zombies, respondendo ao chamamento de uma cave subterrânea onde se deliciam com banhos de uma substância de aspecto seminal. Cabe a um detective de polícia (Lance Lewman) e a uma médica (Teresa Farley) desvendar o mistério e destruir a testa de ferro da invasão, o que fazem da forma mais involuntariamente inepta que imaginar se possa.





Kincaid rodou o filme no âmbito de uma proposta audaciosa que apresentou a Charles Band, dirigente da Empire Entertaiment: rodar duas longas-metragens simultaneamente (a outra foi MATT RIKER: MUTANT HUNT), ambas em apenas dez dias e com custos que não ultrapassassem o milhão de dólares. As nítidas limitações orçamentais e de tempo são bem visíveis nos decorados vazios e nus, e no fato de borracha do monstro, sendo que Kincaid deve ter reservado a maior parte do orçamento para duas cenas de efeitos especiais, curiosamente um tímido e modesto chest burster ripado de ALIEN, e uma exploding head inspirada por SCANNERS (1980), mas sem que Ed French (que também dirigiu as cenas de efeitos especiais e interpretou o médico que, no final do filme, é possuído pelos alienígenas) logre obter um décimo da eficácia de um ou outro efeito dos filmes onde originalmente surgiram.


Marcado por interpretações absolutamente ineptas de praticamente todos os envolvidos (apenas Lee Anne Baker, actriz que interpreta uma jovem enfermeira que é também vitimada pelo monstro, demonstra alguma capacidade de representação), e claramente mais interessado na exibição dos atributos femininos das actrizes intervenientes (aos mais interessados nestes pequenos pormenores, e na actriz principal, Teresa Farley, deverão estar atentos a um curtíssimo nip-slip perto do final), o filme tem porém o condão de irritar e ofender em doses iguais todos aqueles que tenham dificuldade em tolerar o tratamento mais descontraído ou leviano de temas sérios como a violação e os maus tratos sobre as mulheres.




Concentrando-se obsessivamente na virgindade das vítimas (CHERRY FALLS, faria o mesmo com os slasher movies, com resultados pouco melhores em 2002), Kincaid não leva o filme para o campo batido da dificuldade em encontrar virgens no quartel final do século XX (o Conde Drácula de Morrissey, Warhol e Margheritti enfrentara já esse problema em 1974 – aliás, o título italiano é bem elucidativo: DRACULA CERCA SANGUE DI VERGINE… E MORI DI SETE), mas também parece indiferente à aparente abundância com que estas pululam por Nova Iorque, nas mais inesperadas profissões: no mundo da moda e da enfermagem, e nalguns casos, já bem entradas na casa dos trinta. Mais do que um comentário à mores dominante ou à solidão das grandes cidades, é apenas mais um elemento de identificação do filme com os clássicos do Horror e da FC dos anos 30 aos anos 50, actualizados por via de uma maior liberdade sexual.







Liberdade essa resultante do crescente mercado videográfico para consumo caseiro, que permitiu explorar a nostalgia de uma geração que se formou com os extravagantes opus de sexo e violência que durante os anos 70 vicejavam nos drive-ins e nas grindhouses. BREEDERS insere-se assim num movimento concertado de filmes que, em meados dos anos 80, apostaram em levar para as salas de estar as experiências que antes apenas podiam obter-se nos cinemas menos reputados do interior, dos centros urbanos decrépitos, e da famosa 42nd Street de Nova Iorque. Se um maior grau de explicitude retirou uma dose do poder perturbador de filmes mais contidos como o MURDERS ON THE RUE MORGUE (1932) de Robert Florey, CAT PEOPLE (1942) de Jacques Tourneur (este também objecto de um soberbo e explícito remake por Paul Schrader em 1982), ou mesmo de I MARRIED A MONSTER FROM OUTER SPACE (1958) de Eugene Fowler, abriu também uma maior paleta plástica na representação do até então irrepresentável.






E, pese embora todas as limitações referidas, Ed French, que já assinara também os efeitos de maquilhagem do clássico de culto C.H.U.D. (1984) no ano anterior, consegue por via dessa representação do irrepresentável, fazer momentaneamente a ponte entre o imaginário da cultura popular e visionários como Brueghel ou Bosch, apresentando-nos numa criação surrealista de feições distorcidas e órgãos reposicionados, o desastroso resultado da impregnação de uma não virgem pelos alienígenas, enegrecendo ainda mais a conotação sexual e a importância da virgindade num subtexto, quiçá involuntário, mas terrivelmente conservador.


A imagem mais gratuitamente erótica e duradoura que resulta do filme (pelo menos a julgar pela polémica que a publicação de uma fotografia de produção nas páginas da FANGORIA #51 de Janeiro de 1986 gerou), é a das cinco actrizes convertidas em reprodutoras, tão nuas quanto o bom gosto permite, num lânguido banho de visco seminal alienígena que espalham por todo o corpo com gestos de uma transbordante sensualidade, iluminadas em tons primários, sanguinolentos, como num recorrente sonho uterino.






Recordo-me de ter visto este filme em VHS, numa edição pan&scanada, algures em 1988 ou 1989, e de não ter gostado minimamente do filme. Revendo-o agora numa edição primorosamente restaurada para o seu correcto formato 1:85:1, foi-me mais fácil simpatizar com as intenções dos autores (talvez ajudado por uma dose de nostalgia), e anotar com mais facilidade, não só os muitos defeitos, mas as poucas imagens que perduram.



BREEDERS foi objecto de um remake não oficial em 1996, com argumento e realização de Paul Matthews, e efeitos especiais bem mais conseguidos do que no esforço inicial de Kincaid. Este novo BREEDERS mantém a mesma ideia central, embora reduza a zona de caça da criatura alienígena, do centro de Manhattan, para um colégio feminino. Apesar da alteração, e dos superiores efeitos especiais, a nudez é inexistente, o que ajuda a explicar que tenha passado totalmente desapercebido para as longas e sobrecarregadas estantes do esquecimento.