BREEDERS é uma dessas histórias tornadas celuloide. Preparando
uma invasão alienígena, um monstro de olhos esbugalhados viola uma série de atraentes
jovens, todas elas virgens e que, depois de tratadas no Hospital de Manhatan,
despertam como zombies, respondendo ao chamamento de uma cave subterrânea onde
se deliciam com banhos de uma substância de aspecto seminal. Cabe a um
detective de polícia (Lance Lewman) e a uma médica (Teresa Farley) desvendar o
mistério e destruir a testa de ferro da invasão, o que fazem da forma mais
involuntariamente inepta que imaginar se possa.
Kincaid rodou o filme no âmbito de uma proposta audaciosa
que apresentou a Charles Band, dirigente da Empire Entertaiment: rodar duas
longas-metragens simultaneamente (a outra foi MATT RIKER: MUTANT HUNT), ambas em apenas dez dias e com custos que
não ultrapassassem o milhão de dólares. As nítidas limitações orçamentais e de
tempo são bem visíveis nos decorados vazios e nus, e no fato de borracha do
monstro, sendo que Kincaid deve ter reservado a maior parte do orçamento para
duas cenas de efeitos especiais, curiosamente um tímido e modesto chest burster ripado de ALIEN, e uma exploding head inspirada por SCANNERS
(1980), mas sem que Ed French (que também dirigiu as cenas de efeitos especiais
e interpretou o médico que, no final do filme, é possuído pelos alienígenas)
logre obter um décimo da eficácia de um ou outro efeito dos filmes onde
originalmente surgiram.
Marcado por interpretações absolutamente ineptas de
praticamente todos os envolvidos (apenas Lee Anne Baker, actriz que interpreta
uma jovem enfermeira que é também vitimada pelo monstro, demonstra alguma
capacidade de representação), e claramente mais interessado na exibição dos
atributos femininos das actrizes intervenientes (aos mais interessados nestes
pequenos pormenores, e na actriz principal, Teresa Farley, deverão estar
atentos a um curtíssimo nip-slip
perto do final), o filme tem porém o condão de irritar e ofender em doses
iguais todos aqueles que tenham dificuldade em tolerar o tratamento mais
descontraído ou leviano de temas sérios como a violação e os maus tratos sobre
as mulheres.
Concentrando-se obsessivamente na virgindade das vítimas
(CHERRY FALLS, faria o mesmo com os slasher movies, com resultados pouco
melhores em 2002), Kincaid não leva o filme para o campo batido da dificuldade
em encontrar virgens no quartel final do século XX (o Conde Drácula de Morrissey,
Warhol e Margheritti enfrentara já esse problema em 1974 – aliás, o título
italiano é bem elucidativo: DRACULA
CERCA SANGUE DI VERGINE… E MORI DI SETE), mas também parece indiferente à
aparente abundância com que estas pululam por Nova Iorque, nas mais inesperadas
profissões: no mundo da moda e da enfermagem, e nalguns casos, já bem entradas
na casa dos trinta. Mais do que um comentário à mores dominante ou à solidão das grandes cidades, é apenas mais um
elemento de identificação do filme com os clássicos do Horror e da FC dos anos
30 aos anos 50, actualizados por via de uma maior liberdade sexual.
Liberdade essa resultante do crescente mercado
videográfico para consumo caseiro, que permitiu explorar a nostalgia de uma
geração que se formou com os extravagantes opus de sexo e violência que durante
os anos 70 vicejavam nos drive-ins e
nas grindhouses. BREEDERS insere-se assim num movimento concertado de filmes que, em
meados dos anos 80, apostaram em levar para as salas de estar as experiências
que antes apenas podiam obter-se nos cinemas menos reputados do interior, dos
centros urbanos decrépitos, e da famosa 42nd Street de Nova Iorque. Se um maior
grau de explicitude retirou uma dose do poder perturbador de filmes mais
contidos como o MURDERS ON THE RUE
MORGUE (1932) de Robert Florey, CAT
PEOPLE (1942) de Jacques Tourneur (este também objecto de um soberbo e
explícito remake por Paul Schrader em
1982), ou mesmo de I MARRIED A MONSTER
FROM OUTER SPACE (1958) de Eugene Fowler, abriu também uma maior paleta
plástica na representação do até então irrepresentável.
Recordo-me de ter visto este filme em VHS, numa edição
pan&scanada, algures em 1988 ou 1989, e de não ter gostado minimamente do
filme. Revendo-o agora numa edição primorosamente restaurada para o seu
correcto formato 1:85:1, foi-me mais fácil simpatizar com as intenções dos
autores (talvez ajudado por uma dose de nostalgia), e anotar com mais facilidade,
não só os muitos defeitos, mas as poucas imagens que perduram.
E, pese embora todas as limitações referidas, Ed French,
que já assinara também os efeitos de maquilhagem do clássico de culto C.H.U.D. (1984) no ano anterior,
consegue por via dessa representação do irrepresentável, fazer momentaneamente
a ponte entre o imaginário da cultura popular e visionários como Brueghel ou
Bosch, apresentando-nos numa criação surrealista de feições distorcidas e
órgãos reposicionados, o desastroso resultado da impregnação de uma não virgem
pelos alienígenas, enegrecendo ainda mais a conotação sexual e a importância da
virgindade num subtexto, quiçá involuntário, mas terrivelmente conservador.
A imagem mais gratuitamente erótica e duradoura que
resulta do filme (pelo menos a julgar pela polémica que a publicação de uma
fotografia de produção nas páginas da FANGORIA #51 de Janeiro de 1986 gerou), é
a das cinco actrizes convertidas em reprodutoras, tão nuas quanto o bom gosto
permite, num lânguido banho de visco seminal alienígena que espalham por todo o
corpo com gestos de uma transbordante sensualidade, iluminadas em tons
primários, sanguinolentos, como num recorrente sonho uterino.
BREEDERS foi
objecto de um remake não oficial em
1996, com argumento e realização de Paul Matthews, e efeitos especiais bem mais
conseguidos do que no esforço inicial de Kincaid. Este novo BREEDERS mantém a mesma ideia central,
embora reduza a zona de caça da criatura alienígena, do centro de Manhattan,
para um colégio feminino. Apesar da alteração, e dos superiores efeitos
especiais, a nudez é inexistente, o que ajuda a explicar que tenha passado
totalmente desapercebido para as longas e sobrecarregadas estantes do
esquecimento.
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