domingo, 26 de abril de 2009

O Futuro foi ontem...



Houve um breve período histórico, um verdadeiro piscar de olhos na escala cósmica das coisas, em que foi possível apontar o dedo ao Futuro. Durante esse período - uma escassa década, transplantada do século XXI para o século XX, nas palavras de um dos 12 Moonwalkers - o Futuro foi tão palpável quão efémero. Na verdade, e à medida que esse momento se afasta no correr imparável do tempo, cada vez se vai assemelhando mais a um delírio colectivo, uma alucinação lisérgica, uma construção fraudulenta.












Num momento em que a imaginação se fecha sobre si mesma, é quase impossível crer que houve um instante onde era possível olhar para o céu e aguardar pelo erguer luminoso e ribombante de uma nave espacial. Um instante, onde as mais fabulosas fabulosas propostas da ficção científica, foram verdade. Um instante onde era possível confrontar o futuro um pouco por toda a parte. O futuro, porém, já passou. O tempo devolveu-o àquele mais vasto futuro que se aninha numa caixa com o gato de Schrodinger, uma mera probabilidade, cada vez mais incerta, cada vez mais distante. O futuro existiu num passado que já não volta. O futuro foi ontem...

terça-feira, 21 de abril de 2009

O Círculo de Leibowitz: Prorrogação de Prazo


Ian McDonald é uma das vozes mais relevantes da geração de autores de ficção científica que se começou a destacar na década de 80. As suas obras, subtil mas fortemente marcadas pela situação da Irlanda do Norte, onde cresceu (McDonald vive em Belfast desde 1965), exsudam uma vincada preocupação com os problemas do colonialismo, do confronto de culturas e do choque civilizacional, tanto nas suas compnentes ideológicas, como económicas. O sombrio dos temas - e a violência, física e psicológica, não é escassa naquilo que escreve - é tratado com uma elegância literária que lhe permite ombrear com gigantes como Dan Simmons, Lucius Sheppard ou Jeff VanderMeer, todos eles consumados estilistas e excelentes storytellers. Desde o seu primeiro livro publicado, Desolation Road (1988), McDonald ainda não foi capaz de me desiludir; cada um dos seus livros acrescenta algo aos anteriores, e todos eles fornecem uma utensilagem rica e variada pela qual nos é permitido entrever a luta - quantas vezes surda e incompreensível - dos países subdesenvolvidos. A sua saga dos Chaga - de onde se impõe destacar a sua noveleta Tendeleo's Story (2000) - é um exemplo acabado de como o imaginário e as ferramentas da literatura de antecipação podem ser utilizados com mestria para denunciar uma situação dramática - sem diminuir a sua gravidade, e sem deixar de parte a componente lúdica de uma obra de ficção.

No entanto, analisar uma obra de McDonald, por tudo quanto supra se disse, é uma tarefa tão delicada quanto a da desconstrução da mais delicada das filigranas; exige-se o uso de lupas de relojoeiro, das mais precisas pinças, e da mais viva atenção. RIVER OF GODS (2004) é uma das suas obras mais marcantes e melhor conseguidas, e talvez por isso a atribuição de um mês para a sua leitura tivesse uma compnente hubrística demasiado acentuada. Por isso, para permitir uma melhor análise, e a participação de uma maior número de blogues e leitores, o Círculo de Leibowitz resolveu prolongar o prazo de leitura e de crítica do RIVER OF GODS por mais 30 dias, até 21 de Maio.

Ao longo destes 30 dias, recebemos também inúmeras sugestões de leitores interessados em participar, mas que por um motivo ou outro - com destaque para as exigências profissionais a que todos nós estamos submetidos - não conseguem acompanhar um ritmo tão acelerado de leituras; por isso, é provavel que em breve anunciemos algumas alterações ao funcionamento do Círculo. Por isso, estejam atentos, e mãos à obra!

segunda-feira, 20 de abril de 2009

R.I.P J.G. Ballard (1930-2009)


Morreu ontem James Graham Ballard. Quis o destino, sempre irónico, que soubesse do facto quando andava às voltas com as suas Memories of the Space Age (1988), preparando algumas notas sobre ele a propósito de um conto de Disch, que faleceu no ano passado. Esta primeira década do século XXI - do século da FC - tem sido fatal para os seus autores mais estimados, como se o próprio Tempo quisesse bater o pé àqueles que moldaram o futuro.

E Ballard moldou certamente o nosso presente, com a sua geografia interior de ruínas e máquinas desmembradas, de celebridade efémera paga com o preço da dor, do sangue e da carne retalhada. Um presente onde os primeiros passos da humanidade no caminho das estrelas foram brutalmente amputados como um sonho do qual despertamos sobressaltados.

Há quem diga que vivemos hoje num mundo Ballardiano. Não sei - ainda - se isso é bom ou mau, se isso é ou não verdade; e desconfio que Ballard não gostaria dessa palavra - verdade. Mas o universo é mestre das pequenas ironias, e Ballard morreu no ano em que se cumprem 40 anos sobre o culminar do Programa Apollo, o qual encarava como "a symptom of some inner unconscious malaise afflicting mankind, and in particular the Western technocracies... a huge desintegrating fantasy". Para Ballard o verdadeiro mundo a explorar era o interior, aquele inner space que domina a psique humana, o inconsciente colectivo onde se agitam as matrizes ancestrais do homem e da besta, como enormes sombras num lodaçal de símbolos.

E poucos como ele souberam tornar esses símbolos em literatura, e a literatura num imaginário tão perfeitamente realizado, que não ficaria surpreso se alguém um dia levantasse a capa que cobre essa grande ficção a que chamamos humanidade, e sob ela encontrássemos a assinatura do autor. Ballard, com cuja filosofia não consigo concordar, é o autor de algumas das imagens mais assombrosas da FC, com os seus mundos inundados, ressequidos, cobertos de florestas de cristal, sobrevoados por arcanos aparelhos voadores e orbitados por astronautas mortos nas suas cápsulas-caixão. Leio Ballard e não consigo deixar de ouvir aquela sublime Space Oddity de David Bowie, a banda sonora por excelência de uma era de promessas envenenadas e tecnologia a entrar em colapso.

Morreu Ballard, morreu o esteta do colapso, calou-se uma das vozes literariamente mais capazes da FC. Ballard é um grande autor, mas acima de tudo, foi um dos nossos. Ground control, over.