segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Tempus Fugit 2


Outro acontecimento relevante e revelador a obter algum eco no período de desactualização do Blade Runner, foi a polémica que envolveu a hoax da Happy Endings Foundation. Esta organização fantasma apresenta(va) a singela proposta de limitarmos os actos de leitura (de miúdos e graúdos) a livros com finais felizes (obviamente, o valor subjectivo da felicidade nunca foi coisa que preocupasse os estróinas daquele site). E, para mostrar o fervor dos seus princípios, propuseram-se organizar uma queima de livros para o passado dia 05 de Novembro, despertando a ira e indignação da blogosfera.

Confesso - embora seja fácil afirmá-lo ex post facto - que o teor do site em questão nunca me convenceu. E embora gostasse de aparentar uma profundidade de análise, linguística e estrutural, que me tivesse conduzido a essa conclusão, a verdade é que não procedi a qualquer análise aprofundada. Simplesmente, a nível da retórica (constante dos manifestos), faltava-lhe algo que estou habituado a encontrar sempre por detrás destas iniciativas: o fervor religioso do fanático. E apesar de todas as "queixas" apresentadas contra os finais infelizes e o incentivo dado a uma intervençao proselitista junto de terceiros, esse fervor religioso estava ausente; em parte alguma encontramos um subtexto moral que indicasse uma conexão a qualquer uma das igrejas ou seitas, reconhecidas ou não.

Não obstante tal facto, alguns figurões da nossa blogosfera caíram no embuste; um deles, Francisco José Viegas, que, desde que foi apanhado pelo conspiracionismo último-papista, parece bastante apto a engolir qualquer patranha, discorreu fartamente no seu blogue, com recurso mesmo a citações de Montalban para justificar que cada um pode fazer o que lhe apetecer com os seus próprios livros (eu tenho algumas sugestões quanto às inenarráveis páginas de Luís Miguel Rocha que Viegas andou por aí a impingir).

Com a Os Meus Livros de Novembro, Filipe d'Avillez descobre a careca quer à Fundação dos Finais Felizes, quer aos nossos inquietos e inquietantes bloguistas:

No entanto, é imprescindível retirar duas conclusões de toda esta matéria; uma delas, d'Avillez roça com algum prazer malandro, que é a credulidade da nossa intelligentzia cultural que, abananada pelo sucesso de autores comerciais vácuos (como Luis Miguel Rocha, José Rodrigues dos Santos ou Miguel Sousa Tavares) e autores pretensiosos vácuos (como Gonçalo Tavares, José Luis Peixoto ou Rodrigo Guedes de Carvalho) perdeu a capacidade crítica de destrinçar a substância da aparência e procura gratuitamente causas que justifiquem uma indignação de sofá, sem outras consequências que não o eco encontrado no círculo restrito de blogues dos amigos.

Atente-se que, ao mesmo tempo que Viegas carpia a queima dos livros, David Soares já revelava a fraude no seu blogue, sem deixar de espetar as farpas nos lombos mais merecedores.

A outra conclusão a tirar, e desta d'Avillez passa completamente ao largo, é o porquê de uma fraude tão patética ter obtido tanta ressonância. E a resposta é uma, é simples, e é preocupante: é que estamos habituados a viver num mundo tão tolerante perante o grassar da mais desbragada estupidez, muita dela alimentada pelos sectores mais conservadores da Igreja Católica (nisto não mais culpados do que os sectores mais "liberais" da esquerda política), que não duvidamos de que os nossos semelhantes são capazes das mais desabridas cretinices. Ao lado de activistas pró-virgindade, anti-stem-cell research, "pró-vida" e anti-aborto, holistas e iogis, queimar livros não só não surpreende, como quase nos deixa indiferentes.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Tempus Fugit 1


Já faz um mês que o Fórum Fantástico fulgiu a sua chama sazonal pelos jardins do Campo Grande. Um evento demasiado ambicioso para os meios que tem, deixa sempre o sabor de que poderia ter sido algo mais. No entanto, confesso que o Fórum deste ano correu melhor do que eu pessoalmente estava à espera. As clivagens que se vinham sentindo no fandom foram (praticamente) sanadas, os ressentimentos que faziam prever um ambiente crispado não se manifestaram e os convidados - nacionais e estrangeiros - pautaram-se por uma simpatia e excelência invejáveis.

Com alguma parcialidade, não posso deixar de destacar as presença de Bruce Holland Rogers - que, segundo me dizem (outros afazeres impediram-me de estar presente) deslumbrou audiências universitárias com preciosas lições sobre a arte da escrita - e Blanca Riestra que complementou com generosa simpatia a sua perspectiva sobre o universo de Borges e da literatura.

Também Elia Barceló foi de uma alegria contagiante, partilhando histórias e experiências com um genuíno prazer por fazer parte, sem complexos, do universo da literatura fantástica e daqueloutra literatura, a Literatura.

Igualmente um prazer rever Wim Stolke, que conheci em Nantes, nas Utopiales de 2004, e privar com Steve Redwood, que deixou bem claro - de forma esfusiante e cativante - que não é o pseudónimo de Rhys Hughes que durante tanto sempo suspeitamos.

Infelizmente, uma aziaga sobreposição de agenda com outros afazeres profissionais não me permitiu assistir a todas as apresentações (perdi as de José Mário Silva e Rosário Monteiro, a apresentação da Conspiração dos Abandonados de António de Macedo e a pré-apresentação da antologia A República Nunca Existiu, a publicar em 01/2008 pela Saída de Emergência).

Entre os nossos compatriotas, ouvi com interesse Fernando Ribeiro reflectir sobre Horror e Música e, com menos interesse, a leitura de apontamentos sobre Dunsanny, Machen e Lovecraft pelo professor José Manuel Lopes (o que parece confirmar que a nossa Academia não consegue levar a literatura popular com o mesmo ânimo que os anglo-saxónicos imprimem a estas iniciativas). Tive ainda o prazer de apresentar com o João Barreiros, o Luis Filipe Silva e o Miguel Neto a primeira parte da trilogia A Bondade dos Estranhos (Chimpanzé Intelectual).

Destaque também para a apresentação da antologia Por Universos Nunca Dantes Navegados, por Luis Filipe Silva e Jorge Candeias, que foi o culminar de um processo que praticamente nasceu - ou pelo menos viu o primeiro luzir de sol - no Fórum Fantástico de há dois anos e que serviu de mote a uma interessante conversa/discussão sobre o passado, o presente e o futuro da ficção curta, que de certo modo se assumiu como o tema central do fórum deste ano.

Como sempre nestas coisas, há também algumas queixas: a falta de uma programação para as noites; a continuada incapacidade de proceder ao registo, colecção e divulgação das intervenções (kudos, por isso, à Saída de Emergência, que colocou on line e na íntegra as intervenções do professor José Manuel Lopes e Fernando Ribeiro); e o espaço/tempo excessivo que dedicou à vinda de Cebulski, um mero scouter da Marvel, que teria sido facilmente substituído por dois ou três autores capazes de contribuír para o enriquecimento do fórum.

Não obstante estas queixas, impõe-se mais uma vez parabenizar a Safaa Dib (todos sabemos o empenho e sacrifício pessoal que o Fórum deste ano lhe exigiu) e o Rogério Ribeiro por assegurarem a continuidade do evento.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Isto começa mal...


António de Macedo (n.1931) é um dos mais multifacetados autores do Fantástico nacional, desdobrando a sua intervenção pela literatura, pelo cinema e pelo apoio, nunca regateado, aos mais jovens. Apesar de ter o currículo e a experiência mais do que suficientes para desistir de tudo isto, do género, do desinteresse da crítica, da debilidade do mercado, persevera - com invejável ânimo e alegria - na escrita dos seus contos e romances.

Para mim, e quanto mais não fosse pela grande generosidade e experiência que lhe reconheço, o lançamento do seu mais recente livro A Conspiração dos Abandonados - Contos Neogóticos (Zéfiro, 2007) é um dos pontos altos do Fórum Fantástico. Infelizmente, uma inesperada queda privou-nos da presença (e, consequentemente, da companhia) do António, que não poderá estar presente na apresentação da sua obra, onde será condignamente representado pela Professora Maria do Rosário Monteiro. Apesar disso, o Fórum deste ano acaba de ficar muito mais pobre.

Daqui vai o meu grande abraço para o António, com os desejos de uma pronta recuperação.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

A muralha da indiferença é a muralha mais alta


Há determinados livros que nos fazem repensar todo um género. Que nos obrigam a rever mesmo os nossos hábitos de leitura, o nosso conceito de narrativa e a nossa relação com o texto impresso. São livros que surgem raramente e espaçados no tempo.

Hoje chega às livrarias um desses livros: A Muralha de Gelo (Saída de Emergência), é a segunda parte de A Guerra dos Tronos, ambos formando o primeiro volume da saga As Crónicas de Gelo e Fogo de George R.R. Martin. Mas dizer isto é ficar aquém da realidade, pois as separações são totalmente arbitrárias numa série de volumes que contam uma só história, espartilhada somente por exigências editoriais, quer na edição original, quer nas várias traduções que se vão distribuindo um pouco por todo o mundo.

Digamos então que As Crónicas de Gelo e Fogo são aquilo que todos os épicos de fantasia gostavam de ser: complexas, violentas, intrincadas, com magnífico desenvolvimento de personagens e, acima de tudo, dotadas de uma perfeita coerência interna a nível da essencial irrealidade das suas premissas.

O mérito da obra não é de difícil reconhecimento: abençoados (ou amaldiçoados) com o intervalo de tempo que mediou entre a sua publicação original e a tradução que agora nos chega às mãos, não somos obrigados a um esforço crítico. A obra é já reconhecida como um marco da literatura fantástica – a par de outros como O Senhor dos Anéis, Gormenghast ou Glorianna – cujo lugar definitivo na Grande Biblioteca da Imaginação se mostra apenas dependente da efectiva conclusão da epopeia, e dos precisos termos dessa conclusão.

Por isso o livro desafia os nossos hábitos de leitura, o nosso conceito de narrativa, a expectativa com que sempre enfrentamos um livro novo: a de encontrar um final. As Crónicas de Gelo e Fogo ainda não têm um final; mas deliciem-se os leitores com os vários finais e recomeços que vão marcando o fluxo da acção. Martin é um artesão da escrita, e a ríspida simplicidade da linguagem, em toda a sua aparente simplicidade, é o maior logro dos grandes artesãos.

Quando, na revista OS MEUS LIVROS de Novembro de 2005 – há exactamente 2 anos – me pediram uma lista de obras de Fantasia de referência, considerei uma vergonha que ainda não tivesse sido traduzido entre nós George R.R. Martin: agora que o foi, é uma vergonha se lhe respondermos com indiferença.

Por isso, aproveitem esta semana tão propícia ao Fantástico e a bem conseguida tradução de Jorge Candeias (anos luz à frente da tradução da edição pirata que ainda se pode encontrar no refugo de algumas feiras do livro), para mergulharem no mundo cruel, sombrio e violento de Martin; e acabarão por descobrir quão soberbo e resplandecente pode ser.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Leitura Aleatória: ARMADA (Michael Jahn, 1981)


Por vezes é curioso ver o que a prateleira nos entrega quando lhe pedimos uma sugestão. De olhos fechados, das fileiras de trás onde as sombras eclipsam as lombadas em sucessão misteriosa, retiramos um volume à sorte, ao calhas, entregando às parcas o destino de umas poucas horas de leitura.

Desta vez calhou-me Armada, uma space opera de Michael Jahn (n.1943), cujo percurso pela ficção científica se cingiu a um par de títulos há muito esquecidos (The Olympian Strain de 1980 é o outro) e um punhado de tie-ins. Mal se abre o livro, já se adivinha o que nos espera:

"The rock was the size of a small car. (...) (It) caught the sunlight and reflected it in a strong metallic glint which inflamed Broadsword's spirit of adventure. «Hold on», e said, reaching for the throttles.
Margot covered his hand and the throttle levers with hers.
«You'll make us late», she said.
«So what?»
«H5 needs the cargo.»
«What? More crystals for more transistors so everyone can have two wrist radios?»"

Armada posiciona-se face ao passado; as suas referências são as heróicas space operas pré-Campbelianas, onde intrépidos aventureiros de queixo firme exibem o seu desprezo pela autoridade aos comandos das suas estrondosas naves espaciais. O espírito da fronteira, do pistoleiro sem lei mas com um forte sentido moral, essa tradição americana que o Western legou à Ficção Científica e ao Policial como seus dignos descendentes, forma a coluna vertebral deste tipo de aventura.

Neste caso os aventureiros são Nathaniel Broadsword, Margot Chambers e Curtiss Baxter, modernizados pelos sinais dos tempos (Margot não só é uma piloto exímia, como tem uma vida sexual activa), mas ainda assim livres empreendedores que se verão no centro, não só do primeiro contacto com uma civilização alienígena, mas da primeira invasão da Terra por uma espécie intergaláctica.

Situando a acção num 1995 que já lá vai, Jahn não consegue libertar-se do kulturgeist em que escreve: 1981 estremece ainda sob o ímpeto de Star Wars (1977) e seus derivados. Battlestar Galactica (1978), The Black Hole (1979), Buck Rogers in the 25th Century (1979-1981) Flash Gordon (1980), The Empire Strikes Back (1980) ou Battle Beyond the Stars (1980) eram os filmes e séries de televisão que preenchiam o imaginário tecnofantástico e impunham a sua reprodução memética. Fiel a esses modelos, Jahn apresenta-nos um espaço próximo já colonizado pela Terra e pela sua modesta frota de dez vaivéns espaciais, que se vão bater contra uma sinistra e antropófaga espécie alienígena que vagueia pelo universo procurando o alimento mais nutritivo.

Os leitores habituais do género reconhecerão muitos dos seus temas e tratamentos, não deixarão de protestar pelos muitos clichés e infantilidades, pela narrativa atamancada, pela fácil antecipação do desfecho mas, acredito, não deixarão também de apreciar alguns dos resmungos mais inesperados: A designação "Armada", surge quando a gigantesca e impenetrável nave alienígena regurgita os primeiros caças em forma de boomerang. «Jesus Christ, it’s a fucking armada!», expletiva que merece a observação «Beats the hell out of “a big step for mankind”».

Por outro lado, à medida que a refrega se torna cada vez mais desesperada (e o livrinho, pese a leveza, tem os seus momentos sangrentos), os heróicos terrestres não deixam de perorar a iniciativa S.E.T.I. que, anunciando ruidosamente a nossa presença e localização, se revela pouco adequada a um universo de presas e predadores, ideia que não é de todo desprovida de alguma originalidade. De lamentar apenas que não fosse explorada numa obra melhor.

O volume não termina sem que os protagonistas sofram as suas perdas – coisa em que Jahn se mostra implacável – mas é no optimismo final da obra que se revê o wishfull thinking que apenas então, antes do Challenger, antes do Columbia, antes de Bush, era possível: os alienígenas foram aniquilados e, com o habitat orbital destruído, as bases lunares em ruínas, a NASA não começa a fechar-se numa concha autista; acelera o programa espacial, antecipa a colonização de Marte, mostra às estrelas que o Universo pertence a quem o reclamar.

Em 1981, ainda tinhamos o futuro ao alcance das mãos...

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Para abrir o apetite...

...deixo-vos com dois estádios de desenvolvimento da capa da novela que o João Barreiros vai apresentar no próximo Fórum Fantástico. O primeiro esboço foi apresentado aquando da ilustre participação do indomável Barreiros no programa Câmara Clara do passado dia 30 de Setembro. A monocromia da capa não deixa transparecer ainda o multicolorido visceral que pinga de cada uma das suas modestas páginas.



O segundo estádio foi publicado pelo João Maio Pinto que, cada vez mais e de forma mais visível, vem enriquecendo sumamente algumas das obras do fantástico de lavra mais recente.




O Projecto Candyman, novela de ritmo intenso e extremamente divertida, forma a primeira parte (independente) do já tão anunciado "tríptico" A Bondade dos Estranhos (a publicar pela Chimpanzé Intelectual), que retalha, com todos os utensílios que a ficção científica pôs ao nosso dispor, a nossa boa e velha Terra, partilhada por três espécies alienígenas "invasoras". Preparem-se para rir, chorar e conter vómitos agoniantes.

Pensada para ser a mais ambiciosa obra da FC nacional desde a publicação de Terrarium (1995), sofreu altos e baixos na sua execução, sujeitando-se às mutações e trepanações que a realidade do nosso mercado lhe impôs. A segunda parte, A Alma do Louva-a-Deus (título provisório), é da autoria deste vosso humilde escriba, e se tudo correr bem verá a luz do dia para começos de 2008, logo seguida do grand finale assinado por Luís Filipe Silva.

Entretanto, podem ler um excerto do Projecto Candyman na página do Fórum. Divirtam-se.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Palavras que vale a pena repetir...


Do editorial do mais recente número da Free Enquiry (Outubro/Novembro 2007), onde Paul Kurtz define o seu conceito de Neo-Humanismo e reflecte sobre o papel da hierarquia da Igreja Católica no vergonhoso caso do abuso sexual de menores em Los Angeles; sobre as críticas visando a recente publicação de nada menos que seis livros pelos cinco cavaleiros do ateísmo (Dawkins, Harris, Dennett, Hitchens e Stenger), eis o o que tem a dizer:


"Yet nary a word of criticism has been made about the fact that the latest Harry Potter book by authorJ. K. Rowling, Harry Potter and the Deathly Hollows, had a firt printing of twelve million copies. I do not wish to be accused of being an old fuddy-duddy, but I deplore the fact that millions of young people rush out to devour books of fantasy, touting witchcraft and other paranormal phenomena, without even a semblance of skepticism. Bookstores are so eager to stay in business, they've had special parties for readers heralding its publication. Why not have such parties for bestsellers that are science fiction but at least ground their speculations in responsible extrapolation from the known?"

sábado, 6 de outubro de 2007

Porque ontem foi sexta-feira...

... era dia de iniciarmos as nossas Midnight Sessions, revisitando o filme The Wild Angels (1966) de Roger Corman. O filme, um clássico de culto, foi o primeiro - e, para mim, o melhor - a explorar o fenómeno dos Hell's Angels, mercê do olho do Sr. Corman, sempre atento a matéria prima de choque e exploitation, sem descurar, se nãi um comentário, pelo menos um registo socialmente relevante. Antes de Easy Rider e os Steppen Wolfe terem feito do rock'n roll uma presença habitual nos Road Movies, a canção "Blue's Theme" de Davy Allan e dos Arrows tornou-se um sucesso nas cadeias AM. E a trilha composta por Mike Curb, arrasta os espectadores pelo sol das estradas desertas e pelas neblinas matinais do sul da Califórnia, anotando com mestria (quando logra conter uma certa tendência histriónica, bem patente no ritual pagão das exéquias de Loser) os estados de espírito dessas almas penadas do asfalto (o filme começou por se chamar, All the Fallen Angels).

Charles B. Griffith

No entanto, mais do que a direcção e a música, é o argumento de Charles B. Griffith que eleva o filme acima do mero entretenimento. Responsável pelo argumento de incontáveis clássicos de Corman, entre os quais se incluem The Little Shop of Horrors (1960), Not of This Earth (1957), A Bucket of Blood (1959), Attack of the Crab Monsters (1957) ou Death Race 2000 (1975), Chuck Griffith assinou The Wild Angels depois do seu exílio europeu (voluntário) que se estendeu de 1961-1966, anos em que manteve afastado do cinema.

Chuck Griffith faleceu no passado dia 28 de Setembro, e também por isso esta revisita a The Wild Angels seria uma homenagem a um dos mais importantes agentes da A.I.P. e, consequentemente, do cinema fantástico. Infelizmente, um problema técnico, por cuja resolução fico mais uma vez em dívida para com o incansável Luis Rodrigues que, às 3 da manhã de hoje, ainda me estava a auxiliar via google, impediu-me de formalizar essa homenagem.

Fica então prometido para a próxima sexta-feira o início destas midnight sessions. Porém, não queria deixar de lembrar Chuck Griffith, que porventura muitos terão já esquecido, mas que é o autor do célebre manifesto que Peter Fonda profere num dos momentos altos do filme (e poderia haver melhor epitáfio?):
We wanna be free! We wanna be free to do what we wanna do! We wanna be free to ride! We wanna be free to ride our machines without being hassled by The Man! And we wanna get loaded! And we wanna have a good time. And that's what we are gonna do. We are gonna have a good time... We are gonna have a party!"

Right on, Chuck! And God Speed to you...

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Que leitores?


Estava eu a dispor alguns livros na minha modesta biblioteca pessoal (não, não é a da fotografia... negligentemente, não tinha a câmara comigo) quando me deparei com uma dúvida aflitiva que deve tocar a qualquer pessoa que tenha por hábito acumular livros e DVDs como se a sua vida dependesse disso (yeap, sou um desses...): onde arrumar determinado livro, de determinado autor, quando ele está inserido numa colecção? Junto com as outras obras desse autor, deixando uma brecha na colecção? Ou colocá-lo na colecção, deixando uma brecha na bibliografia de lombadas?

É uma questão ociosa, dirão os leitores mais pragmáticos. Mas para quem tem frequente necessidade de citar obras e autores, uma fácil e imediata localização de um dado título é um imperativo de sobrevivência. Pois bem, enquanto estava ali perdido com o livro na mão, hesitando entre uma estante e outra, com os olhos a dilatar e a respiração a alterar-se perceptivelmente (a perda de tempo é outra grande ameaça), dei comigo a procurar padrões adoptados em situações anteriores. E como acontece sempre nestes casos, a vertigem de lombadas obriga-nos a retirar um e outro livro, saboreando velhas experiências de leitura, procurando lembretes esquecidos entre as páginas, frases ou cenas favoritas, anotações de que nos arrependemos ou excertos que devíamos ter anotado.
E no meio de tudo isso, apercebi-me de que, com excepção das prateleiras com o alinhamento uniforme das lombadas amarelas da DAW, e de uns quantos títulos da SF Masterworks, tenho sempre arrumado os livros por autor, por tema ou por período. Nunca por colecção.

A razão é óbvia. Basta olhar para a distribuição dos livros e a constatação é evidente: o conceito de colecção de ficção científica tem desaparecido progressivamente. Esfumou-se o prazer juvenil de esperar pelo dia em que surgia nas livrarias o "número X" de determinada colecção. O prazer de o ler, na certeza de que no mês seguinte surgiria um outro, uma surpresa, um título aleatório. Retrospectivamente, é curioso que recordo essa sensação, com particular intensidade, em relação à colecção "Guerra & Espionagem" da Europa-América, que comprei religiosamente desde os meus 11 anos, quando foi publicado o primeiro título, A Sul de Java de Alistair MacLean (a tradução de South by Java Head), autor que se batia com Robert Heinlein pela minha preferência.

Creio que todos nós, entusiastas da literatura de género, o somos, em parte, por causa do conceito de colecção. Sob determinada égide, sabíamos que íamos encontrar um cardápio variado de obras que, umas vezes mais, outras vezes menos ao nosso gosto, nos proporcionava a expectativa e a experiência de uma similaridade temática que nos fixava o gosto e nos educava os sentidos. E não eram poucas as colecções que competiam pela nossa atenção: a Argonauta, a DH Ciência, a Panorama, a Bolso Noite, a Europa-América de bolso, a Nébula da mesma EA, a colecção azul da Caminho, todas elas nos apresentavam títulos e autores variados, unidos sob o signo (quase escrevia "estigma") de um género prenhe de aventuras, descobertas, cientistas loucos, naves espaciais e monstros de olhos esbugalhados.

Mas, uma a uma, elas foram desaparecendo. Provavelmente, faço parte da última geração a experimentar o fenómeno "Colecção de FC". O que podemos observar agora, é uma dispersão de títulos capaz de despistar os leitores mais atentos. Subitamente, publica-se literatura fantástica com uma frequência quase frenética, mas sem tino aparente: surge Neal Stephenson na Tinta da China, Gordon Dahlquist na Bertrand, Susanna Clarke na Casa das Letras, Valerio Evangelisti na Asa, Preston & Childe partidos entre a Ulisseia e a Saída de Emergência, de uma forma que - espera-se - alcança um número mais alargado de leitores, sem perder muitos dos que normalmente comprariam já esses livros. Enquanto isso as colecções que nos formaram enquanto leitores do fantástico vão desaparecendo paulatinamente (a Argonauta vai vegetando estupidamente rumo ao oblívio, seguindo quer o Dodó, quer a colecção da EA, que parece ter morto deliberadamente a Nébula com a publicação de A Era das Brumas).

Importa, porém saber, se isso reflecte uma preferência do público, ou é uma opção editorial que se vai reflectir no público leitor. É uma consequência da crise do fantástico (não só em Portugal, embora o conceito de colecção, sobretudo numerada, nunca tenha sido normal na cultura de língua inglesa, onde os livros se distinguem claramente das revistas - essas sim numeradas - que competem com eles; mas em França as colecções prosseguem, e numeradas), ou é uma das causas dessa crise? Reflecte um abandono por parte do público, ou é uma imposição editorial? É uma afirmação da morte do fantástico (o conceito de género morreu, e as obras que se "aproveitam" são integradas no mainstream) ou uma tentativa de afirmar o seu predomínio fora do nicho das colecções?

Não há, para já, muito onde procurar respostas. Os poucos exemplos que temos não são concludentes. A Editorial Presença tem duas colecções dedicadas ao fantástico (a Via Láctea e a Viajantes do Tempo), ambas numeradas e com publicação regular; no entanto, depois de um começo promissor, parecem ter-se concentrado num público-alvo young-adult, o que pode explicar a sobrevivência do conceito de colecção numerada; a Saída de Emergência assumiu o conceito de colecção temática, não numerada e com abrangência mais vasta, cobrindo todas as áreas do fantástico (a colecção BANG!, com predomínio da fantasia, e rareando a FC). Mas é uma colecção atípica (pela variedade temática, pela irregularidade de publicação, que pode ir de um ou nenhum, a vários títulos no mesmo mês), tradutora de uma estratégia interessante de identificação do leitor com a literatura do fantástico e de separação do remanescente do (abundante) catálogo.

Outras editoras mais recentes, que surgiram com fortes apostas no fantástico (a Livros de Areia, de que sou suspeito para falar com total isenção, e a Chimpanzé Intelectual, parecem ter resolvido - para já - não apostar no conceito de colecção num ou noutro sentido.

Certo é que, como resposta ou causa, a "colecção" pode estar intimamente ligada à crise do fantástico como género literário. A aposta numa colecção de Ficção Científica à antiga parece ser encarada como um risco pelos editores nacionais, a não ser que destinada a um publico-alvo específico como no caso da Presença.

Há, porém, uma vertente que se pode explorar: face às novas tecnologias, com claro destaque para a Internet, não é necessário grande esforço para se organizar uma boa colecção de ficção científica. Nem é preciso grande génio. O trabalho está todo feito pelos editores internacionais. Procuram uma colecção que apresente uma montra da variedade, riqueza e vitalidade do género? É só copiar o catálogo da SF Masterworks. Querem uma colecção moderna e actual? Basta ler a Locus todos os meses. Querem uma colecção mais arrojada e não muito cara de produzir? É só copiar o catálogo da PS Publishing. Qualquer editor pode facilmente criar uma excelente colecção.

Mas haverá público para uma colecção? Ou será apenas um custo capaz de arrastar uma editora para o charco? João Barreiros, que tem um gosto irrepreensível e um conhecimento inexcedível do género tentou duas vezes com resultados históricos, honrosos mas estéreis. O Luís Filipe Silva, que não lhe fica atrás, tentou e tombou ao fim de apenas um número. Em ambos os casos, não há defeito que se possa apontar às escolhas efectuadas. Eram títulos incontornáveis, obras marcantes, autores exímios e livros representativos. Num dos casos, a colecção era ainda enriquecida por uma apresentação em hardback com dusk jacket.

Por isso, a pergunta que abre o cofre, que transfere a herança, que dá acesso ao budoir é: poderia o regresso à colecção resolver a crise do fantástico? Confesso que é uma experiência que hesito em tentar. Mas que gostaria de ver tentada. Gostaria de ter de voltar a esperar religiosamente por um título todos os meses, ou cada dois meses, ou cada três meses, aguardando para ver que surpresa me reservou o editor. Mas isso é a voz da nostalgia a ecoar pelas estantes.

E ainda não sei onde guardar o livro....

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Mariquices


A propósito deste meu post, recebi o comentário do Miguel Neto, que passo a transcrever:

Olá João. Espero que essa crítica
venha rapidamente para, muito provavelmente, poder contrapor! Desculpe
dizer-lhe, mas, como sabe, escrever uma coisa destas precisamente quando um
livro está em plena venda e com grande visibilidade num jornal nacional sem
qualquer sustentação crítica não me parece muito honroso. Penso também que dar
tal ênfase ao texto da Clara Pinto Correia, (um conto que provavelmente não
mereceria especial referência numa crítica global do livro, a não ser pela
negativa e ainda assim uma referência insignificante) sem referir nenhum ponto
positivo de qualquer outro conto, parece uma linha crítica mais interessada em
denegrir ( advinda, talvez, de algum trauma corporativista instalado no seio de
alguns fãs de FC e Fantástico, compreensível pela necessidade de reacção aos
preconceitos em que estas literaturas estão envoltas, mas que ainda assim gera
reacções maniatadas por alguma raiva infantil) do que em esclarecer os leitores.
Parece-me justo pedir-lhe que essa crítica venha então muito rapidamente!
Colocar um post num blog dizendo mal, sem pexplicar porquê é no mínimo injusto.
Mais valia esperar pela crítica e então publicá-la.
O Miguel Neto, como sabem, é o editor da Chimpanzé Intelectual, facto esse que justifica a presente resposta. E porque entendo que o Miguel levanta algumas questões que, porque arreigadas em "alguns fãs de FC e Fantástico", são por vezes esgrimidas de forma desastrada, com grande prejuízo para os géneros literários que todos gostávamos de ajudar a florescer.

Em primeiro lugar, impõe-se esclarecer um factor que, à primeira vista, me pareceria desnecessário referir: as opiniões são da responsabilidade de quem as emite e avali(z)adas por quem as recebe, consoante o suporte fáctico que as sustentam. No caso particular de um blogue, onde também se procura exercer a crítica literária, sobretudo escrito por alguém que a exerce também numa revista literária, tal opinião trará consigo um lastro de conhecimento e experiência que lhe conferirão maior ou menor autoridade. Traz também uma relação de confiança com os leitores habituais, concordem ou não habitualmente com as opiniões ou críticas proferidas.

Isto porque - e desnecessário seria igualmente dizê-lo - toda a crítica é subjectiva, mesmo quando autorizada por maiores conhecimentos ou experiência. Dizer o contrário, seria afirmar um absoluto estético em que não acredito.

Outra das características essenciais na crítica (literária ou outra) é a isenção de quem a escreve; e só alguém que é por vezes obrigado a "desfazer" o trabalho de alguém que conhece ou por quem nutre amizade sabe quão ingrata é por vezes essa tarefa. Mas Portugal é um palco muito pequeno, cheio de tachos e panelinhas, e a sombra da suspeita pende sempre sobre quem critica. Por isso, quando por vezes tenho que criticar livros de autores que conheço pessoalmente, o penalizado é sempre o autor, pois o escalpelo será mais afiado e fasquia erguida mais alto. Tudo a bem da isenção.
Os editores escolhem por vezes "prostituir-se" ao mercado; os autores " às editoras. É o seu papel, é o que se espera deles se pretendem sobreviver num charco tão pequeno. Mas um crítico que escolha prostituir-se a autores ou editores, não tem futuro. Porque as únicas armas do crítico são a independência e a isenção.

O Miguel não gostou da opinião que expressei no meu blogue. Está no seu direito. Mas o fazê-lo, pôs em causa a minha independência e isenção, e isso fez sem qualquer fundamento ou sustentação, de forma gratuita e interesseira. O que lamento...

A minha opinião, em desabono do livro, fundamenta-se nos mesmos critérios com que tenho recomendado ou avaliado outras obras, em críticas que estão publicadas e acessíveis; emiti a opinião ao referir que o livro em causa tinha voltado a ser publicado e, achando que o livro era merecedor de uma avaliação mais sólida, disse-o. Não por a opinião ser negativa, mas por o livro ser importante.

Nenhum crítico, por muita boa vontade que tenha (nem sequer num género tão marginal) tem tempo para ler e criticar fundamentadamente cada livro que sai, que recomenda ou que rejeita. Nem é obrigado a fazê-lo. Porque a sua opinião conta também para alguma coisa, mesmo quando não está fundamentada. Porque são o critério, a isenção e a coerência que estão por trás dela que a avalizam.

Como editor, o Miguel censura que a minha opinião seja publicitada neste momento em que o livro está à venda. O que o Miguel diz, por outras palavras, é que devia ser obrigação dos críticos calarem as opiniões negativas quando os livros estiverem à venda. Ou seja, que enganem os seus leitores.

É claro, reconheço, podia ter-me calado. Nem sequer referir o surgimento do livro. Pretender que não conheço o género e aquilo que nele se vai fazendo. Mas o problema é que o livro é importante. É um livro que deve ser referido, pelo que significa e representa no panorama literário nacional.

Daí que, forçado a referir-me a um facto - a republicação de um livro importante (ainda que pronunciando-me sobre ele com atraso) - inignorável, me sentisse na obrigação de emitir também a minha opinião sobre ele. Que, infelizmente, foi negativa.

Já o Miguel Neto, vê nisso uma intencionalidade dirigida a denegrir um livro, tomando o todo pela inclassificável ociosidade de umas das partes: o conto de Clara Pinto Correia, que dá pelo título de "Mariquices". Mais, chega mesmo a vestir a capa crítica, considerando que ainda que negativo o conto não devia merecer mais do que uma breve nota em qualquer crítica. Neste aspecto o Miguel acha que os críticos e os leitores são parvos.

Como editor e coordenador do volume, o Miguel não tapou os ouvidos à cantiga melodiosa dos "big names" para promover o livro. Poder colocar nomes como Clara Pinto Correia, Luísa Costa Gomes ou Rui Zink na capa é, de uma perspectiva editorial sã, um isco irresistível. Mas o reverso dessa medalha, é que serão os "big names" a atrair a maior atenção crítica, até pelo exotismo ou ineditismo de os ver a laborar num género que não é, habitualmente, o deles. Quando o resultado dessa estratégia é o desastre imitigável de "Mariquices", não se consegue varrer o facto para debaixo do tapete de uma breve referência negativa. Os altos ficam visíveis. E todos gostam de ver o equilibrista a cair da corda.

Claro que o Miguel atribui esta atenção crítica a "algum trauma corporativista instalado no seio de alguns fãs de FC e Fantástico, compreensível pela necessidade de reacção aos preconceitos em que estas literaturas estão envoltas, mas que ainda assim gera reacções maniatadas por alguma raiva infantil".

E, se calhar, é aqui que o Miguel causa o maior prejuízo à literatura fantástica: é que o Miguel, que apostou meritoriamente num género difícil (e no qual reincidiu, com melhores resultados, pouco depois) e que promete continuar a fazê-lo, ainda encara o género como estando afligido de traumas corporativistas, incapaz de gerar crítica isenta e independente de questiúnculas do fandom, e necessitado de fechar os olhos e calar à boca à passagem de um livro fraco, só porque é do género e há que o ajudar, que ele sozinho não se salva.

É questão de perguntar, onde vai o Miguel buscar as informações que lhe pintaram tal retrato?

Mas o silêncio - especialmente quando se trata de livros do género, de livros importantes e de livros fracos - é intolerável. Porque, como escrevia Damon Knight num dos pontos do seu Credo Crítico (e desculpem-me se o tenho como referência inquebrantável): "a bad book hurts science fiction more than ten bad notices".

domingo, 30 de setembro de 2007

Barreiros na TV



Hoje à noite, na RTP2, pelas 22H30 (se a emissora cumprir com a programação), o imbatível João Barreiros subirá ao ringue (perdão, ao estúdio) para um dilacerante combate retórico com o físico Carlos Fiolhais. Em jogo, a literatura de Ficção Científica. O evento será arbitrado pela Paula Moura Pinheiro, no palco da Câmara Clara. Algumas informações oriundas de inside trading privilegiado dizem-me que o Contacto de Sagan volta a estar sobre a mesa.

É caso para perguntar: que livros de FC anda a ler a nossa comunidade científica desde 1985?

Mais comentários após o evento...

What's Up?



Final de mais um mês atarefado com a papelada que vai ajudando a pagar as contas, onerando porém este blogue com actualizações mais esporádicas. Que se passou entretanto, desde o final do MOTELx?

Desde logo, e num único dia (21 de Setembro) tive o prazer de apresentar na FNAC do Colombo o primeiro romance de David Soares, A Conspiração dos Antepassados (Saída de Emergência). A sala esteve composta e a audiência foi-se fixando, captiva do livro e do autor, senão das modestas palavras do apresentador. O Luís Rodrigues captou o momento para a posteridade, de forma que aqueles que não estiveram lá, ou que ainda não tiveram oportunidade de visionar o filme no blogue do David, podem fazê-lo agora.




Foi também uma oportunidade de rever o fandom nacional (esteve lá quase todo), e apenas o prólogo para um fim-de-semana irrepreensível que incluiu uma visita à Quinta da Regaleira (um dos cenários da Conspiração) guiada de forma fascinante pelo David Soares; também a oportunidade de provar um delicioso jantar preparado pela Gisela em casa do David, e beber café preprado numa engenhoca que aparece também no livro (fotos da experiência em breve).

Oportunidade ainda para pôr a conversa em dia com o Luis Corte-Real (em casa de quem eu a a Carla passamos o fim-de-semana) e ultimar detalhes quanto a duas novelas minhas que a Saida de Emergência vai publicar a partir de 2008.

Também no dia 21, o Público distribuiu uma nova edição da colectânea Ficções Científicas e Fantásticas (da Chimpanzé Intelectual), ao preço modesto de € 7.50. Refiro-o com certa ambiguidade, pois a colecção de contos de diversos autores (desde os inevitáveis João Barreiros, Luís Filipe Silva e David Soares aos inesperados Rui Zink, Clara Pinto Correia e Luísa Costa Gomes) não brilha pela qualidade, servindo antes e uma vez mais para demolir as teses daqueles que defendem a inexistência, quer de géneros literários, quer de protocolos de leitura próprios desses géneros. De referir, porém, que o conto de Clara Pinto Correia, por si só, justifica a compra do volume, pois é tão inacreditavelmente mau e negligente que, fosse eu o editor do volume, teria que o encarar como um insulto pessoal (se não queria escrever na área do fantástico, só tinha que o dizer). Posto isto, é uma boa prenda para quem não gosta de FC&F: confirma todos os seus preconceitos, e apresenta poucos pontos favoráveis. Uma vez que afirmações destas exigem sustentação fáctica, esperem por uma crítica mais detalhada num dos próximos domingos.



Ainda no dia 21, terminou finalmente o Verão. Como o Outono é estação de Halloween e folhas moribundas, granito húmido e névoas vagabundas, resolvi dedicar as noites de sexta-feira no Blade Runner a revisitar alguns dos Midnight Movies que fizeram do fantástico, do excesso e da violência marcas indeléveis no nosso crescimento. Arrancaremos estas midnight sessions no próximo dia 5 com The Wild Angels (1966), o clássico de Roger Corman que fez de Peter Fonda um ícone da estrada muito antes de Easy Rider (1969).

terça-feira, 11 de setembro de 2007

SEIS ANOS DEPOIS...




... continuam a faltar as palavras.

sábado, 8 de setembro de 2007

HORROR COM SOTAQUE DO NORTE






A Noiva (2006) é o título da curta-metragem (cerca de 6') que Ana Almeida realizou na zona de Entre-os-Rios, precisamente ali onde o Douro se tornou tristemente conhecido pelo temperamento inconstante e violento. A fotografia de Jorge Quintela captura perfeitamente esse temperamento sombrio e plúmbeo, puxando o espectador para o interior duriense, na peugada de Maria (Bárbara Magalhães) e Fernando (Rodrigo Santos), um jovem casal adúltero (ela tem um namorado, e não é o Fernando) que procura numa velha quinta abandonada o cenário propício à consumação carnal.

Ora, não é preciso consultar o acervo de clichés das séries Scream ou Scary Movie para saber que promiscuidade + sexo + local ermo + jovem atractiva = morte violenta. É a receita de qualquer slasher movie que tenha assombrado as telas desde que Halloween (1978) e Friday the 13th (1981) nos apresentaram Michael Myers e Jason Vorhees.

Ana Almeida e José Pedro Lopes (que assina o argumento) não deixam de seguir a fórmula, fazendo-o conscientemente e com uma piscadela de olho a David Lynch, numa citação directa de um momento iconográfico de Twin Peaks (ver foto). Não é o suficiente para distrair o espectador da escassez de argumento; a curta-metragem não chega a contar uma história, limitando-se a homenagear incontáveis sequências semelhantes de outros tantos filmes.


No entanto, funcionaria na perfeição como uma cena de um filme mais longo; a atmosfera está muito bem construída e, coisa agradavelmente surpreendente, Bárbara Magalhães e Rodrigo Santos conseguem manter uma interpretação segura e constante (apenas uma fala de Rodrigo me fez arreganhar os dentes pela pouca naturalidade). Os diálogos são naturais e realistas e nota-se na realização um flair visual para imagens ao mesmo tempo glaucas e inquietantes.



De lamentar apenas a fragilidade dos efeitos visuais gore e a curta duração, que priva a acção de um pouco mais de suspense e coerência. No geral, uma agradável surpresa que nos fará procurar futuros trabalhos desta jovem equipa. Ana Almeida realizou já uma outra curta-metragem (Uma Questão de Sangue, que não vi) onde trabalhou também com Rodrigo Santos e que é um título a procurar.
Mais informações sobre esta curta, podem ser encontradas aqui.

Resta-me agradecer ao José Pedro Lopes por me ter chamado a atenção para este filme e pela amabilidade de me ter cedido uma cópia a fim de poder escrever este pequeno texto.

OS CONTOS DO HOMEM PEIXE

O Lançamento da antologia Contos de Terror do Homem-Peixe, teve lugar no cinema S. Jorge (há dois dias), perante uma sala bem composta e contou com a presença de praticamente todos os autores, ilustrador, editor e coordenadora do concurso, a simpática Catarina Ramalho do CTLX.

Para aqueles que não estiveram lá (e se não estiveram, onde estavam?, como certamente perguntaria Baptista Bastos, se lá tivesse estado), aqui fica uma foto do evento, da autoria de Luís Rodrigues.



Da esquerda para a direita: Miguel Neto (editor da Chimpanzé Intelectual), António de Macedo, David Soares, João Maio Pinto (autor das magníficas ilustrações), João Seixas (vosso anfitrião neste blogue), João Barreiros, Possidónio Cachapa, Fernando Ribeiro, Guilherme Trindade Filipe (menção especial do júri) e Pedro Martins (vencedor do 1º Concurso de Contos de Terror do CTLX).

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

MOTELx: ROOM SERVICE




O género do Horror é um género eminentemente sensual. Tal como a pornografia, o drama ou a comédia, o seu anseio – e a medida do seu sucesso – mede-se pela intensidade do efeito físico que logra provocar. E, como qualquer outro género, reside num eterno presente, que se renova pela reciclagem dos instrumentos que se mostraram capazes de suscitar aqueles efeitos.

Por tal razão, é difícil, na longa genealogia de cerca de 270 anos (desde que os Graveyard Poets, Blair, Boswell, et. al., introduziram uma nova perspectiva e tratamento da morte) encontrar marcados pontos de ruptura com a tradição que antecede cada obra. Facto que é tão verdadeiro no Horror escrito como nas suas manifestações cinematográficas.

Um tal ponto de ruptura, pode procurar-se no trabalho dos autores representados no documentário The American Nightmare (que ontem passou no S. Jorge) de que já aqui falamos, naquele curto e furioso período que se estendeu entre 1968 (The Night of the Living Dead) e 1977 (ano de Star Wars, e da reposição dos valores da família).

Não se pense que tais marcos, porém, são meramente arbitrários: uma análise minimamente atenta aos títulos mais marcantes do Fantástico a partir de 1977, centram-se quase que exclusivamente na exploração dos limites do conceito de família nuclear. Onde esta era subvertida por Romero (a filha que devora a mãe, cobrando assim o máximo sacrifício parental), Hooper (a família disfuncional de The Texas Chainsaw Massacre) ou Carpenter (o desaparecimento dos pais ou a entrega dos filhos a nannys, que não possuem o necessário instinto maternal e que viria a caracterizar um verdadeiro subgénero posterior), passa a ser afirmada como único reduto de salvação em obras como Poltergeist (do mesmo Hooper, 1982), ou mesmo no sucesso comercial de Kramer vs Kramer (Benton,1979) e The Brood (Cronemberg, 1979) ou este H6: Diário de un Asesino (Barón, 2005, ainda que com um curioso twist final), que será projectado na sexta-feira, no âmbito do festival.

Curiosamente, fenómeno idêntico tinha já ocorrido no ocaso do Gótico, quando o conceito de domesticidade foi introduzido na literatura, substituindo o sense and sensibility.

E é no Gótico que encontramos as raízes do horror moderno: ambos respondem à ânsia de sensações extremas num mundo urbano, confortável e homogeneizado.

Neste sentido, uma coisa que se parece observar, é que o Horror filmado regressou uma vez mais às raízes “B”, sendo de produtoras independentes ou especializadas que surgem as obras mais marcantes, a par de uma inusitada e completamente inesperada deslocação dos conteúdos mais ousados do cinema para a televisão (como se a família, tivesse deixado a sala de estar e se tivesse mudado, em peso, para os cineplexes). Desapareceram completamente das telas dos cinemas produções dos grandes estúdios como The Haunting (Wise, 1961), Rosemary’s Baby (Polanski, 1968) The Exorcist (Friedkin, 1973), ou mesmo o Jaws (Spielberg, 1975). Neste último caso, é pertinente observar como o homem e o filme que criaram o summer blockbuster, se transmutaram, em 1993, no desdentado Jurassic Park.

Poderá isto ser explicado, por uma nova domesticidade do horror? Ou por uma crescente concorrência de fontes de frisson, que competem com o Horror e o empurram para as margens?

O fornecimento de sensações extremas foi tomado de assalto por parques temáticos e desportos radicais (perfeitamente sanitários na sua não menos extrema segurança) e apropriado pelos próprios telejornais (com os seus sensacionalismos vácuos) e programas da manhã (com os seus desfiles de desgraças, doenças e casos da vida).

Escrevendo sobre o Gótico, Clive Bloom (Gothic Horror, 1995): “At once escapist and conformist, the gothic speaks to the dark side of domestic fiction: erotic, violent, perverse, bizarre, and obsessively connected with contemporary fears”.

No caso do cinema de Ivan Cardoso, essa dicotomia assume uma curiosa ironia, pois muitos dos seus actores são rostos bem conhecidos das assépticas novelas da Globo (o doméstico por excelência, num mundo idealizado e confortável, onde a vilania é sempre punida), e surgem em filmes como O Segredo da Múmia (1982) As Sete Vampiras (1986) ou Um Lobisomem na Amazónia (2005) em cenários, papéis e comportamentos completamente inesperados, “eróticos, violentos e bizarros” (voltaremos ao cinema de Ivan Cardoso num próximo post).

Na verdade, e no que se refere ao fornecimento de sensações extremas, é fácil imaginar as nossas donas de casa, alimentadas a novelas e programas matinais a comportarem-se como a Miss Andrews de Northanger Abbey (Austen, 1817), “a sweet girl, one of the sweetest creatures in the world” que, no tocante a novelas de horor, “has read every one of them”.

Tal como a novela gótica, o horror filmado contemporâneo é composto por um punhado de títulos de referência – aceites pelo mainstream – e uma corrente subterrânea de obras marginais, mais extremas, que penetram nos medos contemporâneos, trazendo à superfície as feridas sociais que o estado wellfare cobre com mera cosmética: a pedofilia, os serial killers, as doenças que não conhecem fronteiras (Gripe das Aves, Vacas Loucas), ou a simples consciencialização da perda do controlo que exercemos sobre as nossas vidas numa sociedade de efeitos globais. Ou a simples, imponderável e assustadora senescência.

Todos estes medos estão presentes, de uma forma ou outra, nos títulos seleccionados para a secção Room Service.

Dos títulos propostos, de que nos chegam ecos de outros festivais, devo confessar que apenas conheço o já referido H6 (Barón, 2005), que recomendo vivamente, com algumas ressalvas que discutirei num outro post dedicado exclusivamente a esse título. Dos restantes, a comédia neo-zelandesa Black Sheep (Jonathan King, 2006) retoma a fórmula popularizada por Shaun of the Dead para nos apresentar uma praga de carneiros zombies numa região do mundo onde há mais carneiros (muito mais carneiros) do que humanos. Pedirá sempre comparação com o clássico Night of the Lepus (1972), embora a participação da empresa Weta (responsável pelas armas e demais accoutrements da trilogia Lord of the Rings) lhe permita um aspecto visual com que o clássico de William Claxton nunca poderia sonhar. Pode bem ser um filme que faça finalmente jus ao dito dos Monty Python, “there’s no animal more dangerous than a sheep with ideas”.

The Living and the Dead (2006), do britânico Simon Rumley, assume um tom tipicamente british para exorcizar numa comédia negra, aquilo que Rumley descreve como “the trauma of having to watch my mother die of cancer”. No entanto, ao mesmo tempo que exorciza a sua experiência pessoal, quando Donald (Roger Lloyd-Pack) deixa a esposa acamada (Kate Fahy) aos cuidados de uma enfermeira, que o filho do casal (Leo Bill), igualmente dependente de medicamentos prontamente expulsa de casa para mostrar a sua capacidade de tomar conta da mãe, Rumley oferece-nos uma análise certeira e pungente, quer da dependência medicamentosa em que se encontra grande parte da população ocidental, quer do encargo cada vez maior que a idade avançada e a doença prolongada representam nos nossos dias.

A ideia mais assustadora, porém, pode perfeitamente ser aquela que nos faz pensar que o comportamento societário, só pode ser mantido por forte medicação e, livrássemo-nos da carga de estimulantes, anti-depressivos e ansiolíticos que fazem a fortuna das farmacêuticas, e a sociedade desabaria como um castelo de cartas aflorado por um sopro.


O filme que me suscita maior curiosidade é Mulberry Street (Jim Mickle, 2006), um regresso aos ratos assassinos de Rats - Notti di Terrore (Bruno Mattei, 1984), numa Nova Iorque pós-onze de Setembro, e que parece fechar o círculo de domesticidade e família de que vínhamos falando, ao mesmo tempo que tudo se vai fechando: o prédio na rua que dá título ao filme, expropriado para demolição pela Câmara, gerando uma camaradagem de vizinhança que vai ser testada à medida que se prolonga o cerco de homens-rato, infectados pelo vírus; Manhattan, cujos acessos são encerrados como naquela fatídica terça-feira de 2001; e a distância através da geografia nova-iorquina enervantemente calma e silenciosa que separa Casey (Kim Blair), que regressa de uma comissão no Iraque do pai Clutch (Nick Damici, que também escreveu o argumento).

São dedadas fortes que ficam impressas nas telas dos nossos cinemas, sempre a realidade lhes consegue deitar a mão. Certamente nenhum destes filmes se converterá num clássico do Horror, mas que isso não nos impeça desfrutar de quatro snapshots dos terrores contemporâneos.

Tal como as novelas góticas de onde nasceram há um par de séculos, revelam “surprising social relevance in their apparently escapist fictions” (Walter Kendrick, The Thrill of Fear, 1991).

MOTELx: O ARRANQUE

E depois de toda a antecipação, o MOTELx arrancou finalmente, e de forma exemplar.

O agradável convívio no pátio interior do Palácio Belmonte, onde decorreu o cocktail de recepção aos convidados, com direiro a uma vista magnífica sobre o Tejo e a outra margem, serviu para trocar ideias com o António de Macedo, o João Maio Pinto (que vê hoje também estrear no cinema S. Jorge a exposição de ilustrações com que enriqueceu a colectânea de Contos de Terror do Homem Peixe, que amanhã é apresentada ao público) a Safaa Dib, o Pedro Souto o João Monteiro e a Catarina Ramalho do CTLX, e sobretudo com as "estrelas convidadas", Ivan Cardoso e Mick Garris (na foto com este vossos anfitrião).


Mas o cocktail foi apenas o aperitivo para a primeira sessão cinematográfica que abriu oficialmente o Festival de Cinema de Horror, com o documentário The American Nightmare. Diz quem conhece, que não se lembrava de ver o S. Jorge de tal forma apinhado. A foto mostra apenas o final da longa fila, quando ia já largamente ultrapassada a hora prevista para o início da sessão.


Único ponto fraco da noite, a curta-metragem que antecedeu a projecção do documentário.

Com realização de Pedro Baptista (que esteve presente para a apresentar), os doze minutos deste Sangue Sobre Vermelho (2006) colocam mais uma vez em evidência que a fragilidade da produção nacional não advém da falta de meios-técnicos (a sonoplastia e a fotografia não merecem reparos de maior) mas da incapacidade crónica a nível de argumento e direcção de actores. Ou, no caso, na não-direcção de não-actores.

Constituindo mais uma re-interpretação do conto do Capuchinho Vermelho, a curta arranca de forma promissora com a bem filmada e alucinante corrida do pai/lobo (João Urbano) por um bosque denso, até à cabana onde se encontra a avó (Urbana Conceição Jesus) e a capuchinho (Ana Raquel Ramos). Os avanços sexuais e incestuosos do lobo sobre a capuchinho, vão desencadear uma série de actos violentos que desembocam num dos mais infelizes clichés de que há memória no cinema recente. Esquecida fica qualquer razão para a corrida inicial, que não a intenção predatória.

Se a sucessão de imagens não chega a constituir uma narrativa coerente e auto-suficiente, o efeito é minado de forma inapelável pelo uso desastrado da trilha sonora e pela incapacidade expressiva dos intérpretes principais, com Urbana Conceição Jesus a arrancar involuntárias gargalhadas ao proferir um seco e impassível "Filho, não" perante o avanço do lobo ameaçador com o machado assassino, uma citação directa de Jack Nicholson em The Shining. Também o guarda-roupa de Ana Raquel Ramos faz lembrar de forma pouco confortável aquela icónica imagem de Hard Candy (David Slade, 2005), sublinhando mais uma vez o facto de que a homenagem é por vezes difícil de distinguir da falta de imaginação.

A noite terminou há pouco, numa esplanada dos Restauradores em companhia do David Soares e da Gisela.

Tudo considerado, está de parabéns a organização.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

A CONSPIRAÇÃO DOS ANTEPASSADOS: UMA ENTREVISTA COM DAVID SOARES



Nesta frenética rentrée, repleta de novidades para os amantes da literatura e do cinema de Horror, chega hoje às livrarias o primeiro romance de David Soares, A Conspiração dos Antepassados (Saída de Emergência). Aqueles que já apreciavam os seus contos e álbuns de BD, ou a inteligência que coloca nos ensaios que dedica aos mais diversos assuntos, vai encontrar neste livro todos os ingredientes a que já está habituado. Quem nunca leu David Soares, e quiser experimentar este romance, vai descobrir um mosaico literário de delicada artesania, composto de exaustiva pesquisa histórica, um saudável cinismo autoral e um sentido de ritmo narrativo que o manterá agarrado da primeira página até à fascinante secção final, informativa e profusamente ilustrada. Quem não estiver para aí virado, sempre poderá desfrutar do agradável aspecto gráfico do livro (do qual não resisto a destacar o tratamento dado à lombada).


A publicação deste livro dá o mote a mais esta entrevista; como bom conversador que é, acabamos por falar de muitos outros tópicos.

David, depois de teres explorado várias técnicas narrativas, desde o conto ao argumento de Banda Desenhada, surge agora o salto para o romance. Trata-se de uma história que tinha de ser contada assim, ou sentiste que já tinhas esgotado a forma curta?

O modo como uma história começa a ser formada na minha cabeça, muitas vezes começando com um cruzamento de ideias ou uma determinada imagem, diz-me, logo no início, se ela se vai tornar um conto, um álbum de BD ou, neste caso, um romance. Tudo se relaciona com aquilo que a história precisa: algumas ideias prestam-se melhor a serem contadas com palavras e imagens, outras só com palavras; não existe uma situação de esgotamento diante de um modo particular de desenvolver um enredo.

A Conspiração dos Antepassados” é um livro que me acompanhou durante muito tempo, mesmo quando, na sua fase embrionária, se resumia a dois trabalhos diferentes: uma biografia sobre Fernando Pessoa e uma biografia sobre Aleister Crowley, ambas iniciadas há quatro anos, mas, entretanto, interrompidas em virtude de outros trabalhos. No primeiro caso, tratava-se de um trabalho em spoken-word chamado “Os Quatro Elementos”, uma biografia ficcionada sobre Pessoa, com bastante hermetismo à mistura. No segundo, pensei em escrever uma trilogia em BD; comecei a escrevê-la, mas não tive sorte em encontrar um desenhador que quisesse aventurar-se numa tarefa tão grande. Esses projectos nunca saíram do meu horizonte, contudo e, mais tarde, conjugaram-se de um modo natural noutro formato. É revelador da plasticidade das histórias: quem deseja trabalhar como contador de histórias não pode olhar para as ideias como objectos estanques.

Penso que tenho muita sorte enquanto escritor porque também sou um desenhador e o meu trabalho em banda desenhada é muito útil no que alude à visualização de ambientes e personagens. Em essência, vejo aquilo que escrevo com bastante clareza. É preciso esclarecer que tanto a banda desenhada como a prosa são dialectos distintos do espectro visível composto pelas linguagens narrativas: ou seja, as duas são ferramentas perfeitas para contar histórias.

Dizes no teu blogue que este livro é, até agora, o que traduz de modo mais eficaz as tuas “preocupações autorais, temáticas e ambientes”. Vertentes que se prestam deliciosamente a exploração, começando por sondar em que sentido traduz este livro que agora chega às livrarias as tuas “preocupações autorais”?

Gosto muito de escrever contos, e entendo-os como peças muito específicas, cirúrgicas, até, mas um romance é uma forma maravilhosa de brincar com aquilo que mais nos fascina porque é muito maior. Não me considero uma pessoa negra, mas o meu universo autoral é feito de imagens negras. Penso que possuo uma sensibilidade mais escura no que diz respeito à abordagem aos assuntos e é essa qualidade que se transfere para o produto final. “A Conspiração dos Antepassados” não é excepção porque contém elementos de romance histórico, de thriller, de literatura fantástica, mas, no seu âmago, é ainda um livro de horror. É um romance de horror sobre um período especial da história de Portugal, uma história de horror sobre Fernando Pessoa, Aleister Crowley e Lisboa. Penso que por ter sido escrito com a já referida sensibilidade negra em mente acabou por ficar com uma intensidade insuspeita.

Trata-se de um romance onde exploro muita coisa que me dá prazer: o estudo da história e as ciências ocultas, por exemplo. Eu sou ateu e não acredito em Deus e na existência do espírito, mas gosto muito de escrever sobre temas sobrenaturais. Apenas tento observá-los à luz do cepticismo, tento descobrir novos pontos de vista para escrever sobre eles. Acredito que existe mesmo um ponto de encontro entre a ciência e o oculto porque a maioria dos conceitos herméticos encontra um reflexo na ciência. Acho que alguns feiticeiros foram mesmo proto-cientistas, mas na ausência da terminologia da física e da química usaram a astrologia e a numerologia para descreverem as experiências e as descobertas. Estou a lembrar-me da Árvore da Vida cabalística, que cito múltiplas vezes no romance. É uma forma poética, mística, de falar sobre aquilo que os físicos e os astrónomos actuais chamam de Multiverso. O nosso universo é composto por 90% de matéria negra e uma força física chamada energia negra que concorre para o expandir, lutando contra o coice da gravidade. Os cientistas acreditam que durante esse processo de expansão o nosso universo cria universos novos, assim como nascem pequenas bolhas na superfície de uma grande bola de sabão que estejamos a soprar por uma palhinha. Isso é a Árvore da Vida: vários universos semelhantes, mas diferentes, coexistindo; brotando uns dos outros.

Existem temas recorrentes no meu trabalho, certas ideias... Gosto de pensar que as minhas histórias são optimistas, mesmo assim. Acho que sou obcecado tanto por imagens de trevas como imagens de luz.

Lisboa é uma cidade normalmente associada à sua luz e é verdade que sempre se pressentiu Lisboa em toda a tua obra. Não só nos contos que fazes desenrolar aí, mas como uma personagem mais que aparece mascarada, como cidade túmulo ou como ruína graffitada. De onde provém esta paixão lisboeta?

Começou de um modo muito simples. Sempre gostei da cidade, mas quando me mudei para Campolide comecei a ler mais sobre a sua história. Principalmente, moveu-me o impulso de conhecer bem o lugar para onde tinha ido morar. Descobri que Lisboa tem uma história riquíssima, e que nem sempre é luminosa. A noção de Lisboa como “Cidade Branca” é totalmente falsa: Lisboa é vermelha e castanha, azul e amarela. É uma cidade pintada com uma paleta mediterrânica quente, mas escura. O Sol é muito enganador, basta subir até ao Castelo de São Jorge para o constatar, basta passear pelos bairros históricos para o aprender. Apesar disso, não considero Lisboa uma cidade “gótica”, como Londres. Nada disso. A escuridão de Lisboa é de outra ordem… Telúrica, talvez. A escuridão que se encontra numa cidade soterrada quando se quebra a casca estratigráfica. Lisboa é uma cidade soterrada; já o era antes do terramoto de 1755: ela é que ainda não se apercebeu disso.

Agora moro em Alcântara, o que não me surpreende, pois, de uma forma ou de outra, acabo sempre por ser “atirado para aí”. É um lugar de infância onde passei várias temporadas com os meus avós, é o sítio onde encontrei o meu primeiro emprego numa agência de publicidade e, agora, é o sítio onde moro. É muito relaxante sair de casa depois do jantar e ir passear a pé até ao Mosteiro dos Jerónimos. Onde mais eu poderia espreitar pela janela e ver mais de quinhentos anos de história debaixo do nariz? É um privilégio!

Como sabes, gravei um spoken-word sobre Lisboa: é um dos meus trabalhos preferidos! Lisboa nunca me sai da cabeça enquanto escrevo. Mesmo quando escrevo sobre cidades sem nome vou roubar panoramas a Lisboa.

Não obstante, esta “Conspiração” traz a Londres das neblinas até Lisboa, aflorando a exótica Tunísia. De certa forma, são todos ambientes propícios ao fantástico. Há alguma dimensão pessoal nos loci que escolheste? Ou foram exclusivamente ditames de correcção histórica?

A Conspiração dos Antepassados” é uma história sobre o encontro de Fernando Pessoa com Aleister Crowley, mas foi o segundo quem viajou para falar com o primeiro. Sempre considerei que esse encontro poderia servir de base para contar uma história interessante, mas apenas se fosse encontrada uma excelente razão para a ocorrência. Com isto quero dizer que o encontro real não foi muito interessante: Pessoa esteve com Crowley pouco mais que três breves vezes. Acho que Crowley gostou mais de Pessoa que Pessoa gostou de Crowley; a evolução da correspondência entre ambos é evidente. Crowley continuou a escrever cartas, inclusive uma na qual manifesta o desagrado em não ter respostas. Essa foi a última carta. Existe uma pequena circular dirigida a Pessoa que era missiva exclusiva dos membros da Argenteum Astrum, uma das fraternidades mágicas que Crowley organizou, mas dizer-se que Pessoa foi iniciado nessa ordem, ou outra, com base nesse documento é conjectural. A verdade é que ninguém sabe a verdadeira razão que fez Crowley vir a Lisboa em Setembro de 1930. A minha conclusão é que ele veio, simplesmente, em férias.

Estava a passar um mau-bocado e começavam-se a esgotar os países onde ele poderia estar. Já tinha sido proibido de entrar em Itália e na França… Acho que ele apenas quis mudar de ares e o facto de ter um correspondente em Lisboa, que ainda por cima falava inglês, pesou na decisão de vir a Portugal. Enquanto cá esteve não fez nada de traquinas: foi à praia, pintou uns quadros e passeou em Sintra e Lisboa. Só quando a namorada o abandonou é que ele procurou Pessoa com maior urgência para que o ajudasse a forjar o suicídio na Boca do Inferno. Foi nesse período que estiveram mais próximos e, logo em seguida, Crowley foi-se embora. Isto não é material suficientemente intrigante para se escrever um bom romance.

Nessa óptica, urgia encontrar um bom motivo para a viagem de Crowley e para o contacto com Pessoa. Percebi que teria de ser algo relacionado com a história de Lisboa, com a história de Portugal. Não fazia sentido escrever uma aventura onde Crowley se desloca a Lisboa em busca de um artefacto estrangeiro: tinha se ser algo especificamente português; e, ao mesmo tempo, europeu. Algo interdisciplinar que, sem deixar de ter um carácter português, comunicasse com outras histórias, com outras mitologias. A resposta era óbvia: o mito sebástico!

É a escolha perfeita porque consegue unir com elegância as mitologias de Pessoa e de Crowley e, também, servir de coluna a um romance onde eu possa falar de história e de magia. Faz sentido, do ponto de vista ficcional, colocar Crowley em busca de Pessoa porque ele era um profundo conhecedor do mito sebástico. Assim como na ciência, também na literatura as soluções mais elegantes são as melhores.

Atento o título e o teor da história que resolveste contar, receias que o público leitor possa confundir essa elegância de soluções, que muitas vezes separa a boa da má ficção, com os romances pseudo-históricos de Dan Brown ou Luís Miguel Rocha? Como encaras esse modelo literário que parece ter tomado de assalto o mercado editorial?

Penso que nas próximas décadas qualquer livro será comparado, em menor ou maior espessura, com “O Código Da Vinci”, e isso cinge-se ao impulso que os leitores têm de comparar as novidades com aquilo que já conhecem para se familiarizarem rapidamente com elas. Isso é válido para tudo, não apenas para os livros. O que se passa é que esse livro de Dan Brown foi, para o bem ou para o mal, um mastodôntico sucesso comercial. Que significa isso? Que, provavelmente, toda a gente comprou o livro, leu o livro ou ouviu falar dele. Já nem refiro aqueles que só viram o filme... Avaliando a questão desse prisma é óbvio que qualquer livro que seja editado daqui em diante será medido segundo a escala do “Código”; mas a um nível superficial. Acredito que a maioria dos leitores são mais inteligentes que isso e que são capazes de ler um livro sem necessidade dessas muletas. Romances com personagens históricas são publicados às dezenas todos os dias e já o eram antes de “O Código Da Vinci” ser editado. Pessoalmente, eu acho que o Dan Brown nunca imaginou a aberração na qual o seu livro se iria transformar e que ele apenas quis escrever um bom livro de aventuras inscrito na tradição de thrillers que o antecede.

Escrever sobre personagens históricas pode ser um exercício divertido. Eu já escrevi sobre Nietzsche e William Burroughs, adaptei o “Doutor Fausto” de Thomas Mann para banda desenhada, gravei um spoken-word sobre a história e a mitologia de Lisboa e guardo excelentes recordações do processo criativo desses trabalhos. Escrever sobre Fernando Pessoa e Aleister Crowley foi ainda mais divertido porque são, por mérito próprio, personagens maravilhosos. De qualquer das formas, eu não acho que “A Conspiração dos Antepassados” seja um romance histórico. O solo onde a narrativa é plantada é adubado com bastante rigor histórico e biográfico, claro, mas o enredo é completamente ficcionado. Depois, está recheado de elementos de literatura fantástica que costumam estar ausentes nesse género e, mais importante, tem uma intensidade, um dramatismo, que se relaciona com o facto de ter sido escrito como um livro de horror. Volto a dizer que é uma aventura negra que possui elementos de romance histórico, de thriller, de literatura fantástica e horror. Costumo dizer que acabar de escrever um romance é como ter um filho, mas quem tem um filho é muito mais sortudo porque é bastante fácil definir um recém-nascido: ou é menino ou menina. Agora... um romance?! É mais difícil definir o género de um romance. Dizer-se que um determinado título se inscreve na peugada do sucesso do “O Código Da Vinci”, e epígonos, somente porque fala sobre personagens ou acontecimentos históricos revela falta de imaginação. Trata-se de uma entidade complexa que, a fazer-lhe justiça, não pode ser classificada apenas com um rótulo. É preciso lê-lo, pensar sobre ele.

Falando em géneros, se há um género literário que, em Portugal, está em pior situação do que a ficção científica, é o Horror. Como autor, nas várias vertentes criativas, e como criador com uma “sensibilidade negra”, tens sido o único autor nacional a apresentar consistência no trabalho dentro do género. Há alguma razão para que o Horror não seja tão bem recebido entre nós?

Não sei porque é que não existem mais autores portugueses de ficção de horror ou de ficção científica, mas acho que existe um preconceito enorme dirigido a qualquer espécie de livro que tente contar uma história sem se preocupar com o simples relato de emoções, ideias ou expressões. Também existe um preconceito ainda maior voltado contra os livros que se tornem grandes sucessos comerciais: é um absurdo! A má qualidade de uma obra não se correlaciona com um número de vendas elevado nem um título que venda apenas uma centena de exemplares é, à partida, uma obra de arte. Existem livros que vendem bastante e que são muito bons e outros que não vendem nada, precisamente, porque são péssimos.

Acredito que o horror é, por excelência, o género da ruptura: é assim que eu o vejo. É um género que lida com os assuntos humanos através da transgressão, da ruptura, da noção de danação que advém do conhecimento de si. Todas estas ideias são bastante extremas e é natural que sejam, também, desconfortáveis para a maioria dos leitores. Não há nada de errado com isso... Enquanto leitor, ou espectador, gosto de obras que me provoquem, simplesmente porque gosto de aprender e as situações extremas são excelentes salas de aula para aprenderes um pouco sobre ti mesmo.

Portugal não tem géneros literários de origem, excepto o fenómeno do Novo Realismo que surgiu na segunda metade do século XX como literatura de denúncia política e social. Tudo aquilo que os nossos romancistas escreveram ou escrevem segue os modelos de ficção franceses ou anglo-saxónicos. Os “Vencidos da Vida” do século XIX copiavam os modelos deixados em aberto por romancistas ingleses como George Gissing... Acho que a nossa tradição literária se inclina para a comédia de costumes inaugurada pela Madame de la Fayette no século XVII e tudo o que se afasta desse cânone é, infelizmente, observado como sendo parte menor da literatura. Eu acho que um livro ou é bom ou não é bom, independentemente de fazer parte de uma literatura de género ou de fazer parte daquilo que é considerado pela academia como sendo a alta literatura.

Outra coisa que deve ter influenciado bastante o nosso modo de olhar para a arte deve ter sido o efeito que a tradição religiosa operou, e ainda opera. A inquisição só foi abolida em Portugal há cento e oitenta e seis anos!... Pensar que quase quatro séculos de repressão religiosa não influenciaram o nosso modo de olhar os livros é ingénuo: isso diz muito sobre o modo como a ficção de horror e a ficção científica são mal recebidas aqui e em outros mercados inseridos em países de fortes tradições religiosas.

Um autor que aborda frequentemente uma temática e uma imagética religiosa e escatológica é Clive Barker. Nota-se, na tua obra, uma marcada influência barkeriana. Se é certo que todos os autores buscam imitar os seus escritores favoritos (“retribuir-lhes o prazer da leitura”, como diria Borges), que outros autores ou cineastas te marcaram mais?

Quando escrevo não penso em nenhum autor. O que me interessa é capturar o tom da história que estou a escrever e isso é algo que apenas se aprende com a experiência da escrita, porque não pode ser ensinado de outra forma. Relaciona-se com a voz autoral, mas é uma coisa diferente. Acho que cada autor fala com uma voz distinta: as influências são os sotaques. É possível que tenha um pouco de sotaque barkeriano porque o Clive Barker é um dos meus autores preferidos.

Outro autor que gosto muito é o escritor alemão Günter Grass. Vi o filme “O Tambor”, de Volker Schlöndorff, que adapta o romance homónimo de Grass para o cinema, quando andava na segunda classe e fiquei muitíssimo impressionado. Era grotesco: nunca tinha visto nada parecido! Tinha montes de nudez e sexo, muito perverso, e era, igualmente, muito violento. Acho que a mistura de sexo com a violência, mais o ambiente negro e fantástico, me influenciou muito. Mais tarde li o livro e descobri que era ainda mais extremo que o filme.

Gosto de escrever sobre sexo e tento escrever sobre sexo como parte do horror e não como uma fuga ao horror. Acho que o sexo pode ser uma experiência aterrorizante: é um momento onde se está bastante vulnerável e onde se comunga com outro corpo, com outra mente. O sexo transforma-nos; e se não tivermos cuidado transforma-nos naquilo que não gostaríamos de ser.

Gosto de muitos autores diferentes, mas quando escrevo só penso em mim: naquilo que me está a ser sugerido pela narrativa e como isso afecta o tom que desejo imprimir nas palavras. Costumo ler em voz alta para ouvir o ritmo das frases e se eu não gosto do que ouço, mudo-as. Foi algo que trouxe para a escrita depois de ter gravado o CD “Lisboa”: tento que o texto funcione como uma história contada oralmente. Acho que isso fortalece muito o resultado final porque se acaba por conseguir algo hipnótico, harmonioso. Eu gosto bastante disso! Não tenho ouvido para a música, mas penso que tenho ouvido para as letras.

E jeito para o desenho. Se te pedissem que escolhesses um livro de Horror para adaptar a Banda Desenhada, qual escolherias? E porquê?

Não me lembro de nenhum, mas a BD tem grandes obras originais de horror. O autor japonês Junji Ito é um grande exemplo: “Uzumaki” é uma das melhores obras de horror que já li; é mesmo perturbante e o final é grandioso. Sobretudo é uma obra de horror pensada para ser uma banda desenhada, com cenas imaginadas para esse formato! Penso que as adaptações em BD de romances de horror não são grande coisa, mas as histórias originais de horror em BD costumam ser bastante eficazes.

Pode-se fazer coisas assustadoras em BD... Lembro-me do álbum de Alberto Breccia com adaptações de contos de Lovecraft, mas o Breccia era um mestre! É uma obra genial com soluções gráficas brilhantes. Já a biografia em BD sobre Lovecraft que o filho Enrique Breccia desenhou deixa muito a desejar.

Acho que gostaria de ver alguém adaptar os “Contos da Chuva e da Lua”, de Ueda Akinari, porque consiste em material muito visual e ficaria perfeito se representado com algum surrealismo, algum experimentalismo abstracto. Uma espécie de Mark Rothko meets Kaneto Shindo. Cor, ambiente onírico e violência gore: eu estaria na linha da frente para os autógrafos.

Terminado o primeiro romance, com vários volumes de contos e álbuns de BD no currículo, a seguir, que projectos?

Tenho muitas histórias que quero escrever, mas ainda não sei qual delas será o meu próximo trabalho. Tenho uma ideia em desenvolvimento para um grande romance sobre Lisboa, algo que quero muito fazer porque se trata de uma coisa que ainda não experimentei: um épico! Também tenho muitos argumentos de BD que quero tirar da gaveta, se encontrar desenhadores com vontade de trabalhar, porque adoro essas histórias e quero vê-las cá fora. Ainda tenho muitas ideias para contos. A verdade é que nunca consigo parar durante muito tempo. Sou um contador de histórias: sei o que sou e o que preciso de fazer para ser feliz e faço-o! Não perco tempo com coisas inúteis.