Por vezes é curioso ver o que a prateleira nos entrega quando lhe pedimos uma sugestão. De olhos fechados, das fileiras de trás onde as sombras eclipsam as lombadas em sucessão misteriosa, retiramos um volume à sorte, ao calhas, entregando às parcas o destino de umas poucas horas de leitura.
Desta vez calhou-me Armada, uma space opera de Michael Jahn (n.1943), cujo percurso pela ficção científica se cingiu a um par de títulos há muito esquecidos (The Olympian Strain de 1980 é o outro) e um punhado de tie-ins. Mal se abre o livro, já se adivinha o que nos espera:
"The rock was the size of a small car. (...) (It) caught the sunlight and reflected it in a strong metallic glint which inflamed Broadsword's spirit of adventure. «Hold on», e said, reaching for the throttles.
Margot covered his hand and the throttle levers with hers.
«You'll make us late», she said.
«So what?»
«H5 needs the cargo.»
«What? More crystals for more transistors so everyone can have two wrist radios?»"
Armada posiciona-se face ao passado; as suas referências são as heróicas space operas pré-Campbelianas, onde intrépidos aventureiros de queixo firme exibem o seu desprezo pela autoridade aos comandos das suas estrondosas naves espaciais. O espírito da fronteira, do pistoleiro sem lei mas com um forte sentido moral, essa tradição americana que o Western legou à Ficção Científica e ao Policial como seus dignos descendentes, forma a coluna vertebral deste tipo de aventura.
Neste caso os aventureiros são Nathaniel Broadsword, Margot Chambers e Curtiss Baxter, modernizados pelos sinais dos tempos (Margot não só é uma piloto exímia, como tem uma vida sexual activa), mas ainda assim livres empreendedores que se verão no centro, não só do primeiro contacto com uma civilização alienígena, mas da primeira invasão da Terra por uma espécie intergaláctica.
Situando a acção num 1995 que já lá vai, Jahn não consegue libertar-se do kulturgeist em que escreve: 1981 estremece ainda sob o ímpeto de Star Wars (1977) e seus derivados. Battlestar Galactica (1978), The Black Hole (1979), Buck Rogers in the 25th Century (1979-1981) Flash Gordon (1980), The Empire Strikes Back (1980) ou Battle Beyond the Stars (1980) eram os filmes e séries de televisão que preenchiam o imaginário tecnofantástico e impunham a sua reprodução memética. Fiel a esses modelos, Jahn apresenta-nos um espaço próximo já colonizado pela Terra e pela sua modesta frota de dez vaivéns espaciais, que se vão bater contra uma sinistra e antropófaga espécie alienígena que vagueia pelo universo procurando o alimento mais nutritivo.
Os leitores habituais do género reconhecerão muitos dos seus temas e tratamentos, não deixarão de protestar pelos muitos clichés e infantilidades, pela narrativa atamancada, pela fácil antecipação do desfecho mas, acredito, não deixarão também de apreciar alguns dos resmungos mais inesperados: A designação "Armada", surge quando a gigantesca e impenetrável nave alienígena regurgita os primeiros caças em forma de boomerang. «Jesus Christ, it’s a fucking armada!», expletiva que merece a observação «Beats the hell out of “a big step for mankind”».
Por outro lado, à medida que a refrega se torna cada vez mais desesperada (e o livrinho, pese a leveza, tem os seus momentos sangrentos), os heróicos terrestres não deixam de perorar a iniciativa S.E.T.I. que, anunciando ruidosamente a nossa presença e localização, se revela pouco adequada a um universo de presas e predadores, ideia que não é de todo desprovida de alguma originalidade. De lamentar apenas que não fosse explorada numa obra melhor.
O volume não termina sem que os protagonistas sofram as suas perdas – coisa em que Jahn se mostra implacável – mas é no optimismo final da obra que se revê o wishfull thinking que apenas então, antes do Challenger, antes do Columbia, antes de Bush, era possível: os alienígenas foram aniquilados e, com o habitat orbital destruído, as bases lunares em ruínas, a NASA não começa a fechar-se numa concha autista; acelera o programa espacial, antecipa a colonização de Marte, mostra às estrelas que o Universo pertence a quem o reclamar.
Em 1981, ainda tinhamos o futuro ao alcance das mãos...
Sem comentários:
Enviar um comentário