terça-feira, 22 de janeiro de 2008

E o Futuro mesmo aqui ao lado



Luís Filipe Silva é um dos melhores autores nacionais de Ficção Científica, aliando a riqueza de uma escrita elaborada à construção de futuros pensados e credíveis. Quando consegue pôr de lado um humanismo demasiado vincado e uma certa tendência de redução do imaginário pessoal aos limites mais estreitos do mainstream, chega mesmo a roçar o estatuto de clássico de FC que, obra após obra (infelizmente menos do que as que gostaríamos), vai paulatinamente assegurando.

De há uns tempos para cá, LFS vem publicando no seu blogue (Efeitos Secundários) uma série de pequenos textos "noticiosos" que são verdadeiras pérolas de concisão e preciosas jóias de worldbuilding. Desde a "notícia" de um acidente provocado pela falha do sistema de navegação por Inteligência Artificial de um automóvel, até à vitória de atletas portugueses incrementados, cada uma delas vai tecendo a teia de um futuro próximo com uma tal textura e credibilidade que se torna verdadeiramente palpável.

Simultaneamente, como se ainda fosse necessário, LFS confirma o absoluto domínio das técnicas da Ficção Científica como instrumento privilegiado de exploração do futuro possível da Humanidade e deste pantanozinho à beira mar encalhado...

Para os aspirantes a autores de FC e até mesmo para alguns dos nossos escribas nesta área, estes curtos textos são uma escola e um exemplo a seguir e abrem o apetite para mais obras de Luís Filipe Silva que, estou em crer, querendo, bem podia ser o nosso único e inultrapassável autor de hard-sf.

Sense of wonder em português e doses comedidas. A não perder, aqui.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

REI MORTO REI POSTO


Chegou hoje às livrarias A República Nunca Existiu, uma colectânea de catorze contos seleccionados por Octávio dos Santos e editada pela Saída de Emergência. O volume, de aspecto gráfico irrepreensível e de manuseamento extremamente agradável (conta apenas com 212 páginas) marca a primeira aposta nacional num dos sub-géneros mais difíceis e estimulantes da FC, como é a História Alternativa.

Desta feita, o desafio lançado aos autores foi a criação de um Portugal onde o Regicídio de 1908, sobre o qual se cumprirão 100 anos no próximo dia 01 de Fevereiro, nunca teve lugar, dando origem a uma (ou melhor, a várias) cronolinha onde a República nunca foi instaurada entre nós.

Entre os autores que podemos encontrar no índice contam-se Miguel Real, João Aguiar, José Lopes, Maria de Menezes, Gerson Lodi-Ribeiro e o próprio organizador. Também este vosso escriba lá verteu uma curta ficção, de seu título "A Noite das Marionetas".

A título pessoal, posso dizer que o projecto, face ao qual tive algumas reservas iniciais, acabou por se revelar absolutamente fascinante. Uma vez escolhido o concreto período histórico para situar a acção (1916, ano da entrada de Portugal na I Grande Guerra), o rápido avolumar de informação e referências bibliográficas fez-me expandir a ideia inicial que cresceu muito para além do conto incluído na antologia; na verdade, este "A Noite das Marionetas" é um segundo conto, escrito após a ideia inicial ter extravasado muitíssimo do limite estabelecido pelo Octávio (outros autores sofreram com esse problema, sendo que a contribuição de um deles teria enriquecido bastante o resultado final); para os mais curiosos, a ideia inicial, excluída da antologia, acabou por se converter num projecto mais alargado, com o título Zeppelins Sobre Lisboa, a ser publicado sob a forma de seriado a partir da BANG!#4 (Abril de 2008).

No entretanto, podem os leitores explorar as 14 realidades alternativas que Octávio dos Santos seleccionou.

Boas leituras!

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

BANG!: O Regresso


Com excepção das cada vez mais numerosas antologias de autores portugueses na área do Fantástico (nada menos que cinco, entre Novembro de 2006 e Janeiro de 2008) o mercado nacional de ficção curta é praticamente inexistente, confinando-se a fanzines (cada vez mais raros) e e-zines (que cada vez adquirem mais visibilidade). A mais recente experiência de fôlego foi a revista BANG!, dirigida por Rogério Ribeiro e editada pela Saída de Emergência, da qual surgiram 3 números (#0 a #2) entre 2005 e 2006.

A revista, infelizmente, não correspondeu às exectativas, quer da Editora, quer dos leitores, tendo sido rapidamente descontinuada. No entanto, no dealbar deste novo ano, eis que a BANG! reaparece, desta feita em formato digital e gratuito, com capa de encher o olho e conteúdos apetitosos, prometendo uma aposta forte na ficção e não-ficção nacional na área da literatura de género.

Este primeiro número (#3, retomando a numeração da sua progenitotora em suporte de papel), apresenta ficção de João Barreiros, Neil Gaiman, Richard Matheson, Arthur Machen, Vasco Curado e Maria de Menezes, para além de crítica de Safaa Dib, uma avaliação do Fórum Fantástico 2007 por Rogério Ribeiro e entrevistas com George R.R. Martin e Octávio dos Santos (director da antologia A República Nunca Existiu, que chegará às livrarias ainda este mês) . O destaque em não-ficção vai para um extenso ensaio de David Soares que versa sobre o Fantástico na Literatura Portuguesa, área em que tem já créditos firmados.

Luís Corte-Real assina a solo a direcção deste primeiro exemplar digital, sendo que os próximos números serão co-dirigidos com Rogério Ribeiro.

O arranque de 2008 começa assim sob uma égide de optimismo que nos permite criar algumas expectativas quanto a uma melhoria do panorma do Fantástico em relação ao ano anterior.

A BANG!#3 pode ser descarregada directamente da página da Saída de Emergência, onde será disponibilizada ainda hoje.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

O Ano que passou... antes que passe o próximo

2007 foi um ano de inusual actividade no campo do fantástico Luso. Para além de mais um Fórum Fantástico, os entusiastas da Ficção Científica, Fantasia e Horror tiveram muito por onde escolher no tocante ao investimento do seu tempo e dos seus cobres. Desde logo, e de especial relevo, a iniciativa do Cineclube de Terror de Lisboa de promover o 1º MOTELx – Festival Internacional de Cinema de Horror de Lisboa, que não podia ter começado melhor com retrospectivas de carreira de Ivan Cardoso e Guillermo del Toro, para além de ter contado com a presença, para além daquele primeiro, do Mestre do Horror Mick Garris. Também de parabéns o CTLX por ter organizado, desta feita em parceria com a Edições Chimpanzé Intelectual, o 1º Concurso de Contos de Terror, do qual nasceu a antologia Contos de Terror do Homem Peixe (2007).

Já no plano estritamente editorial, é de registrar com apreço que o fosso cronológico que separa Portugal dos demais países em termos de tradução de obras criticamente bem recebidas tem vindo a diminuir, embora não se possa deixar de lamentar a escassez dos títulos que merecem essa honra. No entanto, a publicação de Lisey’s Story de Stephen King (2006, pela Bertrand), The Cloud Atlas de David Mitchell (2004, pela Dom Quixote), The Glass Books of the Dream Eaters de Gordon Dahlquist (2006, pela Bertrand), Son of a Witch de Gregory Maguire (2005, pela Casa das Letras) e dos primeiros volumes da Song of Ice and Fire de George R.R. Martin (pela Saída de Emergência) não podem ficar por referir. Por outro lado, observamos também a recuperação de clássicos incontornáveis do género, nunca antes editados entre nós ou há muito desaparecidos da visibilidade das estantes, actividade onde merece especial destaque a Saída de Emergência, com a publicação de Lord Dunsanny, Arthur Machen, Richard Matheson, Tim Powers, Mervyn Peak, Alan Gardner e Robert E. Howard, para além da aposta constante em autores nacionais.

Falar de autores nacionais impõe-nos desde logo citar dois nomes: João Barreiros, que, em 2007, integrou contos inéditos em duas antologias, fez parte da SFWA European Hall of Fame e viu publicado o tão ansiado primeiro volume da trilogia A Bondade dos Estranhos (O Projecto Candy-Man, Chimpanzé Intelectual); e David Soares, que se estreou de forma notável na forma de romance com A Conspiração dos Antepassados (Saída de Emergência), para além de ver publicadas várias peças, desde contos até ensaios e introduções nas mais variadas saídas.

De referir também a invejável continuidade e preserverança de António de Macedo, felizmente já quase totalmente recuperado da infeliz queda que nos privou da sua companhia durante o FF, e que nos dois últimos meses do ano publicou uma nova colectânea de contos, A Conspiração dos Abandonados (Zéfiro) e um opúsculo sobre a sua experiência no mundo do cinema, de seu título Como se Fazia Cinema em Portugal – Confidências de um Ex-praticante (Apenas Livros).

De saudar ainda o surgimento do segundo número do E-zine Nova, editado por Ricardo Loureiro e da antologia Por Universos Nunca Dantes Navegados, com selecção de contos de Luís Filipe Silva e Jorge Candeias.

No campo pessoal, e se é me é permitida a imodéstia, a Livros de Areia tem prosseguido uma actividade tranquila e regular que, apesar de a manter afastada dos tops de vendas, lhe vai garantindo um estatuto de editora de culto entre os amantes da boa literatura do fantástico, dando a conhecer ao público em 2007 três novos excelentes autores (Blanca Riestra, Bruce Holland Rogers e Lázaro Covadlo), para além de preserverar na recuperação de títulos carismáticos de Jerzy Kosinski e Rhys Hughes. O mérito a quem é devido, e este cabe principalmente ao Pedro Marques pelo design magnífico, ao Luís Rodrigues pelo apoio, pelas excelentes sugestões e pelo empenho que sempre colocou no nosso projecto, e aos demais colaboradores que nunca regatearam apoios nem esforços na produção de livros de que todos se possam orgulhar (o João Maio Pinto, o David Soares, a Safaa Dib e o Paulo Barros, sem qualquer ordem preferencial).

No demais, é pertinente notar que o mercado ainda não ultrapassou a fase de submissão ao domínio do infanto-juvenil (sobretudo na área do fantástico) e ao reverberar do danbrownismo nas estantes dos best-seller, aliás acompanhando as tendências mais doentias dos mercados internacionais. Aspecto a ensombrar 2007 foi a diminuição drástica do espaço de crítica e recepção de obras com o desaparecimento dos suplementos do DN e Mil Folhas do Público, bem como a redução significativa do número de páginas dedicadas à crítica de livros nos suplementos Ípsilon do Público, Actual do Expresso e na revista Magazine Artes. Isso faz com que a revista Os Meus Livros seja a única publicação nacional exclusivamente dedicada aos livros, vendo-se obrigada a cobrir tantos títulos que não pode dedicar grande profundidade de análise e nenhum deles. Observarão os meus leitores que não mencionei o Jornal de Letras.

O domínio da crítica transferiu-se, assim, para a net, onde vão florescendo os melhores exemplos.

Uma resenha do ano, ainda que breve e a pecar por tardia, não podia ficar completa sem umas sugestões de leitura. Uma vez que em 2007 não li o suficiente para elaborar uma lista da melhor ficção curta (nacional e internacional), ou dos melhores títulos que surgiram no ano transacto; e dado que em termos de cinema a minha atenção tem estado mais voltada para obras do período 1958-1979, resta-me deixar aqui o meu top-ten de títulos publicados em Portugal. Os factores que pesaram na escolha e ordenação destes títulos foram três; a saber: 1) A qualidade e importância histórica da obra; 2) A qualidade da edição nacional; 3) o subjectivo prazer de leitura. Por questões de isenção e independência, não inclui na lista qualquer dos títulos onde participei em qualquer categoria, o que constitui injustiça para com alguns autores e títulos que aqui poderiam estar representados. Excluí, desde logo, os títulos da Livros de Areia, O Projecto Candy-Man e Os Contos de Terror do Homem-Peixe, aos quais estou intimamente ligado como editor, autor ou colaborador. Quanto a este último, aproveito para chamar a atenção para uma crítica exaustiva e bastante interessante do Ricardo Loureiro (incluída na análise mais ampla a três recentes antologias de autores nacionais) e que pode ser lida no web-fórum Bad Books Don’t Exist.

Assim, e sem mais delongas, cá vai a minha selecção:


10 – AS RUÍNAS de Scott Smith (Editorial Presença)

Um grupo de turistas no México, vê-se aprisionado em antigas ruínas pré-colombianas, totalmente imersas numa estranha planta de flor vermelha. As personagens são credíveis, a situação adequadamente absurda e desesperante; se acham que é impossível escrever um romance claustrofóbico a céu aberto, experimentem explorar também estas ruínas.


9 – O ATLAS DAS NUVENS de David Mithell (Dom Quixote)

Seis noveletas, situadas em pontos distantes do tempo (desde 1850 até ao futuro longínquo), intimamente ligadas numa teia subtil de interdependências. Actos irreflectidos ou deliberados, cada decisão tem um eco magnificamente estruturado, capaz de se estender num funil de consequências quase imprevisíveis e de longevidade inimaginável. Muito interessante.


8 – ARGENTO-VIVO de Neal Stephenson (Tinta da China)

Prequela ao já clássico Cryptonomicon (1999), está escrito com a mesma verve e o mesmo requinte de pormenor e de inteligência que desde o primeiro momento tem caracterizado a obra de Stephenson. Ao leitor que aceitar mergulhar neste denso romance, o primeiro do Ciclo Barroco, ser-lhe-á permitido privar com diversas personagens históricas, ricas em caracterização e anedota, e experimentar a imersão total num mundo dividido pela tensão entre uma racionalidade emergente do Iluminismo e da Revolução Industrial e uma senescente a atávica religiosidade. Um romance de ideias, onde as ideias são brilhantes.

7 – TITUS, O HERDEIRO DE GORMENGHAST de Mervyn Peake (Saída de Emergência)

Um clássico incontornável da literatura fantástica, que disputa territórios quer à Fantasia, quer à Ficção Científica, a trilogia de Gormenghast, de que este Titus Groan é o primeiro volume, apresenta-nos uma vasta e complexa sociedade, espelho de mente retorcida e palco da ascensão e queda do magnífico Steerpike, uma de muitas personagens desenhadas com infinita riqueza de detalhe, e cujas ambições e frustração elevam a obra acima do mero épico ou drama. É impossível fazer juz à excelência da escrita, da construção narrativa e do intrincado de relações numa nota tão breve: baste-se o leitor em saber que é um daqueles livros irrepetíveis.


6 – CANÇÃO DO GELO E DO FOGO de George R.R. Martin (Saída de Emergência)

Uma saga de grande fôlego, que vai buscar à realidade medieval a textura e o pormenor que conferem dimensão e crueza a um universo de fantasia tão bem construído que faz empalidecer a Terra Média. Martin é um especialista na manipulação das expectativas dos leitores e, profundo conhecedor do género, não deixa de estender sucessivas armadilhas com as quais desarma os tropos que o leitor pensa reconhecer a cada página. O épico de fantasia que toda a Fantasia épica gostava de ser.


5 – A HISTÓRIA DE LISEY de Stephen King (Bertrand)

Correndo o risco de alienar alguns leitores, devo confessor que King é, a um nível visceral, o meu autor preferido. Pronto. Mesmo quando ao lê-lo vou descortinando alguma “palha”, a fraqueza de uma estrutura que podia ser melhor apertada,a verdade é que King escreve de uma forma que chama o leitor para o interior do livro. É um mestre da textura e um artesão inigualável de diálogos. Quando o tema dos seus livros é a escrita, ali onde é mais difícil conter o derrame de experiências pessoais do autor, a obra eleva-se acima do mero horror ou dark fantasy e torna-se um instrumento de aprendizagem. King sabe mais sobre a escrita do que todo o estábulo de críticos do New York Times em conjunto. A História de Lisey tem algumas fraquezas, mas é ainda assim uma das melhores de King, desde o final da sua era dourada com Needful Thigs (1993).


4 – GRENDEL – O INIMIGO DE BEOWULF de John Gardner (Saída de Emergência)

Apesar de datar já de 1971, Grendel é um dos grandes clássicos da Literatura Fantástica, apesar de o seu autor, muito provavelmente, discordar da sua inclusão na literatura de género. No entanto, e como bem observou Dan Simmons, Grendel é uma das melhores explorações da monstruosidade que se aninha sempre no interior de cada um de nós. Beowulf, reduzido aqui a um surpreendente, inominado e cruel cameo, obriga-nos a repensar os mitos sociais e o nosso próprio conceito de identidade moral. Uma obra magnífica.


3 – VODU NAS CARAÍBAS de Tim Powers (Saída de Emergência)

Apesar do título português, tão afastado do original On Stranger Tides como o Diabo da hóstia, este Vodu nas Caraíbas é um fascinante e cativante romance de aventuras, fantasia e horror, não menos distante dos filmes da Disney que o Kilimanjaro do Pólo Norte. John Chandagnac, é outro dos fascinantes personagens “marcados” que polulam na obra de Powers, igualmente marcada por uma escrita sublime e plots intrincados, de uma precisa filigrana, ambos bem evidentes no presente título. Para quem duvida que os romances de aventuras podem ser inteligentes e, por vezes, roçar o estatuto mítico.


2 – A CONSPIRAÇÃO DOS ANTEPASSADOS de David Soares (Saída de Emergência)

O primeiro romance de David Soares é um daqueles livros que ganha novas camadas a cada releitura. Fruto de uma pesquisa extensiva (bem patente nas dezenas de páginas de referências que constituem o apêndice do romance), meticulosamente estruturado e claramente uma obra de amor por Pessoa, pelo ocultismo e pela literatura fantástica, A Conspiração dos Antepassados arranca lentamente – o que pode injustamente desencorajar alguns leitores – mas depressa ganha um ímpeto imparável, que chega a ser verdadeiramente demencial sempre que Crowley sobe ao palco. E a personagem de Crowley, quase omnipresente em recentes levas de obras auto-referenciais, merece uma nota especial pela vivacidade e verosimilhança com que Soares o soube dotar (compare-se, por exemplo, com o sensaborão Crowley do Arcanum de Scott Wheeler). No entanto, toda a obra é um festim para os sentidos, fazendo do leitor íntimo de Pessoa, Kameneski e da Lisboa dos anos 20 e 30 do século passado. E, num texto que desde o início lida com preocupações metafísicas e ocultistas, merece louvor que a primeira introdução do sobrenatural “a sério”, bastante tardia em termos de leitura, consiga ainda surpreender o leitor e provocar-lhe um arrepio na espinha. Fez-me recordar alguns dos melhores momentos da fase inicial de Clive Barker (ou seja, da fase pré-Sacrament). Um livro a revisitar.

1 – OS LIVROS DE VIDRO DOS DEVORADORES DE SONHOS de Gordon Dahlquist (Bertrand)


The Glass Books of the Dream Eaters é também o primeiro romance de Gordon Dahlquist, e ocupa este primeiro lugar do meu top ten pessoal de 2007 pelo simples facto de jogar com temas que têm dominado os meus interesses recentes: a localização temporal na Inglaterra Vitoriana, intrigas palacianas internacionais, personagens cativantes e dotadas de pequenas excentricidades distintivas, uma extensão narrativa que muitos considerariam supérflua, uma deliciosa exploração dos vícios humanos – com especial destaque para o voyeurismo – e uma desenvoltura no abraçar das estruturas genéricas que envergonha muitos dos praticantes mais pretensiosamente sérios do fantástico. O simples volume da edição portuguesa – próxima das 700 páginas – pode desencorajar alguns leitores, mas esses estarão a desprezar a possibilidade de experimentar uma daquelas obras que, lidas no momento certo, lançam ao leitor aquele gancho que os transforma inevitavelmente em viciados do fantástico. Particularmente bem conseguida, a tecnologia de captação dos conteúdos daqueles que são referidos como os “livros de vidro”, na realidade primitivas “máquinas de realidade virtual de imersão total” ou “instrumentos de captação de experiências pessoais”, “duplicadores de personalidade” ou o que o leitor lhe queira chamar. A referência clara do título ao imortal Confessions of an English Opium Eater de De Quincey, permite já ao leitor antever o que o espera, e ao mesmo tempo ser surpreendido pela audácia de Dahlquist. Ao mesmo tempo violento, divertido, intrigante e desavergonhadamente sensual e erótico, é um livro que termina deixando o leitor ansioso pelo segundo volume.

Boas leituras!

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Tempus Fugit 00: Bem Vindos a 2008


Depois de muitas reticências, resolvi, em 2007, lançar-me sem rede na blogosfera. As reticências deviam-se, não só à opinião que tinha dos blogues - efémeros grafitti com que o ego de alguns bloguistas ia sarapintando o cyberespaço - como à incapacidade que tenho de encarar s coisas de ânimo leve.

Se a minha opinião original dos blogues e dos bloguistas não se alterou muito, alguns autores houve que, por uma razão ou outra, positiva ou negativa, me convenceram a experimentar: o Sonho de Newton do David Soares, o Tecnofantasia do Luís Filipe Silva, o Stranger in a Strange Land da Safaa Dib entre os primeiros; os blogues de Pedro Mexia, Francisco José Viegas e Eduardo Pitta entre os segundos, foram determinantes para a minha decisão.

Um blogue, porém, vive apenas da relação que consiga estabelecer com os seus leitores. E essa relação, como qualquer outra - intelectual ou afectiva - vive da memória constante e presente um do outro: do que escreve e do que lê.

Há uns meses atrás, circulou pela blogosfera um post do Pedro Mexia, em que este, com a habitual vacuidade bem humorada, definia os três tipos de bloggers e a relação de cada um com a necessidade de conversa. Não sei em que categoria encaixava a sua própria escrita, nem tão pouco me interessa. O eco que a sua inanidade encontrou surpreendeu-me, mas não muito. Na realidade, e na minha modesta opinião, conheço apenas dois tipos de blogues: aqueles que se levam a sério, onde os posts são pensados, onde o autor procura expor, mais do que uma opinião, uma opinião fundamentada e especializada sobre alguma coisa, e os outros.
Desde o início pretendi que o Blade Runner fosse um dos que se levam a sério: isso impõe-me responsabilidade, disciplina e muito, muito trabalho de sapa. Tal como Will Cuppy, autor do divertidíssimo The Decline and Fall of Practically Everybody (1950), não acho exagerado ter que ler cinco calhamaços para escrever um ensaio de página e meia. Isso tornou-me proverbialmente incapaz de cumprir um prazo.

Felizmente para mim, o último ano foi pródigo em solicitações na área da escrita crítica, ensaística e de ficção, o que fez que as actualizações do blogue se fossem tornando cada vez mais esparsas. Ficaram por fazer meia dúzia de críticas de volumes publicados em Portugal em 2007 e que considero de relevo, outras tantas de volumes que as editoras ou os autores tiveram a amabilidade de me enviar e outras prometidas. Ficaram por estrear as Midnight Sessions e atrasou-se a redacção da Breve História da Ficção Científica.

Os próximos meses afiguram-se pródigos em trabalho, o que imporá novas limitações à minha capacidade de actualização do blogue. Perante tal panorama, só me restavam duas opções: pôr termo definitivo ao Blade Runner, ou continuar com um ritmo incerto de actualização.

Confesso que ainda não desesperei das potencialidades do blogue como instrumento de contribuição para o Fantástico nacional, e optei por isso continuar a mantê-lo, com limitações. Assim, e pelo menos até finais de Julho, as actualizações do Blade Runner limitar-se-ão às Midnight Sessions à sexta-feira e à crítica de livros ao Domingo. Um ou outro tema actual e de relevo serão oportunamente mencionados. No mais, peço apenas aos meus eventuais leitores que não desesperem quando falhe uma das actualizações.
Um óptimo 2008 para todos vós.