quinta-feira, 29 de maio de 2008

I may be a bitch, but I'll never be a butch!



Ok. Um último mergulho no tema Irina Spalko. Ao fim e ao cabo, a semiótica tem destas coisas e, por vezes, é o mais óbvio o que nos escapa.

Quando, na alucinante perseguição motorizada pelas selvas sul-americanas, Irina se vê sózinha no camião com Marion, o seu rosto adquire uma expressão magnífica, ao mesmo tempo sensual e predatória, que, no meu post anterior sobre o tema, interpretei como o olhar "de uma deusa pagã que encontrou a Virgem Maria no seu altar: algo também irónico, pois Marion - a quem Mutt se refere como Mary/Maria tem um filho ao passo que Irina, fria, distante e superior, pode bem ainda ser virgem. Mas tão mais sexy, com o seu uniforme cingido ao corpo, enquanto a feminilidade de Allen desaparece sob camadas de roupa".

Apesar de ter ilustrado um outro post com esta foto de Irina Spalko, não reparei no inevitável símbolo fálico que a agente soviética aponta na direcção de Marion, originando um estéril orgasmo de balas (nenhuma delas atinge o seu alvo, "traduzindo" a inutilidade de uma afirmação de masculinidade que a biologia não permite).

Somando agora esta perspectiva à tese de que Irina Spalko será uma versão mais jovem de Rosa Klebb, e tendo em mente alguns dos fantasmas sexuais da Guerra Fria, é uma nova e mais interessante representação que se abre perante os nossos olhos (pelo menos aos nossos olhos masculinos; que querem, é genético). Daí que a castração de pai (Indy) e filho (Mutt) resulta também da típica competição juvenil de "o meu é maior que o teu".

Ou seja - ó suprema fantasia - Irina Spalko é lésbica!
A pista para tal interpretação é-nos dada pelos próprios criadores, ao referenciarem Spalko com Klebb. Ou não se lembram da cena em From Russia With Love (1963), em que Rosa Klebb (Lotte Lenya) procura seduzir Tatiana Romanova (a belíssima Daniela Bianchi) para o dark side?:











Prometo: depois desta, acabou-se a semiótica.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Almas Gémeas?







Que têm em comum Dan Simmons (n.1948) e Tim Powers (n.1952)?

Antes de mais, são dois escritores do fantástico, capazes de navegarem com facilidade e mão segura de um género para outro, sabendo ao mesmo tempo inovar e respeitar a história e tradições genéricas. Em segundo lugar, são dois escritores exímios: ou seja, possuem um domínio exemplar da escrita e das técnicas narrativas, uma noção de ritmo da linguagem que converte as suas obras em canções silenciosas, ricas em sonoridade e cadência quando lidas em voz alta, suaves e envolventes quando acariciam o cérebro do leitor.

Atrevem-se ambos a escrever com excelência nos campos da Fantasia, do Horror e da Ficção Científica, excelência que não se limita à construção da história, mas se estende à exploração da linguagem. E, para além de assinarem livros populares e acessíveis, conseguem o paradoxo, um e outro, de serem o que usualmente se refere como writer's writers. Autores com quem se aprende a escrever, autores cuja técnica é melhor apreciada por aqueles que também escrevem e que, raras vezes, não conseguem conter uma pontinha de inveja.

Outra coisa que têm em comum, é serem ambos publicados em Portugal pela Saída de Emergência. Ora, quem lê este blogue e conhece a realidade da literatura fantástica em Portugal, sabe que a SdE tem apostado com coragem na publicação de alguns dos melhores autores do fantástico, numa colecção discreta e de grande sonoridade (A Colecção BANG!), ajudando a promover entre nós alguns autores brilhantes e que, de outra forma, passariam completamente desapercebidos.

Uma das estratégias da SdE foi a criação de um fórum de leitores dedicado à colecção BANG!, subdividido em vários outros fóruns específicos, dedicados aos seus vários autores. Para moderar esses fóruns, o Luís Corte-Real (editor da Saída de Emergência) convidou algumas pessoas de grande valia, como a Safaa Dib, o Luis Filipe Silva e o Luís Rodrigues. Depois resolveu baixar a fasquia e convidou-me a mim, apesar de saber que ando apertado de tempo.

Estive para recusar. Mas ele insistiu, dizendo que precisava de um moderador para os fóruns do Dan Simmons e do Tim Powers.

Do Dan Simmons e do Tim Powers?, perguntei eu, incrédulo. Dois dos meus autores favoritos?

Bom, passem por de vez em quando, e ajudem este pobre moderador a fazer jus a dois dos melhores autores da actualidade.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

She got you by the balls

Não sou nada adepto das interpretações semióticas. Mas, como devem ter reparado pelos meus anteriores posts, andava a tentar perceber o que faz com que uma desilusão tão grande como Indiana Jones in the Kingdom of the Crystal Skull mereça uma personagem tão icónica como Irina Spalko (Cate BLanchett)? Sobretudo, porque, deconfio, a personagem provoca-me um fascínio que, se calhar, deixará outros espectadores indiferentes.

Pensei, primeiro, que fossem reminiscências da Tovaritch Nina de Esteban Maroto, uma banda desenhada tão curiosa, pulpesca e sexy, que cheguei a escrever umas quantas cenas (directamente para a gaveta) com uma outra persnagem chamada Kamarada Natalya, Agente de Stalin; depois compreendi que era algo mais profundo, mais religioso (isso, riam-se).





Que a personagem é um piscar de olho à sinistra Rosa Klebb (Lotte Lenya) de From Russia With Love (1963) parece-me perfeitamente evidente: aliás, na foto abaixo, que penso datar de 1928, quando a actriz interpretava Charmian Peruchacha na produção berlinense da peça "Die Petroleuminseln" de Lion Feuchtwanger, é impossível deixar de encontrar algumas semelhanças entre Lenya e Spalko. Irina é, assim, uma versão mais jovem, sexy e felina da própria Klebb. E, com todos esses atributos físicos, para além de um doutoramento, Spalko não precisa das deselegantes lâminas que Klebb ocultava nos sapatos, confiando-se antes ao seu elegante e fulminante rapier. Não pensem que isso é acidental. O rapier tem significados mais profundos, pois Irina não esconde o seu bem visível coldre, onde, acredito, se aninha uma fiável Tokarev 33 (ok, provavelmente é uma não menos fiável Colt .45, mas prefiro imaginar a personagem com a Tokarev).

E tratando-se Irina Spalko de uma agente do KGB, por muito que nos queira enganar com as suas patranhas parapsicológicas, para além de fisicamente atraente deve seguir a mui saudável vertente intelectual do ateísmo.


Isto ocorreu-me quando pensei no triste final da personagem, queimada pelos alienígenas com a mesma chama de sarça ardente que se guardava na Arca, de olhos muito abertos, como uma corça maravilhada, enquanto pede "I want to know. I want to know everything!", que é coisa que só um ateu sabe pedir e querer. E só um ateu pode ser assim castigado pelos poderes divinos. Indy sobrevive, porque se converteu (veja-se como ele teve a capacidade miraculosa de recuperar a mente ensandecida e destruída de Ox, pela mera invocação do seu nome, Henry Jones, Jr, como um mantra); Irina viu e quer saber mais. Viu e quer questionar. E que belo o rosto dela, iluminado por uma chama interior, contemplando a morte que se aproxima, enquanto Indy e os outros correm para salvar a pele como os apóstolos no monte das Oliveiras.

Irina é não só ateia, mas uma deusa pagã, uma encarnação de Artagatis. Escrevendo em Sinema: Erotic Adventures in Film (Citadel Press, 2002), eis o que Douglas Brode tem a dizer sobre ela:

"As surviving statuary makes clear, Artagatis was encircled by a benign snake, symbol of the male phallus necessarily joining with the female principle if life on earth was to continue. Likewise, the Minoan deity Knossos (worshiped on Crete before being replaced, in the public imagination of that time, by Zeus) was bare-breasted, gripping a snake in either hand. This suggests a positive power in women owing to their sexual and nurturing abilities, as well as their desire to control men (literally grasping obvious representations of male organs) to achieve positive female purposes.
Drawing on this conception while reversing the original implications, the Eden story was consciously crafted to warn man against sensuous/curious woman".


Não é difícil encontrar as implicações: Indiana Jones tem pavor a cobras e serve-se do chicote (também ele uma cobra - ou um pénis flácido), ao passo que Irina se serve de um rapier, uma espada rija, erecta, claramente fálica. Irina Spalko está assim para Indiana Jones como Irene Adler (Irina não é quase Irene?; e Adler não é quase adder, uma outra serpente?) está para Sherlock Holmes. As pancadinhas que lhe desfere na face quando lhe quer arrancar informação, mostram bem como ela o tem na mão, através do figurado falo que é o rapier; no mesmo sentido, não deixa de ser significativo que quando Irina e Mutt (um Indy ainda jovem e viril) esgrimem sobre os veículos em movimento, arbustos entre os dois camiões massacrem incessantemente os genitais da personagem, tornando claro que Irina é uma personagem castradora de pai e filho (ao passo que quando ela se vê sozinha com Karen Allen no camião, o olhar de Spalko é o de uma deusa pagã que encontrou a Virgem Maria no seu altar: algo também irónico, pois Marion - a quem Mutt se refere como Mary/Maria tem um filho ao passo que Irina, fria, distante e superior, pode bem ainda ser virgem. Mas tão mais sexy, com o seu uniforme cingido ao corpo, enquanto a feminilidade de Allen desaparece sob camadas de roupa - depois de mãe, deixa de ter sex appeal, à boa maneira da direita americana).



Irina Spalko permite-nos assim interpretar o filme como admissão inconsciente do envelhecimento e perda de virilidade da personagem, que é também, infelizmente, da série. E, quiçá, o tipo de deusa pagã que atemoriza os family men como Spielberg e Lucas (lembram-se do que dizia Carrie Fischer, por ser obrigada a conter os seios com faixas de pano? No bouncing in space. No jiggling allowed in the Empire).

Só por isso, Irina Spalko está no meu panteão das deusas do cinema.

A BANG! estoura de novo


Como já antes tinha referido, a BANG!#4 já está nas bancas. Que é como quem diz, já pode ser descarregada gratuitamente, aqui ou na página da Saída de Emergência. Desta feita são 104 páginas, com ensaio e ficção, por autores tão variados como Luís Filipe Silva, João Barreiros, António de Macedo, Miguel Garcia, Edgar Allan Poe e muitos outros. Não há, portanto, o risco de esta centena de páginas saber a pouco pela ausência da primeira parte do meu seriado, Zeppelins Sobre Lisboa (não desesperem, o próximo número está agendado para daqui a pouco mais de um mês).

sábado, 24 de maio de 2008

Indiana Jones no mundo da imitação



Pois bem. Fui ver o último Indiana Jones. Com o coração aos saltos de antecipação, sem conseguir explicar muito bem porquê. Ou melhor, sabendo demasiado bem porquê. Todos temos um livro que gostávamos de ter escrito, um filme a que gostávamos de ter estado ligados. Comigo é o Indiana Jones. É a personagem que eu gostava de ter criado. A história que gostava de ter contado. Por isso, ao sentar-me naquela sala de cinema, sofrendo enquanto corriam os trailers de outros filmes menores, antecipando os primeiros acordes da celebérrima trilha criada por John Williams, tinha na cabeça aquela que era a maior dificuldade de Lucas, Spielberg e companhia: como ultrapassar o nível de uma trilogia de filmes que, para todos os efeitos, são quase perfeitos? Como ir de encontro às expectativas criadas durante dezanove anos, ultrapassando dezenas de filmes que nesse interim imitaram o modelo criado em 1981 por Raiders of the Lost Ark (um dos poucos títulos que me soam deliciosamente na sua versão portuguesa, Os Salteadores da Arca Perdida)?

O filme começa bem, com Elvis na banda sonora, o magnífico deserto do Nevada fotogrofado por Janusz Kaminski e um carro artilhado que nos referencia imediatamente o American Graffiti (1973) de Lucas. É apenas um apontamento, pois o olhar da câmara acompanha antes um convoy militar que se dirige a uma base do exército. Os soldados que seguem nos camiões e veículos militares são na verdade uma (inverosímil) força soviética que imediatamente elimina os sentinelas e ocupa as instalações. Indy é tirado da mala de um dos carros; primeiro o icónico chapéu, que rola pelo chão, depois o arqueólogo, inconfundível, filmado num vertiginoso plano picado. É a sua sombra que vemos mover-se sobre a lateral de um dos carros, apanhar o chapéu do chão, pô-lo na cabeça... soa o tema de Indiana Jones e sinto instalar-se em mim uma sensação de estranheza que não parece natural.

Recordo-me do que John Seabrook escreveu sobre George Lucas no The New Yorker de 06 de Janeiro de 1997, referindo-se ao Skywalker Ranch e a Star Wars: "He has made the future feel like the past, which is what George Lucas does best. (...) It makes you feel a longing for the unnameable thing that is always being lost (a feeling similar to the one you get from Lucas's second film, American Graffiti, which helped make nostalgia big business) (...)".

Indiana Jones in the Kingdom of the Crystal Skull, desde o momento em que Indy aparece como uma sombra perfeitamente reconhecível (the man in the hat is back!, titulava a Empire #227), é um exercício de nostalgia, um regresso àqueles filmes de aventuras que rasgaran espaço e mercado para os modernos blockbusters que atafulham os multiplexes; é uma declaração de amor a um herói que agrega em si as dezenas de heróis que o antecederam, de Doc Savage a James Bond, de Lash LaRue a Don Winslow; um regresso a uma juventude idealizada de matinés televisivas e cinematográficas e longas tardes de verão. E, no entanto, Indiana Jones, com a mesma indumentária dos filmes anteriores (ambientados entre os anos 1935 e 1938) parece de certa forma anacrónico entre o ambiente rockabilly dos anos 50.



Harrison Ford já não é jovem e, pese embora as fotos publicitárias, já não veste bem o personagem; apesar de terem decorrido os anos da guerra (1939-1945), e de ele ter preenchido o papel para que Lucas o imaginara inicialmente (uma espécie de James Bond do entre-guerras) - Indy trabalhou como espião para o OSS americano durante a segunda guerra -, e não obstante o clima tenso dos anos do maccartismo, Indiana Jones parece ter perdido o saudável cinismo que o marcava nos anos de juventude. Talvez seja um sinal dos tempos, que nos exigem clean-cut heroes, mas parece-me mais um sinal de cansaço do actor (numa cena particularmente dolorosa de assistir, Indy é hipnotizado por um crânio de cristal, obrigando Ford a uma prestação física nada dignificante; mas adiantámo-nos: nessa altura, já o filme desliza rapidamente pela ravina que leva ao desastre), agora muito menos físico e delegando grande parte da acção do terço final a "Mutt" Williams/Henry Jones the 3rd (Shia LeBeouf).

Mas talvez isso nada significasse se o filme se tivesse mantido fiel a si próprio, fiel à essência da própria série. É o próprio Lucas que nos diz, numa entrevista publicada na Empire por altura d0 25 aniversário de Raiders (Empire #208 de Outubro de 2006), que o primeiro segredo da saga de Indiana Jones é manter a acção credível: "A lot of people now just do contrived action sequences. Even though people think Indiana Jones is so outrageous, it is believable. That was the thing that we did that James Bond didn't do (...)". Que ironia que Indy IV surja quando a franchise Bond foi rejuvenescida e remasculada com uma soberba reinterpretação do mythos por Daniel Craig e Martin Campbell. No mesmo ano em que tanto Rocky como Rambo conseguiram, de forma bem sucedida, recuperar a essência do papel icónico que desempenharam nos anos 80, a mesma década que viu surgir todos os filmes de Indiana Jones.



O primeiro sinal de que isso não aconteceria com Indy é-nos dado pelos enormes numerais " 51 " que surgem nas portas do leviatânico armazém onde encerrou o primeiro filme da série (fica por responder qual a lógica que preside à localização do armazém numa zona de testes nucleares... mas essa não seria a única pergunta de difícil resposta); o segundo, quando nos dizem que Indy estudou um estranho cadáver (mummified remains) há dez anos atrás, ou seja, em 1947. Até o menos atento dos espectadores fez a soma e chegou ao valor Roswell, e toda a tensão do filme se reduz a saber se Lucas, Spielberg e companhia vão mesmo reduzir Indiana Jones a um sucedâneo de von Däniken. Aquilo que poderia ser uma sugestão com piada, uma sequência de acção semelhante à que abria os filmes anteriores e que essencialmente serviam para apresenar os vilões, mas que não desempenhavam grande papel na posterior narrativa (à semelhança das pre-credit sequences em qualquer dos filmes da saga Bond), serve aqui para arrastar Indiana Jones para uma história medíocre, incapaz de sustentar a flagrante irracionalidade do plot, onde os personagens são meros reflexos de si próprios. Como se todo o filme assentasse exclusivamente na familiaridade com as anteriores entregas, a trama segue - quase passo a passo - os elementos canónicos: uma sequência na universidade onde Indy dá aulas, um enigma em forma de linguagem arcaica, a solução encontrada num mapa de pedra no solo de uma cela, a viagem a um local exótico, etc, etc...

Mas onde antes tudo isto funcionava pelo mero exotismo - tão estilizado que chegava a parecer real - ao reduzir-se a elemento estilizado, sabe a mero cliché, cenário das sequências de acção que decorrem sem qualquer relevo narrativo e num escopo tão limitado (por duas vezes temos guerreiros camuflados nas paredes e nas árvores; e a tão antecipada cena com animais não passa de uma banal marabunta, ainda que visualmente fascinante) que mais uma vez faz lembrar o cansaço e a idade de Ford. Ou, tremo em dizê-lo, a idade de Indiana Jones. A verdade é que a série abriu as portas a um novo universo no cinema de aventuras, fixando o modelo que seria imitado vezes sem conta, numa luta pela superação dos anteriores efeitos especiais até estabelecer a acção-caricatura de filmes como Die Another Day (2005) Crank (2006) ou Shoot'em Up (2007).

Se Indy agarrado ao periscópio de um submarino, arrastado sob um camião, saltando de um avião a bordo de um barco insuflável, dependurado de uma ponte de corda ou escapando de um zeppelin a bordo de um biplano parecia exagerado pelos parâmetros de um realismo estrito, funcionava maravilhosamente enquanto darring-do na tradição dos seriados de aventuras onde a tensão assentava no cliffhanger semanal, de onde o herói invariavelmente escapava de forma surpreendente. Se para Indiana Jones in the Kingdom of the Crystal Skull Spielberg prometia um mínimo de CGI por forma a recuperar a textura dos anteriores filmes, o produto final desmente as intenções. Indiana Jones transformou-se numa das suas próprias imitações: algo que os espectadores compreendem quando Indy sobrevive a uma explosão nuclear no interior de um frigorífico que é projectado a centenas de metros a uma velocidade vertiginosa, antes de se esmagar no deserto.

E, tal como as outras imitações, Indy IV padece de uma flagrante falta de imaginação: desde logo a premissa dos alienígenas como antigos astronautas, talvez a mais infeliz ideia que Lucas, Spielberg e David Koepp (que já assinara o argumento dos medíocres Jurassic Park e War of the Worlds) se podiam ter lembrado para ressuscitar a franchise. Uma ressurreição que parece satisfazer-se com o apelo à ignorância das gerações mais jovens, as únicas que poderão ser surpreendidas pela total previsibilidade dos principais elementos do filme. Só, por exemplo, quem nunca tinha visto o magnífico final da primeira season de Crime Story (1985-1986) será incapaz de reconhecer imediatamente a cidadezinha habitada por manequins como um alvo de testes nucleares; todos os outros bocejamos enquanto esperamos pela explosão (um dos mais memoráveis planos do filme e um dos mais belos cogumelos nucleares jamais filmados).

Nem tudo é desesperante, porém: dando razão às intenções de Spielberg, as cenas que melhor funcionam no filme são aquelas que assentam em efeitos on-camera, por vezes bastante simples: a sinistra maquilhagem dos guerreiros que se acoitam na necrópole em Nazca; os nativos que se descolam subitamente das ruínas de Akator; a deliciosa perseguição automóvel pela selva amazónica, a razar desfiladeiros, enquanto Cate Blanchett e Shia LeBeouf esgrimem com rapiers sobre os capots dos veículos... Cenas capazes de fazerem esquecer o absurdo das premissas, o plástico das performances, o oco das personagens, o ridículo de algumas cenas (Say rope, pede Indy, para conseguir agarrar-se a uma cobra para ser arrastado de um poço de areias movediças). Até Marion (Karen Allen), recuperada do primeiro filme, perdeu o carisma que tornou a sua personagem inesquecível, transformada agora numa espécie de Elise Keaton, uma caricatura da família nuclear que sempre foi o cerne das preocupações da obra de Spielberg. E que dizer de John Hurt, assoberbado pela mais cretina fala de que há memória em tempos recentes?

Indy: Where have they gone? Back to space?
Ox (John Hurt): Back to the space between the spaces...




De salvaguardar a magnífica prestação de Cate Blanchett, ao mesmo tempo sensual e fria, que compõe a sua Irina Spalko with tongue very firmly in cheek, parecendo ter percebido melhor do que Lucas e Spielberg aquilo de que realmente trata Indiana Jones. Só é pena que o argumento não lhe dê mais protagonismo.

Após dezanove anos de espera, é impossível não sentir que Indiana Jones in the Kingdom of the Crystal Skull fica aquém das expectativas; um exercício de nostalgia que falha em todas as frentes; um título que ficará na prateleira um bocado à margem, um pouco como Never say never again (1983), The Scorpion King (2002) ou Alien vs Predator (2005), filmes que destoam dos seus compadres, que revisitaremos de quando em quando, mas que preferiríamos não tivessem sido feitos.

Ford e Lucas parecem entusiasmados com a ideia de filmar mais episódios da saga (o período da Segunda Guerra, onde Indy foi espião, parece pedir alguma exploração); se isso é boa ideia, só o tempo o dirá.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

É hoje!



Pois é. Salvo um qualquer motivo de força maior (terramoto, paralisia súbita, escassez de bilhetes), daqui a menos de cinco horas as minhas retinas estarão a ser bombardeadas pelas imagens cinematográficas mais esperadas dos últimos dezanove anos.

Foi a 19 de Outubro de 1989 que me sentei no Passos Manuel, no Porto, para ver Indiana Jones and the Last Crusade. É daquelas datas que nos ficam na cabeça. Faz parte daquele enxame de dados triviais que perenemente orbita o interior da mente dos que temos prioridades contrárias ao comum dos mortais.

Lembro-me de ver Raiders of the Lost Ark, duas vezes por dia, durante os quinze dias das férias de Natal desse mesmo ano.

Hoje, estreia finalmente a terceira sequela do filme que melhor soube recriar o espírito dos velhos serials dos anos 1930 a 1950, que alguns de nós tiveram a felicidade de ver na RTP nos idos das décadas de 70 e 80. Os fãs da velha guarda, aguardamos o filme com mixed feelings: a satisfação de podermos ver mais um filme de Indiana Jones e o temor de vermos a franchise seguir o mesmo rumo pretensioso e vácuo de Star Wars.

Há elementos promissores: a época (anos 50) é tão interessante como os anos de entre-guerras dos anteriores filmes; o crânio de cristal, que nos fascinou por intermédio de Arthur Clarke; e o delicioso visual de Cate Blanchett, com aquele ar retro-pulp pseudo-militar que faz as minhas delícias.




É, assim, de dedos cruzados, que vou entrar mais logo no cinema.

Depois de dois meses sem actualizar o Blade Runner, os quais foram preenchidos com a não conclusão de três traduções simultâneas, e com a inconclusão de Zeppelins Sobre Lisboa e A Alma do Louva-a-Deus (não desesperem, estão quase), para além de ter que fazer diariamente pela vida, contava escrever algo mais aprofundado sobre Indy, mas isso significaria atrasar ainda mais os trabalhos pendentes. Aqueles que quiserem algo de mais substancial, podem deliciar-se com o Indiana Jones Blog-a-thon promovido pelo blogue Cerebral Mastication. Quanto a mim, prometo nos próximos dias actualizar o blogue com alguns textos sobre este tema.

2008 promete ser o ano do renascer do Pulp, e o próximo número da revista BANG! (#5, Julho 2008), cujo número mais recente chegou ontem às bancas e que pode ser descarregada gratuitamente aqui, vai inaugurar esse novo ciclo do fantástico nacional. Assim, e à medida que os vários compromissos que me têm mantido de dedos colados ao teclado se forem cumprindo, contem com vários textos deste vosso servidor referentes a esse fenómeno. Revisitaremos alguns dos velhos seriados cinematográficos e televisivos, vamos analisar algumas das mais recentes antologias de retro-pulp e neo-pulp e explorar alguns dos filmes que surgiram no rasto da original trilogia de Indiana Jones.

Portanto, mantenham-se atentos e, sobretudo... pacientes.