sábado, 27 de junho de 2015

Contra a Novilíngua


Confesso algumas reservas quanto ao proposto Referendo ao "Acordo" Ortográfico de 1990 e respectivos Protocolos Modificativos. Reservas que não se prendem tanto com o aspecto jurídico da questão, mas com o fundo da mesma. Que o dito "acordo" ortográfico - que cada vez mais se assemelha a uma afirmação onanista e individual de um Estado isolado - é uma imbecilidade indefensável, inútil, custosa e ruinosa para a língua, parece-me ser uma evidência reforçada diariamente; e se o leitor já teve a oportunidade de ouvir as arengas do pai da coisa, Malaca Casteleiro, em defesa do nado-morto, já se apercebeu da vacuidade e circularidade dos argumentos aduzidos e de que tudo se reduz a um problema de ego superavitário, evidenciador de um défice de inteligência que as modestas capacidades intelectuais do sujeito não conseguem suprir.
 
Mas, tal como a História nos tem demonstrado e, infelizmente, a actualidade nos confirma diariamente, a estupidez do animal humano não conhece limites. E se a aprovação do dito "acordo" se me afigura realmente um dos grandes exponentes lusos de insuperável estupidez, não creio que seja através de referendos que ele possa ser combatido. Tal como não respeito a decisão da sua aprovação, continuando a escrever sem observância das novas regras ortográficas, não respeitarei uma decisão dimanada de um referendo que opte por manter o atentado linguístico em vigor. É, pura e simplesmente, uma decisão - num ou outro sentido - que não é, nem podemos tolerar que seja, política.

A melhor forma de combater o "Acordo" Ortográfico de 1990 é aquela que tem sido adoptada pelos melhores escritores, ficcionistas e ensaístas Portugueses, e para a qual, ressalvadas as devidas proporções e dimensões, procuro dar o meu contributo: continuar a produzir obras relevantes em língua verdadeiramente Portuguesa, e pugnando - nos casos em que o relevo o justifique - por edições ne varietur, que impeçam a adaptação dos textos à novilíngua, mesmo em manuais escolares.

Porque, caso contrário, com a novilíngua a ser já ensinada nas escolas, e com o carneirismo daqueles que sem pensar ou ripostar o aplicam cegamente, pois para eles a língua não é instrumento, mas mera ferramenta, o próprio tempo, como é da sua natureza, se encarregará de assegurar o seu predomínio.

Não obstante, e com ressalva de tudo quanto atrás disse, o referendo agora proposto, num espírito de mero pragmatismo, pode ser útil, em caso de vitória por parte daqueles que pretendem ver revogado o malfadado engendro, porque vinculativo para os órgãos de soberania que, nesse caso, ficarão obrigados a promover a desvinculação de Portugal do AO90. É, por isso, um esforço que vale a pena intentar. A minha parte está feita: já assinei, e estou (com a colaboração de colegas do escritório) a recolher mais assinaturas. Aqui fica, à consideração, a proposta dos organizadores:

«A situação actual, de anarquia gráfica, é insustentável e lesa inapelavelmente a Língua Portuguesa, o nosso Património Cultural imaterial, bem como a estabilidade ortográfica. A riqueza de uma Língua está na sua diversidade. O AO90 não corresponde a uma “evolução natural” da língua, mas a uma alteração forçada, em sentido negativo e empobrecedor. Há muito que a maioria dos Portugueses vê como indispensável um Referendo Nacional, de modo a dar a voz ao Povo nesta matéria. Ora, a Constituição da República Portuguesa (CRP) permite justamente a submissão a Referendo das questões de relevante interesse nacional que sejam objecto de Tratado internacional (artigo 115.º, n.º 3, da CRP); o que é o caso do Tratado do AO90 e das alterações que sofreu (através dos seus Protocolos Modificativos). A Iniciativa poderá provir dos cidadãos (artigo 115.º, n.º 2, da Constituição), como é o caso da presente. Antes da realização de eleições (ou, se for o caso, após estas), os agentes políticos deverão dizer qual o seu sentido de voto, na Assembleia da República, em relação à presente Iniciativa de Referendo: se votarão a favor; ou se, no mínimo, viabilizarão esta Iniciativa, através da abstenção na AR. Convocado o Referendo Nacional, faremos campanha. Os resultados reflectirão o modo como todos os utentes da Língua pensam acerca da ortografia que melhor corresponde a um uso sustentado da mesma, no quadro das línguas europeias da mesma família. Apelamos a cada Português para que assine esta Iniciativa de Referendo; e, na medida do possível, pedimos que angarie assinaturas (dentro do seu meio, da sua família, do seu círculo social; ou até, mais latamente, de forma pública).»