quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Isto começa mal...


António de Macedo (n.1931) é um dos mais multifacetados autores do Fantástico nacional, desdobrando a sua intervenção pela literatura, pelo cinema e pelo apoio, nunca regateado, aos mais jovens. Apesar de ter o currículo e a experiência mais do que suficientes para desistir de tudo isto, do género, do desinteresse da crítica, da debilidade do mercado, persevera - com invejável ânimo e alegria - na escrita dos seus contos e romances.

Para mim, e quanto mais não fosse pela grande generosidade e experiência que lhe reconheço, o lançamento do seu mais recente livro A Conspiração dos Abandonados - Contos Neogóticos (Zéfiro, 2007) é um dos pontos altos do Fórum Fantástico. Infelizmente, uma inesperada queda privou-nos da presença (e, consequentemente, da companhia) do António, que não poderá estar presente na apresentação da sua obra, onde será condignamente representado pela Professora Maria do Rosário Monteiro. Apesar disso, o Fórum deste ano acaba de ficar muito mais pobre.

Daqui vai o meu grande abraço para o António, com os desejos de uma pronta recuperação.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

A muralha da indiferença é a muralha mais alta


Há determinados livros que nos fazem repensar todo um género. Que nos obrigam a rever mesmo os nossos hábitos de leitura, o nosso conceito de narrativa e a nossa relação com o texto impresso. São livros que surgem raramente e espaçados no tempo.

Hoje chega às livrarias um desses livros: A Muralha de Gelo (Saída de Emergência), é a segunda parte de A Guerra dos Tronos, ambos formando o primeiro volume da saga As Crónicas de Gelo e Fogo de George R.R. Martin. Mas dizer isto é ficar aquém da realidade, pois as separações são totalmente arbitrárias numa série de volumes que contam uma só história, espartilhada somente por exigências editoriais, quer na edição original, quer nas várias traduções que se vão distribuindo um pouco por todo o mundo.

Digamos então que As Crónicas de Gelo e Fogo são aquilo que todos os épicos de fantasia gostavam de ser: complexas, violentas, intrincadas, com magnífico desenvolvimento de personagens e, acima de tudo, dotadas de uma perfeita coerência interna a nível da essencial irrealidade das suas premissas.

O mérito da obra não é de difícil reconhecimento: abençoados (ou amaldiçoados) com o intervalo de tempo que mediou entre a sua publicação original e a tradução que agora nos chega às mãos, não somos obrigados a um esforço crítico. A obra é já reconhecida como um marco da literatura fantástica – a par de outros como O Senhor dos Anéis, Gormenghast ou Glorianna – cujo lugar definitivo na Grande Biblioteca da Imaginação se mostra apenas dependente da efectiva conclusão da epopeia, e dos precisos termos dessa conclusão.

Por isso o livro desafia os nossos hábitos de leitura, o nosso conceito de narrativa, a expectativa com que sempre enfrentamos um livro novo: a de encontrar um final. As Crónicas de Gelo e Fogo ainda não têm um final; mas deliciem-se os leitores com os vários finais e recomeços que vão marcando o fluxo da acção. Martin é um artesão da escrita, e a ríspida simplicidade da linguagem, em toda a sua aparente simplicidade, é o maior logro dos grandes artesãos.

Quando, na revista OS MEUS LIVROS de Novembro de 2005 – há exactamente 2 anos – me pediram uma lista de obras de Fantasia de referência, considerei uma vergonha que ainda não tivesse sido traduzido entre nós George R.R. Martin: agora que o foi, é uma vergonha se lhe respondermos com indiferença.

Por isso, aproveitem esta semana tão propícia ao Fantástico e a bem conseguida tradução de Jorge Candeias (anos luz à frente da tradução da edição pirata que ainda se pode encontrar no refugo de algumas feiras do livro), para mergulharem no mundo cruel, sombrio e violento de Martin; e acabarão por descobrir quão soberbo e resplandecente pode ser.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Leitura Aleatória: ARMADA (Michael Jahn, 1981)


Por vezes é curioso ver o que a prateleira nos entrega quando lhe pedimos uma sugestão. De olhos fechados, das fileiras de trás onde as sombras eclipsam as lombadas em sucessão misteriosa, retiramos um volume à sorte, ao calhas, entregando às parcas o destino de umas poucas horas de leitura.

Desta vez calhou-me Armada, uma space opera de Michael Jahn (n.1943), cujo percurso pela ficção científica se cingiu a um par de títulos há muito esquecidos (The Olympian Strain de 1980 é o outro) e um punhado de tie-ins. Mal se abre o livro, já se adivinha o que nos espera:

"The rock was the size of a small car. (...) (It) caught the sunlight and reflected it in a strong metallic glint which inflamed Broadsword's spirit of adventure. «Hold on», e said, reaching for the throttles.
Margot covered his hand and the throttle levers with hers.
«You'll make us late», she said.
«So what?»
«H5 needs the cargo.»
«What? More crystals for more transistors so everyone can have two wrist radios?»"

Armada posiciona-se face ao passado; as suas referências são as heróicas space operas pré-Campbelianas, onde intrépidos aventureiros de queixo firme exibem o seu desprezo pela autoridade aos comandos das suas estrondosas naves espaciais. O espírito da fronteira, do pistoleiro sem lei mas com um forte sentido moral, essa tradição americana que o Western legou à Ficção Científica e ao Policial como seus dignos descendentes, forma a coluna vertebral deste tipo de aventura.

Neste caso os aventureiros são Nathaniel Broadsword, Margot Chambers e Curtiss Baxter, modernizados pelos sinais dos tempos (Margot não só é uma piloto exímia, como tem uma vida sexual activa), mas ainda assim livres empreendedores que se verão no centro, não só do primeiro contacto com uma civilização alienígena, mas da primeira invasão da Terra por uma espécie intergaláctica.

Situando a acção num 1995 que já lá vai, Jahn não consegue libertar-se do kulturgeist em que escreve: 1981 estremece ainda sob o ímpeto de Star Wars (1977) e seus derivados. Battlestar Galactica (1978), The Black Hole (1979), Buck Rogers in the 25th Century (1979-1981) Flash Gordon (1980), The Empire Strikes Back (1980) ou Battle Beyond the Stars (1980) eram os filmes e séries de televisão que preenchiam o imaginário tecnofantástico e impunham a sua reprodução memética. Fiel a esses modelos, Jahn apresenta-nos um espaço próximo já colonizado pela Terra e pela sua modesta frota de dez vaivéns espaciais, que se vão bater contra uma sinistra e antropófaga espécie alienígena que vagueia pelo universo procurando o alimento mais nutritivo.

Os leitores habituais do género reconhecerão muitos dos seus temas e tratamentos, não deixarão de protestar pelos muitos clichés e infantilidades, pela narrativa atamancada, pela fácil antecipação do desfecho mas, acredito, não deixarão também de apreciar alguns dos resmungos mais inesperados: A designação "Armada", surge quando a gigantesca e impenetrável nave alienígena regurgita os primeiros caças em forma de boomerang. «Jesus Christ, it’s a fucking armada!», expletiva que merece a observação «Beats the hell out of “a big step for mankind”».

Por outro lado, à medida que a refrega se torna cada vez mais desesperada (e o livrinho, pese a leveza, tem os seus momentos sangrentos), os heróicos terrestres não deixam de perorar a iniciativa S.E.T.I. que, anunciando ruidosamente a nossa presença e localização, se revela pouco adequada a um universo de presas e predadores, ideia que não é de todo desprovida de alguma originalidade. De lamentar apenas que não fosse explorada numa obra melhor.

O volume não termina sem que os protagonistas sofram as suas perdas – coisa em que Jahn se mostra implacável – mas é no optimismo final da obra que se revê o wishfull thinking que apenas então, antes do Challenger, antes do Columbia, antes de Bush, era possível: os alienígenas foram aniquilados e, com o habitat orbital destruído, as bases lunares em ruínas, a NASA não começa a fechar-se numa concha autista; acelera o programa espacial, antecipa a colonização de Marte, mostra às estrelas que o Universo pertence a quem o reclamar.

Em 1981, ainda tinhamos o futuro ao alcance das mãos...