terça-feira, 19 de março de 2013

DEATH RACE 3: INFERNO (Roel Reiné, 2012)


Uma das principais causas do declínio da qualidade narrativa e da estética visual no cinema fantástico tem sido a detrimental influência visual dos reality shows e dos videojogos; CGI, movimentos tremidos de câmara, rap ou hip-hop aos berros, impossíveis POV subjectivos e colorações esverdeadas parecem ter vindo para ficar: nem é preciso dizer SUCKER PUNCH (2011) ou Uwe Böll para justificar este argumento. Curiosamente, ambos os factores funcionam maravilhosamente ao serviço deste DEATH RACE 3: INFERNO, tal como tinham favorecido já as duas anteriores entregas. Paul W. Anderson – que não é propriamente alheio à adaptação de videojogos (RESIDENT EVIL e suas sequelas, que escreveu e/ou realizou) – realizador por cujo trabalho até há pouco tempo pouca simpatia tinha, soube evitar a armadilha de refazer o clássico de culto de Paul Bartel, DEATH RACE (1975) e, com o beneplácito de Corman, surpreendeu com um filme entusiástico, competente, e com o seu q.b. de comentário social como forma de justificar a extravagante violência automobilística.


Quando DEATH RACE estreou em 2008, com o cenário de uma economia americana colapsada, não deve ter deixado de provocar um arrepio nos espectadores que começavam ainda a descobrir o longo dominó financeiro despoletado pela falência do Lehman Brothers, conferindo particular relevância à sua trama de exploração de uma corrida mortal como forma de financiar os crescentes custos do sistema prisional privatizado. Juntamente com o subapreciado REPO MEN (2009) de Miguel Sapotchnick, foi um dos primeiros filmes a representar cenários de horror económico após o soluço financeiro de 2008, o que terá conferido algum grau de plausibilidade às excêntricas premissas de um e outro.


A história dos vários DEATH RACE, como a narração desta última entrega não deixa de nos recordar, começa e acaba com Frankenstein, a estrela mascarada das corridas letais que, a par do inovador DR. WHO (1963-actualidade), oferece uma razão lógica e plausível para a passagem de testemunho de Jason Statham no primeiro filme, para o surpreendentemente agradável Luke Goss (da famigerada boys band original, Bros) nas duas sequelas. Tendo começado com a típica história de um encarceramento imerecido, perpetuado por uma incriminação que assegurasse a sua participação nas corridas substituindo o original Frankenstein (David Carradine) falecido num aparatoso acidente, o piloto mascarado (como um Jason Vorhees tecnofantástico) oferece um excelente ícone anónimo para identificação e gáudio das massas que acompanham as corridas no circuito prisional de Terminal Island.




Depois de DEATH RACE ter estabelecido a premissa da corrida mortal, as regras e a recompensa (ao fim de cinco vitórias, a liberdade), e DEATH RACE 2 (2010) ter jogado de forma interessante com a questão da identidade do homem sob a máscara, pouco mais resta a esta mais recente entrega do que aumentar o grau de espectacularidade da acção e fazer variar o cenário, tarefa que Anderson (argumentista) e Roel Reiné (realizador) fazem sem hesitar. Uma OPA agressiva por parte do multimilionário Frost (Dougray Scott, preenchendo o habitual papel do vilão britânico que tem dominado o cinema americano) sobre a empresa de Weyland (Vingh Rhames) que explora as corridas, serve como justificação para o cenário da corrida no deserto do Kalahari, o que permite fazer o upgrade dos carros musculados e blindados das primeiras entregas para verdadeiros colossos todo-terreno que parecem saídos das oficinas de MAD MAX (1979-1985). Tudo o mais, todas as pequenas intrigas secundárias, são apenas rodas dentadas da engrenagem no coração do filme: as próprias corridas, filmadas com a precisão de um velho espectáculo de Hal Needham, e a anos-luz das abstracções CGI da série THE FAST AND THE FURIOUS (2001-2010).




Não obstante a centralidade dos três grandes segmentos da corrida, Anderson e Reiné empilham outros motivos de interesse puramente pulp, desde o pormenor dos guardas que patrulham o perímetro prisional com corpulentas hienas, passando por duas cenas de pancadaria com artes marciais, até à inesperada prova de selecção das sensuais navegadoras que, tivesse sido filmada nos tempos áureos da AIP ou da New World Pictures de Corman, não deixaria de incluir tops arrancados e corpo-a-corpo na lama (confirmando o filme como um clássico de culto instantâneo), antes de culminar na violenta apoteose com machados, lança-chamas e cabeças decepadas com que somos bafejados.


O elenco de actores, que inclui os favoritos de culto Danny Trejo (FROM DUSK TILL DAWN) e Ving Rhames (PULP FICTION) parte do qual transita dos filmes anteriores, entrega-se com gosto a este misto de filme de acção, exploitation e tímido comentário social, apesar de alguns apartes dos falsos anúncios televisivos, seguindo na linha de outros semelhantes da obra de Paul Verhoeven (v.g. ROBOCOP, STARSHIP TROOPERS), se apresentarem como apontamentos semi-satíricos que elucidam alguns pormenores da constituição do tecido sociológico do futuro próximo imaginado pelo filme; o meu favorito: “o acesso ilegal ao live feed será punido com pena de morte, ou prisão perpétua para os menores de quinze anos”.


Luke Goss possui inegável carisma no papel do mítico Frankenstein e a belíssima Tanit Phoenix incendeia o ecrã à cabeça de um deslumbrante elenco feminino que pouco mais faz do que cumprir a função de regalo para os olhos e, para além do generoso decote que ostenta em todo o filme, presenteia o espectador com a mais inesperada, absurda e gratuita shower scene de que há memória, de tal forma que nos sugere a sua inclusão como um momento auto referencial face às convenções genéricas. Não que isso constitua razão de queixa, seja como for…




Contas feitas, e parafraseando umas das mais memoráveis falas de Quentin Tarantino, DEATH RACE: INFERNO, é uma pop bubblegum extravaganza, que preenche exemplarmente a sua intenção de servir um espectáculo puramente sensorial. O final, que imagino não encontre uma recepção unânime por parte da audiência, apenas faria sentido até finais dos anos setenta e nos série-B mais fracos, num universo alheio às regras da genética e onde os registos dentários não existissem. Atenta a gratuitidade com que a vida humana é encarada ao longo de toda a série, poder-se-ia arguir que a identificação dos cadáveres seria uma formalidade desnecessária, mas se tivermos em conta os milhões de dólares em jogo na trama, não se nos afigura muito credível – é apenas preguiça de Anderson no argumento, ou o simples gosto de escrever uma conclusão antiquada, mais adequada à era que inspirou e viu surgir o primeiro DEATH RACE (1975), do que a um imaginário amplamente informado por séries como CSI ou THE CLOSER. Seja como for, é um final relativamente insatisfatório mas que deixa em aberto múltiplos rumos futuros para a franchise e, pelo menos desta vez, fico ansioso pela próxima sequela.

Sem comentários: