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COWBOYS & ALIENS (Jon Favreau, 2011)
O Western, enquanto género ou conjunto de convenções
iconográficas e narrativas, situa-se na génese dos principais veios da cultura
popular, quer na literatura, quer no cinema, desde o Policial e o Road Movie (por motivos óbvios), até, de
forma mais subtil, à aparentemente irrelacionável Ficção Científica: e no
entanto, são múltiplos os pontos de contacto entre um e outra, desde o ímpeto
de expansão para novas fronteiras – uma actualização da doutrina do manifest destiny americano, tão bem
corporizado na série Star Trek (1966-1969) – até à anomia
de sociedades pós-apocalípticas como aquelas que encontramos representadas em MAD MAX (1979-1985) e seus infindáveis
derivados assinados por Enzo G. Castelari (a trilogia do Bronx), Robert Hayes (SHE-WOLVES OF THE WASTELAND) ou Donald
Jackson (HELL COMES TO FROGTOWN),
para citar apenas uma ínfima parte, que são autênticos westerns em tudo menos
no nível (pós)tecnológico.
Provavelmente, foi este grau de proximidade genética,
aliado a um grau de proximidade do registo histórico, que ditou que fossem
escassas as obras de Ficção Científica que abordassem cenários tecnológicos no
velho oeste. Ou isso, ou o facto de o filão ter sido quase exaurido na série de
televisão The Wild Wild West (1965-1969), que na sua segunda série
(1967-1968), conta inclusivamente com um episódio (“The Night of the Flying Pie Plate”, ep.06), que nos apresenta a
chegada de um disco voador tripulado por homenzinhos verdes (neste caso, mulheres verdes), mas que na realidade
não passa de um esquema do Dr. Loveless para roubar um carregamento federal de
ouro! Parece-lhe familiar? Então é porque já viu COWBOYS & ALIENS, que se limita a literalizar a presença de
seres alienígenas para contar a mesma história.
Serve este breve introito para expressar a minha total
incompreensão pelas sucessivas declarações de Steven Spielberg (produtor
executivo), Roberto Orci e Alex Kurtzman (co-argumentistas) e Scott Mitchell
Rosenberg (autor da novela gráfica original, que não li, nem tenciono ler),
espalhadas um pouco por todas as publicações especializadas e em entrevistas no
DVD (Paramount, R2), que parecem apontar para a descoberta de um conceito tão
revolucionariamente novo que faria Dan O’Bannon corar de vergonha por nunca ter
pensado nele. Porém, esse é um dos principais problemas com o filme em apreço
(e, presumo, da novela gráfica a que vai buscar o título): é uma ideia que
pouco adianta para além do conceito, bem patente no título do filme. COWBOYS & ALIENS (que na realidade
poderia chamar-se ÍNDIOS & COWBOYS & ALIENS, tornando ainda mais claro
o carácter de fantasia infantil que, curiosamente, Olivia Wilde parece intuir
na sua entrevista na featurette “Getting the Story”, incluída no DVD),
apontam claramente para um ponto de partida que precisaria de muito mais do que
apenas cowboys e aliens para funcionar como um todo integrado.
E não são poucos os problemas que se colocam a uma tal
premissa: a proximidade do registo histórico, completamente estéril no que toca
a lendas que se prendam com o avistamento de OVNI ou contacto com criaturas
alienígenas (não obstante a vaga de avistamento de imaginados dirigíveis e
charutos voadores que, na sequência da visita do balonista francês Charles
Durant e outros aeronautas que, na década de 1830, prendiam a imaginação
popular, surgiam de quando em quando nos jornais da época) aumenta o grau de
dissonância entre tais conceitos e a dificuldade de os integrar de forma coesa
e coerente; o que é dificultado pela tarefa de criar uma narrativa que
justificasse o porquê de nunca se terem encontrado rastos ou restos dessa
intervenção de uma tecnologia extra-terrestre superior, que não passe pelas
frágeis construções de teorias conspirativas derivadas de Roswell (e que já
fragilizara o INDIANA JONES AND THE
KINGDOM OF THE CRYSTAL SKULL de Spielberg).
O resultado é sintetizável em poucas linhas, o que não
deve ser utilizado contra si, já que estamos no reino do primado da ideia: uma
espécie alienígena visita a Terra em busca de ouro, e procede à abdução de
dúzias de americanos, entre os quais um assaltante reformado (Daniel Craig), e
o filho de um poderoso rancheiro na linha de Chisum (Harrison Ford), a quem o
primeiro roubara uma fortuna em ouro, fazendo com que ambos, depois de Craig
ter conseguido escapar, amnésico, se aliem no comando de uma posse em busca dos seus entes queridos.
Pelo caminho recrutam a ajuda do antigo bando de Craig, de uma tribo de índios
igualmente vítima da rapina alienígena, e de uma atractiva alienígena de uma
espécie rival que não só é capaz de ressuscitar, como no final, à laia de
Cristo, sacrifica-se para salvar a espécie humana.
Se a trama em si é linear e não onera grandemente a
inteligência do espectador, que pode dispensar as principais funções cognitivas
para a acompanhar, o problema não é minimamente minorado pela intervenção de Orci
e Kurtzman no argumento, reforçados com os poderes de co-produção; Orci e
Kurtzman, para mim, são o equivalente moderno do Joe Ezterhas dos anos 80 e 90,
deixando no seu caminho um rasto de filmes medíocres – THE ISLAND (2005), TRANSFORMERS
(2007-2011) e STAR TREK (2009), para
citar os principais – que escondem a inépcia da escrita através de uma
ininterrupta tempestade sonora e de efeitos especiais que anestesiam a mente e
adormecem o intelecto numa emulsão exclusivamente sensorial. Mas num filme em
que, pela sua própria natureza, os efeitos especiais devem ficar contidos à
intervenção extraterrestre, respeitando o ambiente convencional do cinema do
oeste, a fragilidade do argumento fica a nu. E é impossível esconder o quão o
filme depende de vários deus ex machina
para evitar ficar atolado em situações absurdas e perfeitamente dispensáveis.
Seja a primeira intervenção alienígena que permite ao filme sair-se do impasse
em que se colocara com Craig e Paul Dano acorrentados à mercê de Ford, passando
pela ressurreição de Ella (Wilde) quando parecia impossível evitar que os
índios massacrassem a posse de Ford e
Craig, até ao cliché do letrado pacifista que não consegue acertar um único
tiro numa garrafa de vidro ao longo de todo o filme mas que em pleno ardor da
batalha desfecha um tiro certeiro na cabeça de um monstro alienígena, evitando
um triste fim para uma das personagens principais (Ford).
Por vezes, é possível evitar que os espectadores reparem
nestas facilidades de escrita absorvendo-os com personagens interessantes e bem
construídas; mas as personagens que habitam este Oeste selvagem composto de
lugares comuns são também elas meras figuras de papelão, elementos que devem
chegar o mais rapidamente possível à próxima cena de acção para permitirem que
aquilo que verdadeiramente interessa – os efeitos especiais da “Industrial
Light & Magic” – possa assumir o seu carácter de centralidade. Para os que
ansiavam pela alta intensidade de ver o novo James Bond contracenar com o
imortal Indiana Jones, o filme não pode ter-se revelado senão uma tremenda
desilusão. Não existe uma única cena que consiga gerar a mesma intensidade que
marcava a mera conversa num café entre Al Pacino e Robert de Niro em HEAT (1995), num outro ansiado
confronto de gigantes.
E se Harrison Ford ainda consegue fazer aflorar
momentaneamente uma personalidade forte quando conta ao miúdo que os acompanha
como cortou a garganta do próprio pai que agonizava às portas da morte, com a
mesma faca que acabara de oferecer à criança que se fascinara com ela (“Be a man”, diz-lhe ele), Craig não
dispõe de qualquer oportunidade para transcender a mera prestação física da sua
interpretação (embora me tenha deliciado com a cena em que pede a Dano (no
papel de Percy Dollarhyde) que lhe dê a mão, dizendo-lhe que sabe como
libertá-lo das correntes, o que faz partindo-lhe os ossos da mão).
Amnésica, a sua personagem busca claramente explorar a
memória que todos temos do magnífico Pistoleiro Sem Nome popularizado por Clint
Eastwood na trilogia de filmes de Sergio Leone (1964-1967). Um homem sem nome e
sem memória é um homem sem passado, porém, qualquer passado que pudesse adensar
o mistério é desde logo dissipado por recorrentes flashbacks que nos revelam que Craig era apenas um bandido que
enganou os companheiros por causa de uma mulher. Mais tarde, quando conhecemos o
bando que costumava liderar, não encontrámos um único elemento inteligente ou
que vá além da mera caricatura oriunda da central de casting. Nem enquanto líder bandoleiro Craig possuía qualquer
grandeza. Lembram-se quando em A FISTFUL
OF DOLLARS (1964) depois de a personagem de Eastwood (Joe na versão
italiana) ter sido estabelecida como um tipo implacável e movido unicamente
pelo seu próprio interesse, parece inverter essa imagem ao arriscar-se para
salvar Marisol, que os Rojos mantêm cativa? Quando ela lhe pergunta porque o
fez, ele responde sem grandes detalhes: “Once
I knew someone like you, and there was no one to help”. Dessa simples
situação resulta mais personalidade e densidade de carácter do que em toda a
prestação de Craig.
No mais, com a necessidade de obrigar à identificação dos
espectadores com as personagens principais, e tendo os alienígenas como
principais adversários, nenhuma das personagens pode ter qualquer defeito ou
marca de vilania; o próprio Coronel Dollarhyde (Ford), que desde logo nos é
apresentado como um déspota cruel, violento e injusto, revela-se tudo menos
isso, e não o vemos cometer um único acto repreensível ao longo de toda a
metragem. Pelo contrário, ele é o prototípico personagem Spielberguiano, um pai
que procura o filho, tendo uma outra figura filial como ponto de comparação. Em
nenhum momento qualquer personagem humana ameaça sequer com a possibilidade de
fraquejar ou de trair o grupo. E quem gostava de ver uma possível relação
Donifon (John Wayne) / Liberty Valance (Lee Marvin) desenrolar-se contra o pano
de fundo de uma invasão alienígena, fará melhor em revisitar o THE THING (1981) de Carpenter, onde a
paranoia e a desconfiança são os elementos predominantes entre as personagens.
Num cenário de tal mendicidade imaginativa, ao invés de
concentrado na diegese o espectador está a formular uma pergunta após a outra:
Para que querem os alienígenas o ouro, se no interior da sua nave (uma
construção claramente inspirada nas pranchas do seminal ARZAK de Moëbius,
adapatado para série de animação – ARZAK
RHAPSODY (2003) – pelo próprio Jean Giraud), não vemos uma única peça
dourada e os aliens não usam sequer vestuário quanto mais adereços? A única
resposta (para disfarçar a falta de uma credível) é a que nos é dada por Ella –
“O ouro é tão escasso para eles como o é
para vós.” – o que faz pressupor uma economia de mercado baseada no
padrão-ouro, como a nossa; pelo menos no referido episódio de The
Wild Wild West, os falsos venusianos precisavam do ouro como combustível
para a sua nave. Como é possível que a arma alienígena que Craig consegue (meio
acidentalmente) arrebatar ao cientista alienígena (que significativo é que o
único cientista do filme seja alienígena e uma espécie de Dr. Mengele) que o
estava a operar funcione através das suas ondas mentais? De onde veio Ella,
como chegou cá, porque não traz consigo uma única arma? E, mais
significativamente, talvez, porque escolher adoptar a forma de uma mulher
(armada com um revólver) numa época dominada pelo estereótipo do pistoleiro?
Terá avaliado mal a cultura do planeta onde veio parar? Para os que pensem que
é uma pergunta misógina, perguntem-se que forma escolheria uma galinha se
pudesse metamorfosear-se para escapar à panela. Certamente que não a de uma
sexy pistoleira, sobretudo se os cozinheiros também estivessem armados e não se
importassem de fazer o gosto ao dedo. E porque acha ela que se destruírem todos
os elementos da guarda avançada alienígena, os demais não investigarão o que se
passou?
Perguntas que ficam sem responder e que chamam a atenção
para as demais contradições do argumento: o motor da narrativa é o
rapto/abdução de várias pessoas por parte dos ETs. Ella explica que os
alienígenas estão a estudar os pontos fracos da espécie humana, preparando a
invasão. No entanto, quando é necessário pensar uma estratégia para resgatar os
abduzidos da aparentemente impregnável fortaleza/nave, a solução é atrair os
alienígenas para o exterior, pois como eles não consideram que os humanos sejam
minimamente perigosos ou sequer particularmente engenhosos, os deixarão sem
guarda. E como solucionar a intrusão na fortaleza alienígena – que arrastaria
mais uns milhões em cenários digitais e pelo menos mais meia-hora de filme –
senão colocar Ella a dizer que os alienígenas afinal vivem em cavernas pois não
suportam a luz do sol, se depois os vemos a mover-se livre e eficazmente sob o
sol do deserto, e no final os vemos no interior da nave reunidos em torno do
ofuscante gerador? E que dizer da abusada falha estrutural que desde o original
STAR WARS (1977) serve para
argumentistas preguiçosos e pouco imaginativos destruírem facilmente uma
superestrutura inexpugnável?
COWBOYS &
ALIENS fica-se pela mera ideia. Mas se a
Ficção Científica já foi considerada a Literatura de Ideias, só uma ideia não
chega para fazer um bom filme de Ficção Científica. Talvez por isso Favreau, Orci
e Kurtzman recorram desesperadamente a tantos momentos icónicos de filmes
anteriores, desde JURASSIC PARK
(1993) (o momento já referido entre Ford e o miúdo, que ecoa aquele outro entre
Sam Neil e um outro miúdo, tendo uma garra de velociraptor onde este tem uma
faca), até ao final de I, CRUDELI
(1967), onde o vilão também termina coberto com o ouro derretido que tinha
roubado. Atrever-me-ia a identificar um paralelo mais subtil entre o alienígena
que mata a mulher de Craig, e que este deixa marcado com uma cicatriz, e o
duelo de John Wayne, em THE SEARCHERS
(1956), com o chefe índio Scar (cicatriz), que para o Ethan Hawke de Wayne é
tão alienígena como o mais foleiro monstro de CGI, mas um tal paralelo
parece-me totalmente fora do alcance de Orci e Kurtzman – mas não já de
Spielberg que, ao que consta, aprendeu a fazer cinema com John Ford.
A realização de Jon Favreau, competente ao leme de IRON MAN (2008), apresenta-se aqui no
mesmo modo confiante de cruzeiro que tornara IRON MAN 2 (2010) um exercício frustrante, levando-me a crer que,
tal como Orci e Kurtzman, Favreau confia em demasia na capacidade dos efeitos
especiais obliterarem os demais defeitos do filme. Mas nenhum efeito especial
consegue transformar uma direcção ociosa num trabalho competente.
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