As colecções de literatura de género agregam em si a promessa de uma uniformidade de conteúdos e temáticas que permitirão simultaneamente fidelizar um grupo alargado de leitores e oferecer (idealmente) uma selecção do que melhor esse género tem para oferecer. Até meados da década de sessenta do século passado, a única colecção de literatura de ficção científica - e para lá dela, só o policial encontrou semelhante acolhimento, sendo todas as demais experiências efémeras - digna desse nome era a Colecção Argonauta da Livros do Brasil. Colecção que manteve a supremacia durante quase quatro décadas, até terem surgido primeiro a FC de Bolso da Europa América (1978) e depois a Colecção Azul da Caminho (1984). Pese embora a repetição de alguns títulos e autores entre a Argonauta e a Europa-América, as três colecções complementavam-se de uma forma impossível de repetir hoje em dia quando todas as editoras competem pelo mesmo e a ideia de colecção parece definitivamente posta de parte.
Nesse período que antecedeu o nascimento das principais concorrentes/companheiras da Argonauta, e pese embora várias tentativas de criar colecções temáticas de ficção científica (e já aqui falamos das Colecções Órbita e Galáxia), apenas a mítica Série ANTECIPAÇÃO (1967) da Editorial Panorama, dirigida por Lima Rodrigues, chegou a ameaçar consolidar-se como concorrente directa. Com uma selecção criteriosa de autores e títulos, pecava por uma tradução desastrosa (frequentemente a cargo do não menos mítico Eduardo Saló) e uma distribuição deficiente (provavelmente aliada a uma tiragem limitada) que faz com que os 69 volumes editados sejam encontrados com menor frequência nos alfarrabistas.
A AMEAÇA DO INFINITO, de Fredric Brown, foi o primeiro título desta colecção que viria a integrar alguns clássicos incontornáveis (e que fica a palavra, mesmo para quem não gosta dela) como The Left Hand of Darkness de Ursula LeGuin, a série World of Tiers de Philip José Farmer, Night Wings de Silverberg e uma generosa selecção de títulos de John Brunner, um dos mais injustiçados autores de FC de todos os tempos.
Um pouco também como Fredric Brown, um autor que viu uma série de títulos seus publicados entre nós, sem nunca ter obtido o reconhecimento que lhe é indubitavelmente devido. Dotado de um verdadeiro estatuto de autor de culto em França e nos Estados Unidos (mais ou menos como Dick), é sobretudo reconhecido pelo humor cortante e cruel das suas histórias curtas, verdadeiras pérolas de concisão e impacto narrativo. Embora as suas novelas não atinjam o mesmo nível de exelência das narrativas mais curtas, não são desprovidas de motivos de interesse, dentre os quais sobressai uma imaginação transbordante, capaz de alegorizar e literalizar as fabulações mais inesperadas. Se existe um equivalente literário de Tim Burton, esse é certamente Brown.
AMEAÇA DO INFINITO é a tradução portuguesa (sim, acometida das mesmas falhas de todas as traduçoes de Saló: "Tinham-se apaixonado há um ano, e seis meses depois decidiram casar. Avistaram-se com as respectivas famílias...) de The Mind Thing, a história de um alienígena incorpóreo que se vê "encalhado" no nosso planeta e que pretende regressar ao seu, ocupando sucessivos corpos humanos numa possessão fatal.
Oportunidade também para louvar a excelente capa de Richard Powers, um dos expoentes da ilustração de FC, com motivos que invocam as célebres ilustrações de capa que executou para os 14 volumes de J.G. Ballard publicados pela Berkley Books entre 1962 e 1977.
Um toque distintivo do livro, é a presença de uma gota de goma a unir a face exterior das páginas, garantindo a sua inviolabilidade ao potencial comprador. A Série ANTECIPAÇÃO, que revisitaremos mais vezes, ofereceu aos seus leitores algumas particularidade semelhantes, das quais é de destacar o recurso a um papel azulado, alegadamente para facilitar o esforço de leitura à noite (papel ainda não presente neste volume inicial).
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