domingo, 30 de novembro de 2008

Um livro por dia: 2 FÁBULAS TECNOCRÁTICAS



Quando nos propomos explorar uma série contada de títulos, é sempre difícil escolher com qual terminar. Por um qualquer motivo que se prende com a tentação inata de colocarmos uma ordem onde esta é apenas ilusão, o último é a apoteose... o grand finale. Mas como escolher um entre centenas e dizer que este é de facto superior a todos os outros? É intuito a que me não atrevo. Mas como é preciso escolher um título para terminar, nenhum me parece mais oportuno do que este 2 FÁBULAS TECNOCRÁTICAS de João Barreiros.

Publicado em 1977, em edição de autor, este pequeno volume (apenas 34 páginas) marca de certa forma a estreia pública de João Barreiros enquanto autor de Ficção Científica. Só isso já justificaria a sua inclusão neste carrossel da nostalgia. Mas o mais interessante são as circunstâncias da sua publicação, no ano em que a Ficção Científica tomou de assalto o mundo através das fantasias tecnológicas de George Lucas: vendido na rua, à entrada do metro, por um amigo entusiasta em cadeira de rodas - que teve a iniciativa da publicação - não podia encontrar raízes mais simbólicas para aquela que viria a ser uma das obras mais fascinantes da literatura fantástica portuguesa, espalhada por títulos como O CAÇADOR DE BRINQUEDOS E OUTRAS HISTÓRIAS (1994), TERRARIUM (1995, com Luís Filipe Silva), A VERDADEIRA INVASÃO DOS MARCIANOS (2002), DISNEY NO CÉU ENTRE OS DUMBOS (2006), O PROJECTO CANDYMAN (2007) e uma série de textos avulsos, dos quais me merecem especial destaque os dois artigos que integram o grande volume que acompanhou o CICLO DE CINEMA DE FICÇÃO CIENTÍFICA da Cinemateca/Gulbenkian (1984).

Autor de fractura, visto por uns como o melhor autor nacional de FC, por outros como alguém que conta sempre a mesma história (bom, não era isso que Goddard dizia que distinguia os grandes génios?), é pelo menos o único autor actualmente no activo que podemos considerar que escreve uma ficção científica genuinamente portuguesa - esperem, não desembainhem já as facas, vou explorar esta ideia num post a publicar nos próximos dias, à laia de ensaio para posterior desenvolvimento.

Há muitas razões que levam alguém a optar pela edição de autor: tornar público um texto de interesse limitado mas que não queremos deixar na gaveta, escoar algo que ninguém considera digno de publicação, ou simplesmente querer fugir dos sistemas tradicionais de edição e distribuição. O advento de serviços como o que são prestados pela Lulu.com vieram facilitar a tarefa de auto-publicação, removendo algumas das dificuldades que as gráficas tradicionais implicavam (não só custos, como estudos prévios de capa, etc.). No entanto, há ainda algo de pioneiro, de aventureiro no método de auto-publicação em stencil, ou por fotocópia, uma magia amadora que fala bem lá do fundo da vontade individual.

Gosto de pensar que estas duas fábulas, compostas na Tipografia Monarca, na Amadora, contendo ainda em bruto o inconfundível estilo Barreiros, são uma manifestação da vontade de começar sem empurrões de ninguém. Cotoveladas desferidas para abrir lugar, marcar presença e apontar o futuro.

O futuro é, afinal, o nosso domínio...


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