sábado, 1 de novembro de 2008

Um livro para o Halloween



O Horror sempre foi um género muito mal tratado entre nós. As poucas colecções que a ele se dedicaram - mormente a saudosa Livro B da Estampa e a menos saudosa Pêndulo da Europa-América - limitavam-se quase exclusivamente à reprodução de textos no domínio público, desde os clássicos (Stoker, Maupassant, Poe, Radcliff), passando por mistos quase indefiníveis de policial e macabro (Edgar Wallace), tie-ins cinematográficos (Carrie, Night of the Living Dead), obras que os próprios autores assinavam sob pseudónimo (o Funhouse de Clive Owen na Pêndulo não foi escrito senão pelo "mestre" Dean Koontz) e a inesperada pérola perdida por entre toda aquela mistela (o Damnation Game de Clive Barker, publicado em dois volumes na Pêndulo). Outras colecções foram inserindo volumes de forma aleatória entre títulos de FC e Policial (com aconteceu com a Bolso Noite da Europress) e títulos avulso foram vendo a luz do dia de quando em quando. No entanto, e sem qualquer exagero, podemos afirmar que o género moderno do Horror é quase totalmente desconhecido do público nacional.

Mas nem sempre foi assim. Ou melhor, houve um período mágico - que decorreu (talvez com alguma subjectividade) entre 1974 e 1985, ou seja, entre o 25 de Abril e a entrada na CEE - em que tudo nos parecia ser permitido. Com a queda da ditadura, gerou-se uma avalancha cultural, onde tudo aquilo de que os anos negros do Salazarismo-Marcelismo nos tiham privado se multiplicava agora de forma imparável: literatura, cinema, comics, revistas políticas, eróticas, pornográficas, fummetti, a New Age, os OVNI, o disco sound, o rock and roll, o despertar dos mágicos, o Satanismo, tudo era absorvido e reproduzido sem progressão, sequência ou critério. E, na ânsia de mostrar que éramos um país capaz de se modernizar, procurávamos mostrar que também éramos capazes de fazer igual. Muitas vezes sinto a necessidade de folhear algumas revistas da época, sobretudo a revista política de esquerda OPÇÃO, de que herdei a colecção quase completa do meu avô, e fico verdadeiramente aparvalhado com a variedade cultural, de oferta e de gostos que era possível satisfazer nesse período. Em 1978, as coisas começaram a mudar quando o governo proibiu a compra de dólares como forma de impedir a saída de divisas nacionais, assim impedindo o pagamento de direitos para publicação de material estrangeiro. Revistas como a saborosa Zakarella (dirigida por Roussado Pinto e publicando banda desenhada de horror da escola da EC Comics) extinguiram-se impossibilitadas de comprar material novo para publicar. Creio que foi nessa altura que se começou a gerar a nossa presente mediocridade.

Mas desse breve período, em que nos foram entreabertos os portões da modernidade e da civilização, muito ficou, não só na nossa memória, mas também nas prateleiras de alguns alfarrabistas. E, por vezes, oriundos de fontes verdadeiramente inesperadas: é o caso destes CONTOS DE TERROR, uma antologia em que José Vilhena (humorista e caricaturista que dispensa apresentações) não só editou e seleccionou os textos, como traduziu e elaborou a ilustração de capa. E uma coisa se pode dizer de Vilhena: ele conhece os seus autores. Desde o clássico A COISA NO HALL de E. F. Benson ao mais que clássico OS RATOS DO CEMITÉRIO de Henry Kuttner, são dezassete os contos muito bem traduzidos que compõe as 194 páginas deste volume.

Confesso que não consigo datar a edição, impressa no Centro Gráfico das Beiras (Fundão) e distribuído pela «Specil». Na ilustração de capa, penso conseguir ler a data de 1967 na lápide que se encontra em plano mais próximo, mas é impossível dizer se é essa a data da ilustração ou da própria edição. Seja como for, foi o primeiro livro de Horror que li na minha vida. O livro era do meu pai, e estava "escondido" entre os vários volumes da Biblioteca RTP da Verbo, os clássicos de Júlio Dinis (que tentei ler, sem sucesso), Fernando Namora (idem) e Ferreira de Castro (deste gostei). Isso teria sucedido algures em finais dos anos 70 ou começos dos 80, pois eu estaria a frequentar, ou os últimos anos da escola primária ou o primeiro do ciclo. Era uma altura em que o comboio fantasma que todos os anos visitava Viana nas Festas da Agonia exercia sobre mim um fascínio tal que os meus pais me proibiam de ler o que quer que fosse de horror, convencidos - há boa maneira dos anos 70 - que isso iria perturbar-me o sono. Mas eu li-o. Eu e o meu irmão, quando estávamos sozinhos em casa, eu lendo em voz alta, para assim melhor repartirmos o medo que da leitura pudesse advir. E que leitura! Desde o homem que era submetido a uma autópsia estando ainda consciente (A AUTÓPSIA de G. Heym) ao navio que viajava carregado de caixões (O NAVIO CEMITÉRIO de S. Paintbridge), a descoberta do segredo das estranhas estátuas numa ilha grega (A ILHA DO TERROR de William Sambrot), passando pelo meu favorito de sempre (A BRUXA de Williams Hines, uma história carregada de erotismo sobre uma bruxa que prende o destino de uma mulher ao de um pássaro), foram contos que eu li e reli, uma e outra vez, pois era o único livro de horror que possuía - sim, pois depressa o fiz meu, sonegando-o entre os inúmeros TIO PATINHAS, PATO DONALD e ALMANAQUE DISNEY que compunham a minha incipiente biblioteca. Depressa se lhe foram juntar alguns comics da Vampirella e dos Contos da Crypta (edição Brasileira) que eu conseguia comprar quando ainda se vendiam livros em segunda mão em Viana, graças à conta que o meu pai tinha aberto no Sr. Silva e que me permitia adquirir a minha BD até certo montante (como o montante era escasso, cada revistinha era um tesouro).

Mas, como dizem, não há amor como o primeiro e ao pegar neste pequeno volume esquecido na prateleira, não consigo deixar de sentir aquela magia dos primeiros tempos de contacto com a literatura fantástica. Nunca mais consegui encontrar nada de Williams Hines (um pseudónimo?) e nem a net me consegue ajudar. Mas o esqueleto vampírico e de cabeça rachada que me olha daquela magnífica capa azulada, não deixa nunca de me fazer evocar uma noite de infância, onde os vampiros, os ghouls e os lobisomens se movem entre a neblina de Verão e os morcegos recortam a sua silhueta contra a lua cheia que banha as lápides frias de um cemitério calmo e silencioso.


2 comentários:

Moisés de Oliveira disse...

Poxa vida cara, fiquei interessadíssimo nesse seu post. Tenho muitas coletãneas de terror, e essa particaulamrente chama a atenção. Será que vc não podia me passar a relação completa dos contos dessa antologia? Seria uma enorme contribuição.Até mais.

Moisés de Oliveira disse...

Poxa vida cara, fiquei interessadíssimo nesse seu post. Tenho muitas coletãneas de terror, e essa particaulamrente chama a atenção. Será que vc não podia me passar a relação completa dos contos dessa antologia? Seria uma enorme contribuição.Até mais.