segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Um livro por dia: OS INIMIGOS DO SISTEMA



Bom, o livro de hoje não é bem um livro. Na verdade, é um objecto difícil de classificar e, de certa forma, característico daquele que tem sido o padrão do Fantástico em Portugal: atrevimento e modéstia, indefinição, efemeridade, moda, caos.

O Magazine do Fantástico e Ficção Científica conheceu cinco números editados entre nós em finais da década de 70 por Vítor Claudino, e eram uma adaptação do célebre e celebrado Magazine of Fantasy and Science Fiction, fundado em 1949 por Boucher e McComas e que ainda hoje é uma das três grandes revistas de referência na área do Fantástico (as outras são, claro, a Asimov's e a Analog). No entanto, ao invés de consistir na versão nacional dessa publicação, Vítor Claudino optou por operar apenas uma selecção de contos, expurgando o conteúdo das ilustrações, colunas críticas e ensaios da sua congénere norte-americana, assim a transformando numa forma de antologia atípica. Para aumentar ainda mais a estranheza deste objecto, os reponsáveis do projecto parecem indecisos quanto à natureza e objectivos do mesmo: ao mesmo tempo apresentando-se como um magazine, possui título individual e insere-se numa colecção (a colecção "Parsec").

OS INIMIGOS DO SISTEMA, título do primeiro número dado à estampa, é apenas o título de uma das histórias contidas no volume, tradução da célebre noveleta de Brian Aldiss ENEMIES OF THE SYSTEM: A TALE OF HOMO UNIFORMIS (1978), que a Vega viria a re-editar anos mais tarde (as outras são A SANGUESSUGA de Frank Sisk, O FEITO de Andrew Weiner, CASA DIVIDIDA de Lee Killough e O REI DAS RÃS de Richard Olin).

O reduzido número de volumes publicados permanece como um sintoma da relação atípica do mercado português para com a Ficção Científica e o Fantástico; oriundo da febre de FC que se gerou em Portugal - e no mundo - após a estreia de Star Wars em 1977, não conseguiu mesmo assim singrar apesar da sua tríplice natureza e do preço avulso de cada volume se cifrar nos 40$00 de então (preço que me parece acessível, quando comparado, por exemplo, com o de outras revistas e jornais diários da época - a Zakarella, se bem me recordo, custava 15$00 em 1978, e tinha apenas 20 páginas). Não excluo, porém, a hipótese de ter sido mais uma vítima da proibição da saída de divisas então decretada. Curioso é que após a "fartura" que se gerou no pós-25 de Abril (e que deveria ter criado uma certa habituação no leitor), esta súbita quebra de oferta, provocada pelo desaparecimento simultâneo de tantas publicações, não tenha servido de nicho para o desenvolvimento de autores nacionais. Efectivamente, desta época - ao mesmo tempo áurea e negra - apenas nos ficaram os esforços de autores como Roussado Pinto (Ross Pynn), Luís Campos (Frank Gold) e mais um punhado de autores que pontificaram ainda na década de oitenta na colecção Bolso Noite, dirigida por este último.

Desta forma se foi construindo lentamente a história da publicação de FC&F entre nós: apesar de uma aparente riqueza e variedade, as experiências eram curtas e efémeras, sem critério ou sistema, transformando essa mesma história num vasto cemitério de títulos desaparecidos, colecções moribundas e autores esquecidos.

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