sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Um livro por dia: OS EXPLORADORES DA LUA



Da caixinha de surpresas que foram os loucos anos da viragem de Portugal face à modernidade, nunca deixa de me surpreender o inesperado de algumas "uniões". As várias colecções que se foram estreando - e rapidamente perecendo - misturavam livremente ensaio com ficção, policial com horror, mainstream e os mais inesperados produtos da arte literária. Das uniões mais estranhas com que alguma vez me deparei, este OS EXPLORADORES DA LUA foi para mim durante muito tempo uma incógnita e, por fim, uma brilhante ironia.

Primeiro a estranheza da "união": um livro assumidamente de FC publicado por uma editora com conotações católicas - as EDIÇÕES SALESIANAS do Porto (e é curioso observar, a título de curiosidade, que quase metade dos títulos até agora referidos nesta série de posts, provém de casas editoriais situadas no norte do país). OS EXPLORADORES DA LUA veio-me parar às mãos por volta de 1999-2000, espreitando de uma qualquer banquinha de um alfarrabista do Porto. Achei curioso, não só a ilustração de capa, como o facto de existir um autor de FC português de que eu nunca ouvira falar. Discutindo o livro com o Jorge Candeias e a sua possível autoria, no Verão de 2001, ficamos temporariamente na dúvida sobre a sua nacionalidade, por via da referência no interior do volume ao facto de que este seria um "original distinguido no Concurso de Literatura Juvenil, com o prémio «ALITÁLIA» na modalidade de Aeronáutica e viagens planetárias", o que nos pareceu uma coisa muito pouco portuguesa. O Jorge sugeriu uma possível identidade Italiana (Sagunto, porém, fica em Espanha), sendo então o nome uma transliteração de Pietro de Sagunto. O nome dos filhos, porém, a quem o livro é dedicado não me sugeria uma tal origem e, à falta de mais elementos, a dúvida persistiu durante mais algum tempo.

Sucede que Pedro de Sagunto era realmente um autor português. Digo "era" porque, aos 91 anos, Sagunto faleceu na cidade do Pombal a 14 de Janeiro de 2008. Era o pseudónimo do autor Pedro Alves de Carvalho, nascido em Coimbra, mas residente de longa data no Pombal.

Para além deste OS EXPLORADORES DA LUA, um romance alegadamente escrito em 1968 e publicado pelas EDIÇÕES SALESIANAS em 1973, Sagunto deixou mais 16 livros e, de acordo com a sua neta Ana Rita, uma série de trabalhos inéditos ou inacabados. Dentre esses dezasseis livros, contam-se 3 novelas publicadas entre 1958 e 1963 na COLECÇÃO NEGRA da saudosa AGÊNCIA PORTUGUESA DE REVISTAS (1948-1987), a primeira das quais - MATAR OU MORRER - teria sido o primeiro livro publicado com esse pseudónimo no intuito de convencer o leitor de que realmente se tratava de um autor estrangeiro (para reforçar essa ideia, o volume faz saber que o texto "original" foi traduzido por P. Alves de Carvalho, afinal o verdadeiro autor).

OS EXPLORADORES DA LUA é claramente um juvenile, escrito num estilo ligeiro e aventuresco, descrevendo uma Lua outrora coberta de oceanos onde nadavam monstros antediluvianos, mais inspirada pela imaginação de um Burroughs do que pela próxima/recente alunagem da Apolo XI. Diz quem conheceu Sagunto que era um homem que amava os livros e o cinema. Segundo noticiado, na urna em que foi a enterrar seguiu um volume dos NOVE AMANHÃS de Isaac Asimov.

Durante quase dez anos, os dez anos em que tive em meu poder este volume, e em que a amizade do António Marques - pai do Pedro Marques - que reside no Pombal, aí me levou várias vezes, podia ter-me cruzado com o desconhecido que escreveu o livro cuja autoria debatia com o Candeias. Apenas mais um triste exemplo de como o nosso género é negligenciado, e de como muitos autores são esquecidos demasiado cedo, muitas vezes por aqueles que melhor os deviam conhecer e celebrar.


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