domingo, 2 de novembro de 2008

Um livro por dia: JUSTIÇA FACIAL



Pese embora o teor deste meu post, não pensemos que Portugal era um deserto em tempos de ditadura. Aliás, e se nos abstrairmos dos depoientos gemebundos dos nossos autores que viveram a ditadura queixando-se da censura, em surdina, para em 1975 abrirem as gavetas e revelarem que estavam absolutamente vazias - que nenhum manuscrito impossível de publicar ficou a aguardar por melhores dias, que nenhuma ideia subversiva lhes saira das cabecinhas bem pensantes - a verdade é que a nossa ditadura foi particularmente sui generis. O Pássaro Pintado de Kosinski foi publicado em 1968 e, tanto quanto me foi dado saber, prontamente retirado do mercado. No entanto, em 1964, os Estúdios Cor lograram dar à estampa um livrinho com o sugestivo título de Cinco Novelas de Antecipação Soviéticas, sem qualquer problema.

Mas, como diria L. P. Hartley (em The Go-Between, 1953): "O passado é um lugar estranho. Lá fazem as coisas de maneira diferente." E se isso é assim, em geral, que dizer deste nosso Portugal?

Pois L. P. Hartley foi precisamente o autor que, em Abril de 1961, a Editorial Minotauro escolheu para estrear a sua colecção Órbita, dirigida por Fernando de Castro Ferro. Com tradução do mesmo F. C. Ferro, capa de Fernando Azevedo e 292 páginas de texto, este JUSTIÇA FACIAL (tradução literal de Facial Justice, título original da obra), surge no mercado nacional no ano seguinte (em Abril) à sua publicação original, coisa hoje cada vez mais rara. Sem qualquer constrangimento, a editora escreve Ficção Científica com todas as letras (e sem o malfadado ífen - que é como deve ser) logo no topo da capa, e apresenta correctamente o livro como inserindo-se na senda de obras como 0 Brave New World e 1984, embora não se prive de alertar que se trata de um livro "que nos oferece uma visão, mais psicológica do que científica, de um «Estado»existente num futuro não muito distante", para provar que nem tudo é diferente hoje em dia.

O futuro proposto por Hartley não é muito interessante, nem muito credível, mas tal como 1984 - um grande livro, mas um mau livro de FC, if you know what I mean - é uma obra que ganha muito ao ser lida como alegoria simbólica de um certo estado de coisas. E, tal como em 1984, esse estado de coisas é o que pode emergir de uma sociedade literalmente comunista, que leve os princípios Marxistas-Leninistas ao extremo do absurdo. Que Hartley tenha escolhido como símbolo desse absurdo a imposição de um ideal de beleza feminino, não deixa de causar ao mesmo tempo estranheza e fascínio no leitor. Efectivamente, o passado é um local muito estranho... mesmo - ou sobretudo - quando quer descrever o futuro.

Na mesma colecção foram posteriormente publicados os Nove Amanhãs de Isaac Asimov e a Missão de Gravidade de Hal Clement.

5 comentários:

Miguel Garcia disse...

Por falar em raridades, comprei na semana passada numa mini feira do Livro da Fac. De Letras (Cid. Univ), um Magazine de Ficção Cientifica, devido ao meu desconhecimento histórico, só em casa descobri que era uma revista Br e não PT, anyway, é de 1970 e conta com alguns artigos cientificos e algumas novelas, por exemplo de Isaac Asimov. Tenho receio de a ler pois pode desfazer-se.
Em breve coloco um post sobre Carbono Alterado!
PS:Já agora, não encontro referência ao filme no imdb, mas é ssguro que vai existir certo?
PS2: Talvez sejas a pessoa indicada para me responder, vai haver mais Richard Morgan na SE? estou com dificuldade em encotnrar as edições originais de Takeshi Kovacs.
Cumprimentos

João Seixas disse...

Olá Miguel!

Ponto por ponto:

1) Parabéns pelo achado. Confesso que conheço muito pouco das edições brasileiras. Nós por cá também tivemos uma edição da Fantasy & Science Fiction, da qual saíram 5 números.Se a oportunidade se manisfestar, posso incluir os quatro que possuo num destes posts.

2) Tanto quanto sei - e pelo que disse o Morgan quando cá esteve - a opção foi accionada pelos estúdios, daí que tudo indica que seja para avançar com o filme. Mas não é, de forma nenhuma, garantia de que o filme avance. Aliás, embora gostasse de o ver, sou muito céptico quanto à sua futura existência. O facto de o personagem principal ter vários rostos (e corpos) ao longo da narrativa, colide um bocado com o ego dos megastars que o poderiam encarnar. E não acredito que os estúdios estejam dispostos a avançar os milhões necessários aos efeitos especiais sem terem um cabeça de cartaz forte; o domínio ideal seria o do B-movie (mas o dinheiro não chega) ou a animação (que não atrairia tanta gente aos cinemas). Vamos continuar a esperar.

3) Pelo que sei dos planos editoriais da SdE - que não é tanto como isso - pelo menos o MARKET FORCES vai ser publicado cá. Mas o Luís Corte-Real (se estiver a ler este comentário) é a pessoa certa para responder.

4) Fico a aguardar com curiosidade a crítica ao Carbono.

Um grande abraço.

Barreiros disse...

Nope, a MISSÃO DE GRAVIDADE do grande (mas um pouquito pastelão) Hal Clement, nunca chegou a ser publicado...Tal como a Colecção de FC da E-A, que publicou o CITY do Simak (com trad do Mário Henrique Leiria) e a Colecção da Ulisseia (essa sim, chegou a publicar o AGULHA do mesmo Clenent)não passaram dos dois, três ou cinco volumes...Estranhamente, na versão da ULISSEIA FC do livro FUNDAÇÂO, aparecia escrito numa badana: "Obra recomendada pelo Clube de FC Portuguesa"...Mas qual Clube? Chegou de facto a haver um pequeno Clube, nesses tempos idos dos anos sessenta, orientado pela Isabel Meyrelles, com promessas de saida de uma revista de FC, mas ficou tudo por aí, ou seja, pelas promessas...Mas recordam-se, ó jovens pimpolhos, que chegaram a saír 5 números da versão portuguesa do MAGAZINE OF FANTASY & SF? E 3 números da Galaxy? Para depois tudo mergulhar nas trevas do esquecimento...Mas quem quisesse procurar atentamente nas livrarias de 2ª mão, teria encontrado a versão brasileira do Magazine Of Fantasy & SF, que chegou aos 20 números e 3 antologias especiais...Esquecidos vão os tempos onde, no passado profundo, as coisas eram feitas doutro modo...

João Seixas disse...

Olá Barreiros,

Fica então corrigido a desinformação. Tenho este e sei que o NOVE AMANHÃS também saiu. De facto, nunca vi o Hal Clement, mas pensei que tivesse chegado a espreitar das promessas editoriais.
Também tenho o AGULHA, da Ulisseia, que deve fazer a sua aparição nesta série de posts.

Barreiros disse...

Mais estranho ainda, foi a publicação dos contos quase completos de Richard Matheson em SHOCK I, II, III. E as antologias da PALIREX? A editora publicou a primeira metade da antologia dos vampiros do Roger Vadim. Tinha 2BEST OF THE YEAR do Terry Carr. Um dedicado à Fantasy, outro à FC.Tinha mais umas duas do Groff Coffklin com contos fabulosos...Lembram-se do Wyndyman Guin? (Não seise é assimn que se escreve).
Ai, como é estranho este passado profundo...