Em Abril de 1977, a PORTUGAL PRESS dava à estampa O FANTÁSTICO E O MISTERIOSO NO JAPÃO, uma colectânea de nove contos de Edogawa Rampo, traduzida por Raul Correia a partir da tradução inglesa (a tradução canónica, que serviu também para a recente reedição deste volume pela TUTTLE PRESS em finais do ano passado) de James B. Harris. Rampo, de seu nome verdadeiro Hirai Taro, é unanimemente considerado como o pai da moderna literatura policial japonesa, tendo sabido importar de forma perfeita o ritmo e as técnicas ocidentais e aplicando-as em narrativas ricas de um imaginário e de uma tradição cultural tipicamente nipónicos. Na sua escrita, rica numa ironia que se poderia dizer quase borgiana (compare-se Os Gémeos de Rampo, com O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam de Borges), Rampo serve-se de um encadeado lógico, de uma racionalidade aparentemente fria, para arrastar o leitor por uma realidade fantástica, que quase roça os limites do incrível e do sobrenatural, sem nunca quebrar definitivamente as barreiras entre o âmbito do real e do fantástico. A forma documental e muitas vezes na primeira pessoa de que se serve para narrar os acontecimentos, reforçam essa tensão entre o dito e o percebido.
Tal como o próprio pseudónimo de Taro - Edogawa Rampo é uma tradução fonética da pronúncia japonesa de Edgar Allan Poe - a sua escrita é enganadora na sua simplicidade.
Para mim, este livro - traduzido pela primeira vez para o inglês em 1956, exactamente 21 anos antes da sua edição lusa, e descoberto entre os livros do meu avô teria eu uns 12 ou 13 anos de idade, foi uma autêntica revelação. É um daqueles poucos livros - outros são os de Borges, Brown, Barker, Matheson ou Bradbury - que uma vez lidos despertam em nós a vontade imparável de esmiuçar a técnica utilizada para contar as histórias, e a tentativa imediata, repetida, obsessiva, de reproduzir os seus efeitos.
Isto tudo para dizer que é fascinante descobrir um tal título traduzido em português: sobretudo porque é um título solitário. Mesmo após o sucesso do filme Rampo (1994), que granjeou aplausos no Fantasporto e tinha o próprio autor como protagonista principal (interpretado por Naoko Takenaka), nenhuma editora voltou a mergulhar no universo de cerca de trinta volumes, escritos entre 1923 e 1945, que ele nos legou.
Dos nove contos presentes neste tomo, três deles nunca me saíram da cabeça: A Cadeira Humana, a narrativa estranhíssima, quase surrealista, de um fabricante de móveis que contrói uma luxuosa cadeira para poder desfrutar deleitoso das senhoras que nela se sentavam (o final, como sempre, é uma pérola de ironia); O Teste Psicológico, uma das aventuras do seu célebre detective Kogoro Akeshi, mostra como um criminoso especialista em psicologia pode ser apanhado por estar demasiado bem preparado para ultrapassar os testes psicológicos da polícia; e o já referido Os Gémeos, que trata de forma brilhante o tema de Abel e Caim, já para não dizer de Jeckyll e Hyde, através do célebre caso judicial (também explorado por Ellery Queen) do crime cometido por gémeos, sem que seja possível estabelecer com certeza qual dos dois o cometeu (in dubio pro reo, e nenhum pode ser condenado) - neste caso, faz-se justiça (mais uma vez irónica) por via de um erro judicial.
As ilustrações de M. Kuwata, servem de precioso acompanhamento das várias narrativas, reforçando a sensação de estranhamento e familiaridade que este objecto perdido nas correntes do tempo não deixa de suscitar.
2 comentários:
gostaria de saber se tem um link ou um site onde posso baixá-lo pq ta difícil achar ele
discípulo de Rampo mas na BD: Suehiro Maruo
mucho creepy!!!
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