A Lua ainda é um lugar misterioso…
por David Soares
A Lua ainda é um lugar misterioso…
Quarenta anos depois da primeira alunagem – depois daquela tímida tentativa de despir Selene – parece que o mundo ainda não entrou na épica era espacial que projectámos durante os anos cinquenta e sessenta do século passado: o futuro, para mal dos nossos pecados, assemelha-se, demasiado, ao presente. Ou, pior!, ao passado. A deusa ainda está vestida e adormeceu-nos, pobres pastores, de modo a conservar o pudor.
A conquista do espaço foi a última grande meta-narrativa que marcou, com um cunho distintivo, a cultura ocidental, mas, inversamente às meta-narrativas religiosas, que, infelizmente, ainda subsistem, esta, que é científica, parece ter sincopado. Não se assiste a um grande entusiasmo público diante dos progressos astrofísicos que vão sendo divulgados pela comunicação social e nos veículos da especialidade. Acho até que o espaço nunca esteve tão distante de nós, como hoje – e isso é uma pena. Talvez a Lua seja, com efeito, uma amante cruel.
Ou talvez nos falte uma comunicação social que conheça a linguagem científica e saiba transmiti-la sem a associar a imagens e conceitos, ditos divertidos, pensados para a tornar degustável pelos espectadores. Talvez nos falte uma nova grande meta-narrativa científica que sirva de contrapeso aos absurdos da fé. (O burburinho criado em volta do novo super acelerador de partículas do CERN quase serviu, mas os meandros da física quântica são demasiado insondáveis para serem compreendidos, e amados, pelo grande público.)
Em suma, falta-nos olhar outra vez para a Lua – de modo simbólico, também, pois trata-se de um local onde já estivemos e pode ser um lugar que sirva de modelo a viagens mais arrojadas.
A Lua ainda é um lugar misterioso… Na verdade, ainda é virgem. Apenas a acariciámos – falta cumprir-se a sua conquista.
Quarenta anos depois da primeira alunagem, ainda não despertámos para essa conquista. Talvez devêssemos aproveitar o facto de ainda estarmos a dormir… para sonhar!
Como está expresso no título da antologia de contos de ficção científica organizada pelo João, e publicada pela Saída de Emergência, precisamos de pôr a cabeça na Lua. Já lá pusemos o pé, mas isso não é suficiente, porque o pé não sonha.
A cabeça é que sonha.
E atrevo-me a dizer que os assuntos relacionados com a conquista do espaço são a única área da ciência capaz de fazer o público sonhar. Acredito que o futuro do discurso científico, junto da opinião pública, terá de passar por um novo sonho espacial.
Sonhar com o espaço faz da Terra um lugar melhor: mais pacífico, mais sábio e maior.
Mais sensual, até.
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