Poucas passagens das páginas da FC serão tão assombrosas e evocativas quanto as palavras iniciais da novela que Arthur Clarke escreveu baseada no argumento homónimo que assinou com Stanley Kubrick para 2001: A Space Odyssey (1968):
“Behind every man now alive stand thirty ghosts, for that is the ratio by which the dead outnumber the living. Since the dawn of time, roughly a hundred billion human beings have walked the planet earth”.
Cito directamente da edição da Arrow Books (Londres) de Outubro de 1968. Lembrei-me desta passagem a propósito de um texto que se lê no Público de hoje, emanado do ócio de Helena Matos.
E escreve a articulista: “O que importa é que nessa instituição milenarmente sábia que é a Igreja Católica (católicos ou não, todos temos de convir que instituição alguma existe tanto tempo sem uma forte sabedoria)…”
Ressinto-me desde logo do imperativo categórico. Não, não temos que convir nada disso, como o mais discreto conhecimento da História permite apurar.
Aliás, e porque a obra é recente, recomenda-se a leitura atenta de GOD IS NOT GREAT (Twelve, New York, 2007) de Christopher Hitchens, um atlas sintético e tranquilo, sem histrionismo ou drama desnecessário, da irrecuperável estupidez do fenómeno religioso, transversal aos cinco continentes e a todos os períodos da história.
Hitchens, que em 1997 já demolira impiedosamente, a golpe de argumentos sérios e provas irrefutáveis, o mito daquela figura sinistra e hipócrita que dava pelo nome de Teresa de Calcutá (The Missionary Position – Mother Teresa in Theory and Practice) apresenta-nos agora um documento magnífico, redigido no inultrapassável estilo coloquial a que já nos habituou, onde, martelada a martelada, vai fazendo ruir os ídolos bafientos das três grandes religiões monoteístas, sem poupar episódios tremendamente elucidativos de outros cultos menores (incluindo como no Sri Lanka chegou, por um dia, a encarnar uma pseudo-divindade).
Bastaria recordar alguns dos episódios que nos são narrados (desde Bartolomeu de las Casas a escrever sobre o massacre dos ameríndeos, até às mais estúpidas e recentes afirmações do Vaticano quanto ao uso de preservativos e pesquisas em células estaminais) para descobrir como pôde uma instituição como a Igreja Católica existir durante tanto tempo: sabendo colar-se ao poder secular, quando não mesmo sobrepondo-se a ele.
Se desde A.D.313 gozou do beneplácito do Império, e governou senhora da Europa durante a Idade Média, servindo-se das mais sujas manobras da política secular, das mais sangrentas guerras e das mais sórdidas torturas, soube também sobreviver ao ímpeto imparável do Iluminismo e do pensamento científico, pondo-se cautelosamente do lado do poder, fosse ele assegurado por Napoleão, Hitler, Franco, Salazar ou Mussolini. E, não se podendo aliar abertamente a ele, soube calar para partilhar desse mesmo poder, quando nas mãos do Papa Doc, de Suharto ou do Ayatolah Khomeini (cuja fatwa sobre Salman Rushdie foi tolerada e compreendida pelo Vaticano).
Deixou atrás de si um rasto de sangue e obscurantismo, um exército de fantasmas espezinhados, queimados na fogueira ou deserdados pelo conhecimento científico e médico que sucessivos papados foram perseguindo, destruindo ou ocultando.
Hoje, onde cumpre pouco mais do que o papel de palco e adereço para novelas medíocres de Dan Brown, vive agarrada ao ventre dos estados laicos, mendigando isenções fiscais e tributárias (que, a serem levantadas, significariam de pronto o seu fim) e procurando insinuar-se insidiosamente nos currículos académicos, nos laboratórios científicos e nas cadeiras dos parlamentos, procurando perpetuar, por decreto ou fraude intelectual, aquilo que a realidade já lhe não permite.
“Behind every man now alive stand thirty ghosts, for that is the ratio by which the dead outnumber the living. Since the dawn of time, roughly a hundred billion human beings have walked the planet earth”.
Cito directamente da edição da Arrow Books (Londres) de Outubro de 1968. Lembrei-me desta passagem a propósito de um texto que se lê no Público de hoje, emanado do ócio de Helena Matos.
E escreve a articulista: “O que importa é que nessa instituição milenarmente sábia que é a Igreja Católica (católicos ou não, todos temos de convir que instituição alguma existe tanto tempo sem uma forte sabedoria)…”
Ressinto-me desde logo do imperativo categórico. Não, não temos que convir nada disso, como o mais discreto conhecimento da História permite apurar.
Aliás, e porque a obra é recente, recomenda-se a leitura atenta de GOD IS NOT GREAT (Twelve, New York, 2007) de Christopher Hitchens, um atlas sintético e tranquilo, sem histrionismo ou drama desnecessário, da irrecuperável estupidez do fenómeno religioso, transversal aos cinco continentes e a todos os períodos da história.
Hitchens, que em 1997 já demolira impiedosamente, a golpe de argumentos sérios e provas irrefutáveis, o mito daquela figura sinistra e hipócrita que dava pelo nome de Teresa de Calcutá (The Missionary Position – Mother Teresa in Theory and Practice) apresenta-nos agora um documento magnífico, redigido no inultrapassável estilo coloquial a que já nos habituou, onde, martelada a martelada, vai fazendo ruir os ídolos bafientos das três grandes religiões monoteístas, sem poupar episódios tremendamente elucidativos de outros cultos menores (incluindo como no Sri Lanka chegou, por um dia, a encarnar uma pseudo-divindade).
Bastaria recordar alguns dos episódios que nos são narrados (desde Bartolomeu de las Casas a escrever sobre o massacre dos ameríndeos, até às mais estúpidas e recentes afirmações do Vaticano quanto ao uso de preservativos e pesquisas em células estaminais) para descobrir como pôde uma instituição como a Igreja Católica existir durante tanto tempo: sabendo colar-se ao poder secular, quando não mesmo sobrepondo-se a ele.
Se desde A.D.313 gozou do beneplácito do Império, e governou senhora da Europa durante a Idade Média, servindo-se das mais sujas manobras da política secular, das mais sangrentas guerras e das mais sórdidas torturas, soube também sobreviver ao ímpeto imparável do Iluminismo e do pensamento científico, pondo-se cautelosamente do lado do poder, fosse ele assegurado por Napoleão, Hitler, Franco, Salazar ou Mussolini. E, não se podendo aliar abertamente a ele, soube calar para partilhar desse mesmo poder, quando nas mãos do Papa Doc, de Suharto ou do Ayatolah Khomeini (cuja fatwa sobre Salman Rushdie foi tolerada e compreendida pelo Vaticano).
Deixou atrás de si um rasto de sangue e obscurantismo, um exército de fantasmas espezinhados, queimados na fogueira ou deserdados pelo conhecimento científico e médico que sucessivos papados foram perseguindo, destruindo ou ocultando.
Hoje, onde cumpre pouco mais do que o papel de palco e adereço para novelas medíocres de Dan Brown, vive agarrada ao ventre dos estados laicos, mendigando isenções fiscais e tributárias (que, a serem levantadas, significariam de pronto o seu fim) e procurando insinuar-se insidiosamente nos currículos académicos, nos laboratórios científicos e nas cadeiras dos parlamentos, procurando perpetuar, por decreto ou fraude intelectual, aquilo que a realidade já lhe não permite.
Leva, ao fim e ao cabo, a existência, ainda gorda e ainda rica, de uma ténia, criatura que existe também há fartos milhões de anos, embora ninguém lhe reconheça, por isso, especial sabedoria.
2 comentários:
Boa recomendação! Também o tenho encomendado, mas ainda não chegou. Entretanto, posso recomendar estes que já li e que também se inscrevem na mesma temática:
1)Breaking the Spell, de Daniel C. Dennet (Alle Lane, 2006)
2)The God Delusion, de Richrd Dawkins (Bantam Press, 2006)
3)The End of Faith, de Sam Harris (W.W. Norton & Company, 2004)
4) e um que estou mesmo a terminar intitulado "American Theoracy", de Kevin Phillips (Penguin, 2006)
Na minha opinião, são todos bastante bons; talvez o mais tímido (surpreendentemente) seja o do Dennett, com uma primeira parte menos bem conseguida, mas com uma segunda parte fantástica.
O do Dawkins é escrito num tom mais ácido, e ainda bem, e possui muita documentação interessante, ficando no ar apenas a sensação que poderia ter sido um livro maior. Contudo, o que mais me entusiasmou (está a entusiasmar) é mesmo o do Phillips que desvenda coisas de puxar os cabelos sobre as ligações entre a indústria do petróleo e a direita religiosa norte-americana.
Só para não pensarmos que o fenómeno do endividamento é exclusivo da Europa, ou de Portugal, transcevo um excerto da página 273: "In 1980 americans collectively put aside a net 7.4 percent of national income. By 1990 that had fallen to 4.5 percent, and by 2005 to a record-low negative savings rate." Ou seja: há mais de um quarto de século que os norte-americanos gastam mais que aquilo que ganham e aquilo que ganham não é suficiente para preencher o buraco escavado pela dívida. Phillips explica, com fundamento, que a aliança entre a religião e a política não é inocente diante desta situação.
Cheers.
Salve David. Excelentes recomendações, todas elas. Aliás o Dawkins, carinhosamente conhecido como Darwin's Bulldog é inexcedível nesse aspecto. Não sei se te lembras da sua análise da "God's Utility Function" no "River Out of Eden" de 1996?
Fiquei com curiosidade sobre o livro do Philips, que aliás já me tinha chamado a atenção ao ler um dos teus posts mais recentes no Sonho de Newton.
Acrescentaria talvez o "How We Believe" do Michael Shermer e, em menor medida, porque mais abrangente, mas do mesmo autor, o "Why People Believe Weird Things".
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