Del Rey Books, 2006
384 páginas
ISBN 10: 0345481283
ISBN 13: 978 - 0345481283
Numa realidade alternativa, as Guerras Napoleónicas travam-se com o auxílio de Dragões, criaturas aladas, capazes de cuspir fogo ou ácido, e com os quais são levadas a cabo as primeiras batalhas aéreas e aeronavais da História (numa referência passageira, ficamos mesmo a saber que Sir Francis Drake, contou com a ajuda de dragões para desbaratar a Invencível Armada). O Capitão William Laurence, da Marinha Britânica, captura uma embarcação francesa que transporta, num compartimento especialmente preparado para o efeito, um raríssimo ovo de dragão chinês (que, sem que o saiba, é um presente do Imperador Celeste para Napoleão). Antes de conseguir levar o navio para um porto doméstico, o ovo choca e Laurence vê-se inesperadamente “vinculado” (no sentido lorenziano) a Temeraire, um dragão extremamente loquaz e articulado. Uma vez que o vínculo entre dragões e cavaleiros (pilotos) é inquebrantável, Laurence é forçado a abandonar a sua honrosa posição na prestigiada Marinha Real, para atender ao seu dragão, acabando por ingressar no Corpo Aéreo, uma força aérea composta de dragões, cada qual com a sua tripulação e características. A pouca estima em que esta “força aérea” é tida, leva a que Laurence caia em desgraça entre a aristocracia, perca o casamento com a sua prometida, e se veja embrulhado nas disputas e agruras da vida militar nos campos de treino da guerra aérea. Neste primeiro volume, acompanhamos o treino e o desenvolvimento da relação entre Laurence e o Dragão Temeraire, que apesar de maduro, articulado e filósofo, não parece possuir as mesmas capacidades bélicas dos seus companheiros e adversários, os dragões ingleses e franceses… até ao momento decisivo, em que essas capacidades se mostram mais necessárias.
Como bem observou Gary K. Wolfe, a propósito deste His Majesty’s Dragon, vem sendo fenómeno cada vez mais frequente (ecos ainda do sucesso da série Harry Potter?), o surgimento de novos autores que se apresentam no mercado através de uma série de volumes (projectada, ou mesmo já escrita) que exploram um novo universo, ou uma personagem (mais ou menos) carismática, fenómeno esse que se manifesta de forma mais visível nos géneros do fantástico (sobretudo Fantasia e Ficção Científica) e no policial. Comercialmente, tal aposta é compensadora ao criar na percepção do consumidor a consciência de um novo “nome/marca”, passível de permitir uma mais fácil identificação, e obviando assim à luta que os novos e emergentes autores têm de travar para se afirmarem através da acumulação de uma massa de trabalhos variada e inovadora; na vertente editorial, a aposta em tais “séries instantâneas” pode ser recompensada pela rápida criação de uma “franchise” de sucesso automático.
Na vertente negativa de tal fenómeno conta-se, as mais das vezes, a inultrapassável mediocridade de tais séries, que se limitam à reciclagem (por vezes mesmo, pobremente encapotada) de receitas de outras séries, já testadas no mercado. O mesmo é dizer, por cada George R.R. Martin ou Steven Erikson, surgem dúzias de David Eddings ou Robert Jordans.
No caso de His Majesty’s Dragon, a aposta é suficientemente inovadora para merecer apenas comparações referenciais com a saga dos Dragonriders of Pern, de Anne MacCaffrey e com as aventuras navais de Patrick O’Brian, às quais poderíamos acrescentar, igualmente, a superlativa série de C.S. Forrester (Horatio Hornblower) ou, no patamar entre a Fantasia e a Ficção Científica, a série The World in Darkness de Harry Turtledove. Atrever-me-ia mesmo a afirmar que um importante catalisador para a publicação da primeira parte das aventuras do dragão Temeraire e do seu “piloto” Will Laurence, em rápida sucessão nos Estrados Unidos, foi o estrondoso sucesso de Jonathan Strange & Mr. Norrell, de Susanna Clarke, que operou pela primeira vez, em 2004, o entrecruzar das Guerras Napoleónicas com aspectos de Fantasia.
No aspecto literário, a escrita é fluida e elegante, prestando atenção aos detalhes da época, quer sociais (o sense and sensibility da sociedade da Regeneração, corporizada no espírito cortês de Laurence e na sua relação com o dragão), quer técnico-militares (na exploração, relativamente bem conseguida, da influência de elementos anacrónicos de guerra aérea – baseada em experiências posteriores, sobretudo das duas Guerras Mundiais – nas batalhas históricas das Guerras Napoleónicas). O tamanho do volume (356 páginas na edição paperback americana, 330 na edição hardback inglesa) é adequado ao desenrolar da primeira parte da narrativa, mas impede uma exploração mais aprofundada da sociedade da época e dos seus maneirismos, os quais ficam forçosamente limitados às relações familiares aproximadas (sobretudo entre Laurence e a sua família, e Laurence e a sua ex-prometida) e ao relacionamento da vida militar (sobretudo, neste primeiro volume, nos campos de treino); cabe assim aos dragões – personagens tão bem definidas e individualizadas como as próprias personagens humanas – suportar algumas das características mais interessantes, o que se evidencia deliciosamente quando Temeraire começa a desenvolver inclinações revolucionárias (que são exploradas nos volumes posteriores).
Não obstante o realismo que a autora procura incutir na narrativa, His Majesty’s Dragon é, ainda assim, uma obra de Fantasia (e, não, por exemplo, um Universo Alternativo de Ficção Científica), o que é bem patente no negligenciar de alguns aspectos a que uma obra de FC teria obrigatoriamente que responder: nomeadamente, a génese e desenvolvimento dos dragões (que, no contexto da obra, sempre estiveram presentes), a aerodinâmica dos combates aéreos (empolgantes e bem descritos, mas impossíveis) e a economia dos dragões como arma de guerra (se os dragões comem 3 ou 4 vacas por dia, como podia a agro-pecuária inglesa sustentar um Corpo Aéreo com tantos dragões?).
Alguns destes aspectos (magnificamente explorados, por exemplo, em The Iron Dragon’s Daughter de Michael Swanwick) servem, no entanto, para fortalecer a narrativa, ajudando-a a centrar-se no seu objecto central: concretamente o estreitamento de laços entre Laurence e o seu dragão, ao mesmo tempo que se afasta da sociedade aristocrática, e o ultrapassar (climático e bem conseguido) da inferioridade de Temeraire, raro dragão chinês, face aos seus companheiros e adversários, capazes de cuspir fogo e ácido. O simples facto de a autora nos dar a entender que os dragões sempre existiram, e são para a humanidade tão normais como os cavalos, ajuda o leitor a aceitar mais facilmente o universo alternativo em que é convidado a entrar.
384 páginas
ISBN 10: 0345481283
ISBN 13: 978 - 0345481283
Numa realidade alternativa, as Guerras Napoleónicas travam-se com o auxílio de Dragões, criaturas aladas, capazes de cuspir fogo ou ácido, e com os quais são levadas a cabo as primeiras batalhas aéreas e aeronavais da História (numa referência passageira, ficamos mesmo a saber que Sir Francis Drake, contou com a ajuda de dragões para desbaratar a Invencível Armada). O Capitão William Laurence, da Marinha Britânica, captura uma embarcação francesa que transporta, num compartimento especialmente preparado para o efeito, um raríssimo ovo de dragão chinês (que, sem que o saiba, é um presente do Imperador Celeste para Napoleão). Antes de conseguir levar o navio para um porto doméstico, o ovo choca e Laurence vê-se inesperadamente “vinculado” (no sentido lorenziano) a Temeraire, um dragão extremamente loquaz e articulado. Uma vez que o vínculo entre dragões e cavaleiros (pilotos) é inquebrantável, Laurence é forçado a abandonar a sua honrosa posição na prestigiada Marinha Real, para atender ao seu dragão, acabando por ingressar no Corpo Aéreo, uma força aérea composta de dragões, cada qual com a sua tripulação e características. A pouca estima em que esta “força aérea” é tida, leva a que Laurence caia em desgraça entre a aristocracia, perca o casamento com a sua prometida, e se veja embrulhado nas disputas e agruras da vida militar nos campos de treino da guerra aérea. Neste primeiro volume, acompanhamos o treino e o desenvolvimento da relação entre Laurence e o Dragão Temeraire, que apesar de maduro, articulado e filósofo, não parece possuir as mesmas capacidades bélicas dos seus companheiros e adversários, os dragões ingleses e franceses… até ao momento decisivo, em que essas capacidades se mostram mais necessárias.
Como bem observou Gary K. Wolfe, a propósito deste His Majesty’s Dragon, vem sendo fenómeno cada vez mais frequente (ecos ainda do sucesso da série Harry Potter?), o surgimento de novos autores que se apresentam no mercado através de uma série de volumes (projectada, ou mesmo já escrita) que exploram um novo universo, ou uma personagem (mais ou menos) carismática, fenómeno esse que se manifesta de forma mais visível nos géneros do fantástico (sobretudo Fantasia e Ficção Científica) e no policial. Comercialmente, tal aposta é compensadora ao criar na percepção do consumidor a consciência de um novo “nome/marca”, passível de permitir uma mais fácil identificação, e obviando assim à luta que os novos e emergentes autores têm de travar para se afirmarem através da acumulação de uma massa de trabalhos variada e inovadora; na vertente editorial, a aposta em tais “séries instantâneas” pode ser recompensada pela rápida criação de uma “franchise” de sucesso automático.
Na vertente negativa de tal fenómeno conta-se, as mais das vezes, a inultrapassável mediocridade de tais séries, que se limitam à reciclagem (por vezes mesmo, pobremente encapotada) de receitas de outras séries, já testadas no mercado. O mesmo é dizer, por cada George R.R. Martin ou Steven Erikson, surgem dúzias de David Eddings ou Robert Jordans.
No caso de His Majesty’s Dragon, a aposta é suficientemente inovadora para merecer apenas comparações referenciais com a saga dos Dragonriders of Pern, de Anne MacCaffrey e com as aventuras navais de Patrick O’Brian, às quais poderíamos acrescentar, igualmente, a superlativa série de C.S. Forrester (Horatio Hornblower) ou, no patamar entre a Fantasia e a Ficção Científica, a série The World in Darkness de Harry Turtledove. Atrever-me-ia mesmo a afirmar que um importante catalisador para a publicação da primeira parte das aventuras do dragão Temeraire e do seu “piloto” Will Laurence, em rápida sucessão nos Estrados Unidos, foi o estrondoso sucesso de Jonathan Strange & Mr. Norrell, de Susanna Clarke, que operou pela primeira vez, em 2004, o entrecruzar das Guerras Napoleónicas com aspectos de Fantasia.
No aspecto literário, a escrita é fluida e elegante, prestando atenção aos detalhes da época, quer sociais (o sense and sensibility da sociedade da Regeneração, corporizada no espírito cortês de Laurence e na sua relação com o dragão), quer técnico-militares (na exploração, relativamente bem conseguida, da influência de elementos anacrónicos de guerra aérea – baseada em experiências posteriores, sobretudo das duas Guerras Mundiais – nas batalhas históricas das Guerras Napoleónicas). O tamanho do volume (356 páginas na edição paperback americana, 330 na edição hardback inglesa) é adequado ao desenrolar da primeira parte da narrativa, mas impede uma exploração mais aprofundada da sociedade da época e dos seus maneirismos, os quais ficam forçosamente limitados às relações familiares aproximadas (sobretudo entre Laurence e a sua família, e Laurence e a sua ex-prometida) e ao relacionamento da vida militar (sobretudo, neste primeiro volume, nos campos de treino); cabe assim aos dragões – personagens tão bem definidas e individualizadas como as próprias personagens humanas – suportar algumas das características mais interessantes, o que se evidencia deliciosamente quando Temeraire começa a desenvolver inclinações revolucionárias (que são exploradas nos volumes posteriores).
Não obstante o realismo que a autora procura incutir na narrativa, His Majesty’s Dragon é, ainda assim, uma obra de Fantasia (e, não, por exemplo, um Universo Alternativo de Ficção Científica), o que é bem patente no negligenciar de alguns aspectos a que uma obra de FC teria obrigatoriamente que responder: nomeadamente, a génese e desenvolvimento dos dragões (que, no contexto da obra, sempre estiveram presentes), a aerodinâmica dos combates aéreos (empolgantes e bem descritos, mas impossíveis) e a economia dos dragões como arma de guerra (se os dragões comem 3 ou 4 vacas por dia, como podia a agro-pecuária inglesa sustentar um Corpo Aéreo com tantos dragões?).
Alguns destes aspectos (magnificamente explorados, por exemplo, em The Iron Dragon’s Daughter de Michael Swanwick) servem, no entanto, para fortalecer a narrativa, ajudando-a a centrar-se no seu objecto central: concretamente o estreitamento de laços entre Laurence e o seu dragão, ao mesmo tempo que se afasta da sociedade aristocrática, e o ultrapassar (climático e bem conseguido) da inferioridade de Temeraire, raro dragão chinês, face aos seus companheiros e adversários, capazes de cuspir fogo e ácido. O simples facto de a autora nos dar a entender que os dragões sempre existiram, e são para a humanidade tão normais como os cavalos, ajuda o leitor a aceitar mais facilmente o universo alternativo em que é convidado a entrar.
1 comentário:
Gostei do His Majesty's Dragon,mas sabe a pouco. Faltou-lhe mais profundidade e ambição em muitos aspectos. A autora devia ter tido mais coragem, como Clarke teve, na forma como descreveu a sociedade que escolheu abordar.
Quanto a isto:
"...e o ultrapassar (climático e bem conseguido) da inferioridade de Temeraire, raro dragão chinês, face aos seus companheiros e adversários, capazes de cuspir fogo e ácido."
Falamos do mesmo livro? Tens a certeza de que leste o final do "His Majesty's Dragon", meu caro? ai ai ai ;)
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