sábado, 21 de julho de 2007

IS HARRY POTTER A GHASTLY HOLLOW?


Ao escrever estas linhas, se tudo correu bem, o sétimo volume da série Harry Potter começou a ser distribuído pelos milhares de leitores que durante horas, um pouco por todo o mundo, formaram filas intermináveis à espera de um exemplar de Harry Potter and the Deathly Hallows, último volume da heptalogia que mais livros vendeu em toda a história da humanidade.

Fixemo-nos nesta frase, pela importância que tem: “em toda a história da humanidade”.

Admito que, num cálculo cumulativo, livros como a Bíblia, o Corão, A Origem das Espécies, e poucos mais, terão vendido um total superior à saga Harry Potter; mas quantos desses títulos foram activamente procurados pelos seus leitores – leitores que provavelmente nunca antes leram um livro – para serem lidos pelo mero prazer da leitura?

Neste momento, Rowling vive o sonho de qualquer escritor… a primeira edição norte-americana deste último volume da saga recebeu uma anunciada tiragem de 2.500.000 exemplares.

Nas próximas quarenta e oito horas pelo menos um quinto dos volumes vendidos já terá sido lido de capa a contra-capa por leitores ávidos de descobrir a resposta à pergunta: pode Harry Potter morrer?

Milhões de jovens leitores por todo o mundo leram os seis volumes anteriores – muitos, mais do que uma vez - no que totaliza quase três milhares e meio de páginas. E prepara-se para enfrentar mais oitocentas. Em inglês, porque a edição nacional, da Presença, só lá para Outubro chega às bancas, obrigando, certamente, a uma repetição das filas de hoje.

Curiosamente, uma rápida leitura dos blogues habituais (e refiro-me aos blogues de referência, não aos de fãs entusiastas), revela um silêncio comprometido perante este fenómeno. Apenas O Sonho de Newton de David Soares se lhe refere, numa pertinente reflexão sobre um episódio mais aterrador do que qualquer dos monstros que surgem nas páginas de Rowling.

Confesso que não sou apreciador da saga Harry Potter; mais, tenho tendência para antipatizar de imediato, seja com que obra for, que estabeleça categorias excludentes entre aqueles que acreditam e aqueles que não: e a designação de muggles para todos aqueles que não acreditam, e pior – que não têm acesso – ao mundo da magia, invoca de demasiado próximo o gérmen de um fundamentalismo que nunca conduz a coisas boas. E reconheço que não consigo compreender o que pode levar alguns marmanjos de barba rija a enfiarem-se nas filas com as criancinhas atrás de um livro que nunca leriam quando crianças.

Mas o facto inescapável, é que numa noite fria de Julho, milhares de crianças que mal sabem ler português, fizeram fila para arrebatar um livro, com cerca de oitocentas páginas, escrito em inglês.

Que isso aconteça num país onde o Público noticiava, há precisamente uma semana, que praticamente três quartos dos estudantes não conseguia perceber o conteúdo dos testes escolares de português, e onde o “leitor habitual” lê menos de três livros por ano, é facto que devia obrigatoriamente suscitar questões de fundo sobre o sistema educativo, o programa escolar e o ridículo e oportunista Plano Nacional de Leitura.

E a nós, defensores e estudiosos da Literatura Fantástica, gostemos ou não de Harry Potter, o facto de ser um livro de Fantasia o único capaz de mobilizar estes exércitos de leitores jovens, não nos deve envergonhar; muito pelo contrário.

Atribui-se normalmente a Inácio de Loyola o dito “Entreguem-me as crianças e eu devolver-vos-ei cristãos”; pois bem, o Fantástico já apanhou as criancinhas… compete-nos a nós, ajudá-las a crescer.

1 comentário:

Antonio de Macedo disse...

Caríssimo João!
Antes de mais nada parabéns pelo blog, já tardavam as minhas felicitações!
Tenho lido os posts com sistemática atenção, há coisas com que concordo, outras que nem por isso, mas a indiscutível qualidade do conjunto é suficientemente apelativa para a continuidade do interesse espevitado.
Quanto a este "Is Harry Potter a Ghastly Hollow?" confesso que tropecei numa frase que me pôs alguns neurónios a borbulhar... Ei-la:

"... tenho tendência para antipatizar de imediato, seja com que obra for, que estabeleça categorias excludentes entre aqueles que acreditam e aqueles que não: e a designação de muggles para todos aqueles que não acreditam, e pior – que não têm acesso – ao mundo da magia, invoca de demasiado próximo o gérmen de um fundamentalismo que nunca conduz a coisas boas."

Estou frito! Eis-me réprobo e votado às límbicas regiões pairantes entre o purgatório donde talvez me safe e o inferno onde o triste incréu sofre churrascaria até ao fim do universo e mais seis meses, fora o IVA - e tudo iso porque me dou ao luxo de acreditar!! Sim!, acredito cepticamente mas devotamente em magias, astrologias, cabalas, alquimias... ou não fosse eu um anarco-místico! É por isso que nas minhas ficções levo tanto a sério a crença nas impossibilidades... só assim é que posso fazer humor com elas, desde o humor rasteiro que mal se nota ao humor mais descarado e desavergonhado, porque não resisto a gozar com coisas sérias. Sempre que posso, sigo o conselho que a Rainha deu a Alice quando esta se lhe queixava ("Through the Looking-Glass") que não conseguia acreditar em coisas impossíveis, e a Rainha lhe respondeu que era tudo uma questão de prática:
"I daresay you haven't had much practice," said the Queen. "When I was your age, I always did it for half-an-hour a day. Why, sometimes I've believed as many as six impossible things before breakfast."
Bom, confesso qua ainda não estou tão treinado como isto, por mais que me esforce ainda não consigo acreditar em pelo menos seis coisas impossíveis antes do pequeno-almoço - mas estou quase! Estou quase!!!