A iconografia do pulp ou do retro-pulp baseia-se muitas vezes num anacronismo (retro)futurista. O sentido de aventura do romance histórico cruza-se com um tecno-futurismo sonhado mas nunca concretizado. A asa voadora de Raiders of the Lost Ark (1981), o biplano suspenso do Zeppelin em Indiana Jones and the Last Crusade (1989) ou o Zeppelin a atracar no topo do Empire State Building em Sky Captain and the World of Tomorrow (2004) representam projectos efectivamente existentes mas nunca concretizados. O retrofuturismo pulp é uma nostalgia pelo futuro inconcretizável, numa eterna infância histórica, de um momento concreto sempre no dealbar de um amanhã prometido.
Em 1937, a Republic Pictures apresentou o primeiro seriado em 15 episódios que adaptava as aventuras do herói dos comics criado por Chester Gould, Dick Tracy. Tracy, interpretado por um dos mais populares actores de serials, Ralph Byrd, procura impedir os esquemas criminosos do The Lame One, líder do denominado Spider Gang. Nos dois primeiros episódios, o sinistro vilão serve-se de uma gigantesca asa voadora equipada com canhões ultrasónicos (enormes altifalantes) para destruir a Golden Gate Bridge.
Lembro-me de ter visto este seriado na RTP, ao fim da tarde dos Domingos, algures em finais dos anos 70. Dele retive sempre a Asa Voadora e a ponte a ser bloqueada por um dos camionistas a soldo dos malfeitores, que assim procurava frustrar o plano de Tracy de obstar à vibração da estrutura ao sobrecarregá-la com centenas de camiões . Os cliffhangers que terminavam cada um dos episódios eram verdadeiramente empolgantes, com Tracy a pilotar um avião que explodia contra uma ponte, numa lancha a ser esmagado entre dois navios, amarrado na caixa de carga de um camião que tombava de um desfiladeiro. Os automóveis eram magníficos, as cenas de pancadaria faziam-nos querer imitar os nossos heróis mas, pelo menos para mim, foi sempre a Asa Voadora que definiu aquela série. Um estilhaço do Futuro que se cravava na monotonia monocromática do presente.
2 comentários:
Tоварищ мой !
Quis o acaso (não acredito em acidentes do destino...) que tropeçasse no teu soberbo blog, que é uma autêntica jóia.
Muito interessante, este post alusivo à iconografia do retrofuturismo pulp! Também guardo nos gavetões da memória esses fins de tarde de domingo passados a ver os episódios da adaptação seriada de Dick Tracy. Tem piada, mas foi preciso ler o teu texto para recordar essa fabulosa asa voadora, da qual nunca falámos em tantos anos de interesse comum pelas máquinas voadoras, reais ou imaginárias! Pois bem, a asa voadora do Spider Gang não só existiu como também voou nos idos de 1933, um monstro improvável - 53m de envergadura, 7 motores, 8 canhões de 20mm e 8 metralhadoras de 7,62mm - concebido pelo OKB de Konstantin Kalinin, um especialista em... asas voadoras e/ou aviões sem cauda:
http://www.aviation.ru/k7/k7giant.html
Aliás, estes aviões gigantes, uma vezes asas voadoras de tipo integral, outras reduzidos a twin-boomers com fuselagens vestigiais, de visual deliciosamente retrofuturista, têm povoado o mundo da BD, dos comics e até do anime, desde o Asa Vermelha, pilotado pelo vilão Olrik de Edgar P. Jacobs ao serviço do Império Amarelo, devedor das asas voadoras Northrop XB-35 e YB-49, até ao apocalíptico Gigant/Jomana imaginado pelo genial Hayao Miyazaki, que faz a sua aparição num dos últimos episódios de Conan, Boy in the Future, sem dúvida inspirado por projectos americanos e soviéticos dos anos 50 para bombardeiros de dimensões e propulsão pouco ortodoxos, descomunais aquelas e nuclear a última...
Abraço,
R.
Salve Tovarich!
E bem-vindo por cá! É um prazer indescritível recordar essas nossas longas conversas noite dentro, aconchegadas por chávenas duplas de café, goles de schnapps ou do delicioso licor de chocolate vindo de Espanha.
E obrigado pela riqueza de informação sobre a asa voadora... Quem não te conhecia, já não tem dúvidas de que continuas a ser a nossa sumidade em aviação e armamento.
Um grande abraço,
Seixas
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