domingo, 2 de setembro de 2007

CONTAGEM DECRESCENTE II: MOTELx



É já daqui a três dias que arranca o MOTELx, Primeiro Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa. A mostra, organizada pelo Cineclube de Terror de Lisboa, apresenta-se ambiciosa, buscando assegurar um nicho ao lado de outros festivais como o de Sitges, San Sebastian, o Frightfest de Londres (estes são os meus favoritos, não necessariamente os que a organização elenca no seu site) e mesmo o nosso doméstico Fantasporto.

É claro que, tratando-se de um primeiro esforço, a selecção dos títulos ficará a dever muito às idiossincrasias dos organizadores; e, não sendo uma mostra competitiva, não podemos esperar ante-estreias de nomeada; no entanto, a aposta na série Masters of Horror, e a presença do seu criador, Mick Garris, em Lisboa para os cinco dias do festival (5 a 9 de Setembro) não podem deixar de constituir um excelente presságio para a continuidade do projecto.
Que dizer, então das escolhas?

Antes de mais, saudar a abundância de documentários temáticos; a inclusão de retrospectivas de carreira de dois cineastas, Ivan Cardodo e Guillermo del Toro, cuja obra, pouco conhecida a do primeiro, internacionalmente louvada a do segundo, tem ao mesmo tempo o cunho dos seus países de origem e uma universalidade flagrante, ambas capazes de absorver as estruturas, modas e temáticas do horror comercial e mais mainstream, digerindo-as e regurgitando-as com uma frescura não só bem-vinda como verdadeiramente inovadora; por fim, correndo o risco de ofender os seus fãs, a ausência de títulos de J-Horror, mais um sinal de que o subgénero se aproxima do esgotamento.

De certa forma, é de esgotamento que temos que falar ao abordar a programação deste primeiro festival de cinema de horror de Lisboa, que surge numa altura em que o Fantasporto, festival de referência em Portugal, experimenta um sucesso de tal forma alargado que escancarou as portas à entrada de obras comerciais que apenas marginalmente tocam o Fantástico, deixando na penumbra outros títulos e realizadores que exigiam uma maior exposição.

Esgotamento, também, o das fórmulas do cinema de Horror de ampla distribuição, preso num círculo vicioso de remakes e repetições, que adormecem as faculdades críticas das audiências e potenciam a imbecilização de conteúdos [caso paradigmático o do J-Horror despoletado por Ringu (Hideo Nakata, 1998) que rapidamente degenerou numa repetição de fantasmas de cabelos negros e utensílios electrónicos amaldiçoados, até exalar o bafo final com a série de TV Prayer Beads (Masahiro Okano, 2004)].

Atentemos no facto de que os últimos três anos nos trouxeram remakes de The Texas Chainsaw Massacre (Hooper, 1974, Nispel, 2004), Halloween (Carpenter, 1978, Zombie, 2007-2008), The Hills Have Eyes (Craven, 1977, Aja, 2005), Dawn of the Dead (Romero, 1978, Snyder, 2004), anunciando-se para breve o remake de The Last House on the Left (Craven, 1971).

Sintomaticamente, quatro destes filmes e cineastas são abordados no documentário The American Nightmare (Adam Simon, 2000), que marca o arranque do MOTELx, pelas 21h30 do próximo dia 5 de Setembro, nas salas dos cinemas S. Jorge. Seguindo de perto a tese que Robin Wood expende no seu clássico The American Nightmare: Essays on the Horror Film (1979), Simon analisa de uma perspectiva sócio-cultural aquele seminal período de produção fantástica compreendido entre 1968 e 1977, e que, na opinião de ambos, apenas pôde emergir pela concentração, nesse intervalo, de vários acontecimentos chave do século XX americano: a guerra no Vietnam, o Massacre de Kent State, Woodstock, Altamont, o movimento pelos direitos cívicos e o pico da revolução sexual. Foi um período de intensa e furiosa criatividade por parte de um grupo de jovens realizadores como Romero, Carpenter, Craven, Hooper, Cronemberg (todos eles entrevistados no documentário) e outros mais que, praticamente sozinhos, e sem o auxílio da maquinaria pesada dos grandes estúdios, redefiniu o género do Horror, reduzindo o mal à escala niilista do humano [daí a exclusão do âmbito do documentário, de outros títulos seminais contemporâneos como The Exorcist (Friedkin, 1973) ou Jaws (Spielberg, 1975)], como que procurando reflectir aqueloutro mal (político, económico-ambiental e social) que viam à sua volta.

Neste particular, Simon é certeiro na identificação que faz de imagens de corpos queimados e a serem arrojados para lixeiras em filmes como The Crazies (Romero, 1973) ou Rabid (Cronemberg, 1976), com outras idênticas de massacres no sudeste asiático; ou cenas de zombies a avançar cambaleantes pelas ruas, com jovens que se agitam frenéticos ao ritmo do disco sound.

Foi um período breve, sangrento e brutal, que uma dezena de realizadores resolveu comentar e perpetuar num grupo de obras que sobressaem do plano contínuo do género como picos nevados de um tapete de nuvens… e todos sabemos como a neve ao sol do ocaso, adquire a tonalidade do sangue.

A escolha de The Americam Nightmare para a abertura do festival funcionará – assim espero – como um aliciante manifesto do tipo de cinema de Horror privilegiado pelos organizadores.

2 comentários:

Anónimo disse...

E também vão aproveitar para lançar a antologia "Contos de Terror do Homem-Peixe", penso eu.

João Seixas disse...

Olá Ricardo!
Sim, é verdade, já no dia 06, pelas 19:00, na sala 2 dos cinemas S. Jorge. Mais novidades do post seguinte, ou no site www.motelx.org.