segunda-feira, 2 de junho de 2008

50 Doors into SF 02: O Braço do Terminator


Por razões óbvias, 1984 foi um ano ímpar na produção de cinema de Ficção Científica. Sob a sombra de Orwell, no auge da Guerra Fria, são vários os títulos a invadir os cinemas, desde a inevitável adaptação cinematográfica do 1984 (Michael Radford), aos devaneios crísticos de Starman (Carpenter), as fantasias paranóicas de Red Dawn (John Milius) ou a space opera adolescente de The Last Starfighter (Nick Castle). Nem Portugal ficou isento ao entusiasmo, tendo a Cinemateca organizado o Grande Ciclo do Cinema de Ficção Científica, evento que, pela primeira vez, trouxe à ribalta um jovem trintão chamado João Barreiros.

Em 1984, ao sentar-me num cinema em Olhão durante as férias de Verão para ver um filme chamado The Terminator (James Cameron), não fazia menor ideia de quem era Orwell (que era muito falado em todos os lados) e pouco tinha lido de FC que não os tie-in da Galáctica (memoráveis adapatações de Robert Thurston e Nicholas Yermakov, publicadas pela Europa-América) e de Flash Gordon (do próprio Raymond).

Duas horas depois, saía do cinema com uma nova perspectiva do mundo. Voltei mais duas vezes para ver o filme nessa mesma semana. Hoje, The Terminator é um clássico de culto, uma obra incontornável dos cânones cinematográficos da FC, mas naquela altura, naquele ano, para mim, foi uma autêntica revolução, idêntica à que Star Wars e King Kong me tinham causado em 1976 e 1977 e Superman em 1978.

Obviamente, o filme tem momentos inesquecíveis: a materialização do exterminador, nu, em torno do entulho que rodopia; a forma como repete as frases ("nice night for a walk") do grupo de heavies; o coração arrancado do peito; a forma metódica como parte à caça de Sarah Connor; o assalto à esquadra de polícia ("I'll be back"), as perseguições imparáveis; o magnífico esqueleto cromado a que fica reduzido no final, tudo pontilhado pela obcecante composição de Brad Fiedel.

Schwarzenegger (que escolheu o papel depois de lhe ter sido proposto o de Kyle Reese), tem aqui a sua melhor prestação de sempre. A fotografia de Adam Greenberg fez com que durante anos o meu sonho fosse viver em Los Angeles.

Mas uma imagem ficou-me para sempre gravada na retina, tanto pelo que mostrava, como pelo que dizia: o Terminator, no quarto de um pardieiro sujo, a abrir o braço com um bisturi, despindo os servo-mecanismos a necessitar de reparação. É uma imagem que não precisa de palavras para transmitir a amplitude da ameaça que paira sobre a humanidade: uma máquina imparável, semi-indestrutível, impossível de identificar a olho nu, e que tem a capacidade de auto-diagnóstico e auto-reparação. Ao mesmo tempo a localização de uma tal maravilha técnica num cenário de degradação urbana e humana, parece querer picar-nos, como quem diz, "não seria melhor deixar as máquinas governar? É a este lixo que vocês querem chegar?". Ao mesmo tempo que o laser que transforma o olho ferido da máquina num tição incandescente, invoca o imaginário colectivo de uma dezena de demónios de outros filmes anteriores (com especial destaque, The Amityville Horror).

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