terça-feira, 10 de maio de 2011

Cayatte, volta, está tudo, mas tudo, perdoado....


Num país civilizado, o responsável por uma capa destas ia preso. Ou, se o juíz fosse demasiado leniente, era triplamente sodomizado em praça pública. Diante da família. Como leitor da série Anita Blake, que fui até ao décimo quarto volume e meio, sinto-me insultado com esta capa. Já tive que aturar o imperador Palpatine na capa do Dune, o Burgess Meredith gamado à Twilight Zone na capa do Bonhomme, mas com esta tinha vergonha de andar na rua. As capas originais não são um primor, é certo, mas esta é tão inacreditavelmente má que só pode ser uma afronta aos leitores de literatura fantástica. Estão a cuspir-nos na cara. Enquanto nos dizem, tomem lá, que p´ra vocês não há melhor que isto. Cinco minutos p'ra fazer a capa no laptop enquanto se vai ao WC, que temos os livros da Meyer pr'a preparar. Ou se calhar, o problema é esse, a Meyer fechou as torneiras, com a escassa imaginaçãozita tão espremidinha, tão espremidinha, que é preciso arranjar uma substituta rapidamente. E calhou a rifa à Laurell Hamilton. Pobre moça.

É certo que as capas servem apenas para atrair leitores e muitas vezes nada têm a ver com o conteúdo do livro, mas que conste em acta que os leitores que se sentirem atraídos por esta capa não justificam sequer o ar que desperdiçam na perpetuação da sua miserável existência. Na verdade, deviam ser condenados a passar o resto da vida numa cela forrada com esta capa, com a liberdade condicionada à descoberta de qualquer coisa nela que se aproveite. Boa sorte.

O nome da autora está mal grafado. Perde um L, certamente por efeito do acordo ortográfico que fez perder as consoantes mudas e a vergonha de quem o aplica. O título, para além de deselegante, é um erro básico de português. Se não querem traduzir Guilty Pleasures por pequenos prazeres inconfessáveis, ao menos traduzam por Prazeres Inconfessados. A tradução é incorrecta na mesma, mas ao menos poupa-se a língua. Agora, inconfesso ("que não confessa o que fez; que não se confessou") só pode utilizar-se até se perder a virgindade, ou até à quarta classe - o que acontecer primeiro. Depois aquela tagline tão ao gosto dos putos imberbes que lêem Corin Tellado às escondidas: "O que fazer quando o monstro que jurámos matar se converte no homem sem o qual não podemos viver?"

A resposta é evidente: procurar o livro a que pertence e colá-la lá; bem se podia dizer que a Anita Blake não jurou matar nenhum monstro - como U.S.Marshall que é, só pode executar as criaturas sobrenaturais em cumprimento de mandato judicial ou em legítima defesa - mas se calhar é mais simples dizer que nos quinze volumes que li a moça foi para a cama com vampiros, lobisomens, demónios, metamorfos das mais variadas facções, aos dois ou três de cada vez e nas mais engenhosas combinações, mas nunca, nunca que conste, foi para a cama com um homem. Porra, já sabemos que na Gailivro ninguém lê os livros que publicam, mas não façam as coisas assim tão às abertas.

E que dizer da mocinha, naquela pose tão Cristianne F.-deixou-as-drogas-e-passou-a-acompanhante-de-luxo? Que não tem o cabelo encaracolado de que a protagonista se queixa, que não veste de forma prática como a personagem tantas vezes tem que fazer e que é descrita repetidamente, que não ostenta as cicatrizes nos braços que são uma das suas marcas distintivas e testemunhos de personalidade? Não interessa dizer nada, porque esta capa é apenas mais um sintoma da prostituição (pun clearly intended) a que o Fantástico tem sido submetido nesta era pós-Meyer. O leitor que pegar neste livro, um policial forense duro, uma dark fantasy bem conseguida, um marco da literatura de vampiros, e um dos progenitores distantes do moderno romance paranormal, atraído por esta capa, vai ter um choque ao aperceber-se que não comprou mais uma fantasia pedófilo-platónica de pirilampos crepusculares ao entardecer, anoitecer, aborrecer. Ponha-se na fila e exija o dinheiro de volta.

Já agora, e para que não me acusem de não ser construtivo, aqui deixo a minha sugestão para a capa da biografia da Madre Teresa de Calcutá:

13 comentários:

uhgi disse...

falta um "e" antes do Corin Tellado...

João Seixas disse...

É um fato... perdão, um terno... não, um faCto... Bom, já está corrigido.

Thanks.

Seixas

R.B. NorTør disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
slayra disse...

Ahah, concordo que esta capa não tem nadinha a ver com o conteúdo deste livro em particular, mas olha que não destoava num dos livros mais tardios... O Cerulean Sins ou um daqueles que mostram moto-serras e tesouras cheias de sangue (dos últimos da série) porque no caso desses é ao contrário, vai-se abrir o livro e em vez de um "um policial forense duro" (como sugerem os temas de tesouras ensanguentadas e afins) temos uma orgia de 500 páginas (mesmo à estilo porno) intercalada por info-dump sobre as mais variadas armas (como é que uma mulher com 1 metro e 60 consegue carregar tanta arma escondida?) e cenas em que a Anita Blake tenta ser mais homem do que os homens todos (mesmo à durona dos anos 80). Quanto ao policial forense paranormal, nem vê-lo.

Por isso diria que não é a primeira vez que uma capa de um livro da Laurell K. Hamilton tem um design enganador. Talvez esta seja um prelúdio do que há-de vir em volumes mais tardios. :D

R.B. NorTør disse...

Caro João,

Antes de mais felicitações pelo momento construtivo.

Seguidamente as capas e a ficção. Parece-me que quem as escolhe opta por acreditar demasiado ou em demasia ou em excesso no velho adágio: não se pode julgar um livro pela capa.

Não se julgue no entanto que os nossos são especiais de corrida. Se compararmos o mesmo livro, por duas editoras diferentes (a Tor e a Orbit) vemos o que eu estou a falar. Em causa? Em causa os volumes da Roda do Tempo. Se atentarmos à capa da edição americana (Tor), vemos que na sua maioria o desenho não pode ter sido feito para apelar um público adulto. Já a capa da Orbit (UK) não quer chamar nenhuma criancinha, quer, pelo minimalismo, convidar o leitor a abrir o livro, a conhecê-lo. Pessoalmente sou adepto de capas a dar para o minimalista.

Não quer isso dizer que tudo o que tem desenho seja mau, ou infantilizado. Veja-se a forma como o Senhor dos Anéis é tratado e chega-se à conclusão que se podia perfeitamente fazer uma exposição praticamente com as capas concebidas.

Cruzando as capas apresentadas na tua publicação: aguardo ansiosamente a biografia...

João Seixas disse...

Boas, caro R.B.

Sem dúvida que as estratégias que presidem à escolha das capas são muitas e variadas. E não é raro que uma qualquer ilustração nada tenha a ver com o livro em si.

O problema desta capa da Gailivro, é que vai muito além da escolha da imagem. E o facto de toda a capa ser mentirosa e displicente, desde o erro na grafia da autora (subrepticiamente corrigido no site, após eliminação de um comentário que chamava a atenção para o facto), o erro na tradução do título, a tagline que não tem absolutamente nada a ver com o livro ou com a série... tudo isso traduzindo o maior desrespeito para com os leitores.

É como se, não satisfeitos por inundarem o mercado com a mais injustificada porcaria (desde Paolini a Meyer, passando pelo Filho de Odin), quizessem ainda abastardar os livros de qualidade que publicam.

Imaginem uma capa deste género para o AIR do Ryman ou para o HORNS do Hill...

Aliás, nem me atrevo a imaginar as taglines possíveis para este último.

Um grande abraço,

Seixas

João Seixas disse...

Entretanto, e em virtude da falha sistémica que deixou o blogger aos soluços esta semana, foram perdidos dois três comentários neste post, um de um leitor que chamava a atenção para uma gralha (já corrigida), um outro do R.B. de teor semelhante ao anterior, e um outro da leitora Slayra, que, em traços gerais e (espero) sem distorcer a intenção chamava a atenção para o facto de que se a imagem da capa não condizia com este livro em concreto, já não destoaria de volumes posteriores, que muitas vezes não consistiam em mais do que a descrição de orgias ininterruptas. E que, num paradoxo engraçado, têm, no mercado anglo-saxónico, capas de sentido oposto, com serras e sangue, procurando denotar o policial forense sobrenatural a que me referi.

Infelizmente, quer estes comentários , quer a minha resposta, desapareceram sem explicação, pelo que, caso queiram, podem voltar a colocá-los. Para todos os efeitos, deixo, em baixo, a minha resposta original.

Obrigado,

Seixas

João Seixas disse...

Caríssimos R.B e Slayra,

Sem dúvida, que ambos estão repletos de razão. Os últimos volumes da Anita estão realmente ilegíveis, não tanto pelo tamanho das orgias, mas sobretudo pelo "complexo de culpa" com que a Hamilton sobrecarrega a pobre vampire hunter. Não se aguenta estar a ler uma cena de sexo onde são precisas dezasseis páginas só para despir as calças porque a protagonista reveste cada gesto de uma carga de pesanteur que anula por completo qualquer erotismo que se pretendesse conseguir.

Quando a Hamilton introduziu o sexo explícito, mas ou menos na mesma altura em que começou a escrever a série da Merry Gentry, até achei a coisa bem vinda. A tensão sexual era evidente desde o primeiro volume, e em termos de literatura fantástica já ia sendo altura de alguém modernizar a receita da Sharon Green, do Robert Vardeman e da Jane Gaskell. A Hamilton fez isso e ainda bem.

O "ardeur" até serve como bom pretexto para a pluralidade de parceiros, mas aquelas considerações intermináveis a que ela se entrega..... Boff...

Mas o problema desta capa não é só o aspecto de apelo sexual. Isso não me chocava tanto. As capas da Briggs também o fazem, mas ao menos as moças ainda parecem ter outras armas e outra atitude para lá desse campo.

É mais o facto de procurar encaixar a Anita num nicho onde não pertence por inteiro, mesmo nestes últimos volumes: o romance paranormal. Sobretudo recorrendo àquela absurda tagline qe nada tem a ver com algum dos livros da série. Que me recorde, em nenhum deles a Anita jurou matar o Master Vampire Jean-Claude, nem o lobisomem chorão do Richard, e muito menos os "bi" Jason e Nathaniel, o vampiro desfigurado, ou o über-mensch (metamorfo claro) Micah. E transformar esta autêntica corte de amantes no "homem sem o qual não consegue viver", é mesmo revelar que não têm qualquer respeito pelos leitores.

Na verdade, parecem olhar para os leitores como meros bolsos ambulantes no qual pretendem meter a mão.

No conjunto, toda a capa é mentirosa e fraudulenta, procurando vender algo que não existe. Porque nos primeiros nove livros da série, até ao Obsidian Butterfly (e sobretudo neste, onde o meu personagem favorito, Edward, tem quase o center stage) são livros bem duros e sem grandes lamechices.

Mas é uma atitude editorial com que ninguém deve pactuar. Andamos nós a bater-nos pela melhoria da qualidade do fantástico, e estas editoras, só porque se habituaram a vender por receituário a leitores acéfalos, nem se preocupam em publicitar o livro que realmente estão a oferecer, preferindo fazê-lo passar pela bosta que ele não é.

Enfim, como diz o Barreiros, "tristes tristezas"...

Um grande abraço,

Seixas

uhgi disse...

caro joão, desculpe a insistência mas continua lá o "lêm", quando o correcto é "lêem"

João Seixas disse...

Caro Uhgi,

Tem toda a razão. Já tinha corrigido isso, mas está visto que o crash do blogger apagou as correcções juntamente com os comentários. Agora está (esperemos que definitivamente).

Abraço,

Seixas

Marco Lopes disse...

A capa em si é apenas mais uma, igual a tantas outras, sem nada de especial que a distinga nesse oceano de (quase) uniformidade que são as prateleiras das livrarias e das grandes superfícies. E se capa em si, nem aquece nem arrefece o mesmo não se poderá dizer do erro no nome da autora, na minha modesta opinião, grave, porque do pouco que conheço do processo de edição de um livro, ele teve que passar por varias mãos antes e depois de ir para a gráfica, com os originais, as provas, etc e ninguém notou que o nome da autora estava mal. O que se pode concluir é que se, e como diz o povo, "errar é humano" então eles lá são do mais humano que há, o que é bonito numa empresa tão grande como é o grupo Leya.

E já agora interessa que a capa tenha muito pouco ou mesmo nada a ver com o conteúdo? Nada, digo eu, o que realmente interessa é que ela fique bem no meio dos outros livros sobre o mesmo, ou da moda como eu lhe costumo chamar, não pode é destoar, não vão os compradores alvo estranhar ou pior não o reconhecer e não os comprar, não isso não, portanto igual aos outros para que fique bem no monte.

Quanto à frase (também) não corresponder ao conteúdo, volta-se a utilizar a lógica que já se utilizou para a capa, porque já se sabe que em equipa que ganha não se mexe. Além disso o João já pensou no numero de enxaquecas, depressões e quiçá AVC's que atingiriam os compradores mais incautos e sensíveis se se deparassem com referencias na capa, por exemplo a Bram Stolker ou Mary Shelley? Seria uma hecatombe de proporções bíblicas.

Tudo isto sem colocar em causa o valor intrínseco da obra e da sua autora em questão, que segundo a opinião de todos quantos leram e com os quais falei é bastante boa, embora e na linha da opinião do João vá decrescendo lá mais para a frente.

slayra disse...

"que, em traços gerais e (espero) sem distorcer a intenção"

De todo. A capa é ridícula. :P Não se adequa minimamente ao livro. :/

Acho que entretanto os nossos comentários voltaram. :D

R.B. NorTør disse...

Confere Slayra, os comentários estão de volta. Por forma a eliminar redundâncias (e como o segundo foi escrito em casa) apaguei o primeiro, do qual o segundo não passa de uma repetição (com acentuação).