Creio que não sou o único a olhar com nostalgia para o período da guerra fria. Aqueles que vivemos as décadas de setenta e oitenta, experimentamos ainda alguns dos picos do confronto ideológico-militar dos dois super-blocos. Apesar de tudo, do ridículo que hoje nos parece, o despertar para um amanhã iluminado pelos cogumelos nucleares era uma possibilidade bem concreta. A arte e a música populares reflectiam-no. No cinema Rocky massacrava Ivan Drago e colhia o aplauso do Politburo; Rambo liderava os mujaheideen contra a ocupação soviética; os soviéticos, auxiliados por tropas cubanas, ocupavam os Estados Unidos e eram vítimas da guerrilha dos Wolverines em Red Dawn de Millius; e nos comics Ronnie Raygun Reagan apertava a mão do Super-homem; o heróis da Marvel enfrentavam os correlativos soviéticos; a literatura apresentava-nos as melhores obras de LeCarré, Tom Clancy, Forsyth, Little, et. al. e na música, The Russians de Sting, 99 Red Balloons de Nena ou Star Wars de Paul Hardcastle foram verdadeiros hinos da guerra fria (da mesma forma que Winds of Change, dos Scorpions o foram para o colapso da USSR.
É claro que mesmo a escalada de tensão que os exercícios da NATO geraram em 1983 (provavelmente o ano da década de 80 em que o mundo mais se aproximou de um conflito aberto USA-USSR) não se compara minimamente à crise dos mísseis de Cuba em 1962, tal como a paranóia nuclear nunca igualou os anos que antecederam esse episódio.
Dessa paranóia ficaram-nos vários testemunhos, autênticos documentos de uma era que hoje nos parece saída da ficção mais pobre: não só os filmes de ficção científica de monstros e mutantes radioactivos, mas também os filmes oficiais de prevenção de um eventual ataque nuclear aos Estados Unidos.
Filmes com títulos como:
Breves curtas metragens, patrocinadas pelo governo e destinadas a preparar a população para o inevitável confronto que faria surgir um sinistro jardim de cogumelos luminosos. Olhando para trás para esses filmes, é impossível não nos rirmos com a ingenuidade das recomendações (you better keep a flashlight at hand, you might need it), como se nunca tivéssemos visto as imagens das planícies arruinadas em que Hiroshima e Nagasaki se converteram.
Ao invés, é-nos recomendado, mal surja o flash que denuncia a detonação, "to hit face to the ground immediately" e "stay where you are until you're sure it's safe to move", enquanto alguns fragmentos esparsos tombam sobre o actor que se apressa a demonstrar o cumprimento das instruções.
Ou, "if you're inside a house, fall beneath the table".
As instruções, perante o triplo impacto da bomba (the blast, the heat, the radiation), são cada vez mais incríveis: abrigar-se debaixo de uma mesa pode ser o suficiente para nos salvar; ou, o meu favorito, "keep a first aid kit and learn how to stop bleeding".
E a apoteose com uma observação de involuntário humor-negro (ou talvez de freudiana expiação pela contabilidade macabra que os efeitos secundários ainda não tinham encerrado): "If the people of Hiroshima and Nagasaki had known what we know about Civil Defense, thousands of lives may have been saved".
Ao ver estes filmes, ao escutar estas considerações, não consigo deixar de pensar que ideias semelhantes devem ouvir-se hoje em dia à mesa do presidente Ahmadinejad.
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