segunda-feira, 20 de julho de 2009

Comemorando Apollo 11: António de Macedo


«…com uma rapariga, numa noite quente de Verão…»

por António de Macedo


Esta frase foi surripiada de Heinlein, tem a ver com a Lua e com o luar e deixo ao arguto leitor a empreitada de descobrir a que conto pertence!

A Lua, deusa inspiradora e romântico luminar dos namorados, foi profanamente espezinhada pela primeira vez, há quarenta anos, por grossas botas humanas fabricadas no planeta Terra — numa noite quente de Verão.

Milhões de pessoas vibraram com o tal «gigantesco passo da humanidade». Nesse mês de Julho de 1969 eu tinha acabado de completar 38 anos, e trabalhava então a cem por cento como profissional de cinema e televisão, realizando todo o tipo de filmes de forma quase imparável, quer filmes de ficção de longa-metragem quer documentários industriais, culturais, turísticos, etc., já para não falar nos incontáveis spots publicitários de 30 segundos a 1 minuto (sempre filmados, nessa época, em formato profissional de 35mm) para passar nos cinemas e na TV.

No ano anterior tinha-me sido atribuído o Prémio Paz dos Reis pela minha curta-metragem Crónica do Esforço Perdido, sobre as vantagens de uma ginástica descontractiva chamada «ginástica de pausa», praticada durante 10 a 15 minutos no próprio ambiente da empresa ou do serviço público — coisa que parece estar de moda outra vez e chamam-lhe agora «ginástica laboral». (Entre parênteses, vi há poucos dias uma reportagem televisiva onde se dizia que era inovação recente vinda do Japão e da América, quando na verdade existe há mais de 40 anos e veio da Suécia e da Rússia…) A conquista da Lua — a verdadeira, tecnológica, e não apenas ficcional — passou por várias fases; uma das mais curiosas, talvez produto da «guerra fria», fez alguma carreira nos finais dos anos ’40 e nos anos ’50: conceituadas revistas científicas publicaram artigos onde se demonstrava que «quem conquistasse a Lua dominaria a Terra», porque ainda se pensava que uma bateria de mísseis na Lua estaria em posição ideal para fazer pontaria e disparar sobre qualquer nação na Terra! (Eu sei porque li artigos desses). Hoje, claro, podemos dar-nos ao luxo de rir um pouco de tamanha ingenuidade.

Em 1969, enquanto os Americanos ultimavam afanosamente a viagem à Lua na conhecida competição com os Soviéticos, estava eu a acabar um documentário turístico sobre Albufeira e a iniciar um outro, industrial, sobre a extinta Sociedade Nacional de Sabões, que entre muitas coisas, e além de sabões, fabricava margarinas… Ao mesmo tempo, de permeio com as minhas idas e vindas entre Madrid e Lisboa para negociar com o produtor espanhol Montana Films S.A. a futura coprodução da minha longa-metragem A Promessa, escrevi o guião da minha longa-metragem contestatária Nojo aos Cães que filmei nos princípios do ano seguinte, e ia mantendo um estimulante convívio com David Mourão-Ferreira, Natália Correia e Almada-Negreiros para a preparação dum filme sobre este último, que comecei a realizar nesse mesmo ano de 1969 e concluí em 1970, com o título Almada-Negreiros Vivo Hoje.

Claro que a anunciada e iminente viagem à Lua me excitou como a qualquer mortal que se preze, finalmente ia-se concretizar a profecia de H. G. Wells em The First Men in the Moon (1901), mais do que a defensiva aventura de Júlio Verne que pôs os três exploradores do espaço a dar umas voltinhas em torno da Lua sem se atrever a pousar nela, e logo se escapuliram de regresso à Terra. O produtor de cinema com quem eu então trabalhava era o Francisco de Castro, e no dia previsto para a chegada à Lua pedi-lhe emprestada uma câmara profissional de 35mm e película, ele cedeu-me uma e outra, fui para casa e liguei o aparelho de televisão (ainda a P-&-B), e fui vendo as empolgantes notícias à medida que o grande evento se aproximava, enquanto preparava o tripé, a câmara, focava a lente, e ajustava o enquadramento para apanhar todo o ecrã do televisor — tinha de ser muito preciso, só dispunha de um rolo de 120 metros de película 35mm, o que daria para quatro minutos de captação de imagem! Em suma, eu dispunha apenas de 240 segundos para filmar os momentos cruciais. A certa altura da noite os meus filhos António e Susana (que tinham então nove e sete anos respectivamente) foram para a cama, e só fiquei eu com a minha mulher, a pé firme, sem despregar olho do pequeno ecrã.

De vez em quando filmava alguns segundos, para ir localizando a aproximação, até que por volta das quatro da manhã surge a famosa imagem de Armstrong saltando para o solo lunar! Claro que filmei tudo e ainda sobejou alguma película para filmar mais uns saltos na Lua, incluindo Buzz Aldrin que se reuniu a Armstrong 15 minutos depois. Segundo os dados oficiais, o módulo pousou na superfície lunar em 20 de Julho às 20h 17m do tempo universal (UTC), e os primeiros passos na Lua, por Armstrong, foram dados às 3h 56m da madrugada do dia 21 de Julho, de acordo com a hora legal portuguesa.

Eu nessa época morava perto da Tóbis (estúdio e laboratório cinematográfico), de modo que fui a correr às seis da manhã, logo que a Tóbis abriu, pôr a película a revelar, e às dez horas desse mesmo dia já pude ver em projecção, e mostrar no estúdio do Francisco de Castro à entusiasmada equipa, as históricas e inolvidáveis imagens.

Já agora permita-se-me um desabafo, para concluir: tenho para mim que o grande feito desse dia não foi tanto a viagem à Lua, antevisionada, prevista e sonhada por inúmeros autores, quer de séculos antigos quer da era da ficção científica; o que me deixou mais boquiaberto, porém, foi aquilo que nenhum autor de FC alguma vez previu ou imaginou sequer: no próprio instante em que um astronauta chega pela primeira vez à Lua, as imagens do histórico evento são transmitidas em directo para o planeta Terra, e, mais, captadas por vulgares televisores domésticos, podendo ser observadas simultaneamente por 600 milhões de terráqueos!!!

Mais do que um grande passo da era espacial — foi sobretudo o grande passo da era da comunicação.

NOTA APARTE — As estranhas palavras «alunar» e «alunagem» (que devem ter surgido por influência jornalística do francês alunir e alunissage: até aos anos ’60 o francês ainda era a língua cultural de referência por estas bandas) suspeito que resultem de uma confusão derivada do facto de a palavra «terra», em português, não só designar o nome do nosso planeta, mas também significar o solo, o terreno, de quaquer planeta (ou satélite) minimamente sólido, incluindo o solo da Lua, da Terra, de Marte, do Ganímedes de Júpiter, do Titan de Saturno… e de muitos outros. «Aterrar» não significa «pousar no planeta Terra», mas simplesmente «pousar na terra, no terreno» seja de que planeta (ou satélite) for. Em inglês tal confusão não acontece, porque os anglófonos distinguém entre land e Earth. Em inglês, «aterrar na Lua» diz-se naturalmente to land on the Moon, e a tal «alunagem» é moonlanding (= landing on the Moon, aterragem na Lua). Se insistirmos em neologismos como «alunar» e «alunagem», então temos de ser coerentes e passar a dizer «amartar» e «amartagem»; «avenusar» e «avenusagem»; «amercuriar» e «amercuriagem», etc., etc., e nem quero pensar nos incontáveis planetas extra-solares que talvez um dia recebam a nossa visita — os nossos dicionários vão ficar gigantescos com milhões de palavras novas… e completamente inúteis.

1 comentário:

Red Cloud disse...

Toda a razão, meu caro Macedo! O José Mensurado gaba-se de ter "inventado" o termo, mas tenha-o surripiado ou não ao francês, não faz qualquer sentido - ao contrário de "amarar", não se aterra na água do oceano, como é bom de ver. E depois podíamos discutir se devia ser alunar ou aluar... amartar ou arear... etc. e tal.