quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Zé do Caixão em Lisboa



Com a decomposição do Verão, cada vez mais mole no arrastar de Agosto, aqueles que têm sangue nas veias começam a sentir as palpitações de antecipação pela reentré cada vez mais próxima. E, tal como no ano passado, o MOTELx é o primeiro a cravar a estaca no coração moribundo da estação, derramando o rio globulínico que vai alimentar a próxima estação do Fantástico... pelo menos na área do Horror. Na verdade, a aproximação do triste Outono - pelo menos para aqueles que não languescem de delíquos pseudo-góticos - torna-se bastante mais suportável com o descanso de um evento que, com a regularidade dos equinócios e do Fórum Fantástico, ameaça tornar-se um marco incontornável na agenda dos amantes lusos do Fantástico.


Este ano, para além da interessante programação, de onde obrigatoriamente se destacam Diary of the Dead (Romero) e Doomsday (Neil Marshall), não só pelo necessário atractivo comercial, como pelo ponto fulgurante em que se encontra a carreira de ambos os realizadores, o Cineclube de Terror de Lisboa (CTLX) propõe-nos ainda um workshop de realização, simplesmente dirigido pela lenda viva do horror brasileiro, José Mojica Marins, aqui auxiliado pela deslumbrante Liz Vamp (Liz Marins), sua filha.

José Mojica Marins é o criador (diria mesmo a encarnação) do inesquecível Zé do Caixão, personagem ao mesmo tempo bizarra, sinistra e divertida, que com o seu visual de capa e cartola negras e longas unhas recurvas, depressa se tornou um ícone internacional, fascinando ao mesmo tempo o público e a crítica franceses e americanos, através de filmes como À MEIA NOITE LEVAREI SUA ALMA (1963), O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO (1968), O DESPERTAR DA BESTA (1970) ou ESTA NOITE ENCARNAREI NO TEU CADÁVER (1967), alguns dos quais poderão apreciar também na mostra.

Com Zé do Caixão, Marins cria uma persona recorrente e cativante, à semelhança de Valdemar Daninsky do espanhol Paul Naschy (Jacinto Molina), ou da Elvira de Cassandra Peterson, capazes de se elevarem acima das obras individuais (de qualidade variável) que protagonizam. Em Portugal, como sempre acontece com estas coisas, Marins apenas foi reconhecido pelo Fantasporto de 2000, que o considerou uma revelação (que pecou por muito tardia, diria eu).

As inscrições para o workshop, limitadas a 25, terminam no próximo dia 02 de Setembro, pelo que o melhor é apressarem-se a telefonar para a Mafalda Correia ou para a Carla Carreira, através dos telefones indicados na imagem supra. Uma vez que do workshop vai resultar uma curta metragem de horror, parece-me uma oportunidade a agarrar com unhas e dentes.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

He's done it again...



Provavelmente, vocês terão estado mais atentos a estas coisas do que eu. Mas a verdade é que Pedro Marques voltou a colocar um magnífico post sobre capas de ficção científica no seu cada vez mais incontornável Montag. Desta feita, embora não exclusivamente, o Pedro refere-se à linha gráfica da mítica casa editorial Doubleday & Co. que escavou brechas profundas no mercado editorial de FC, desde logo com a ajuda de Frederik Pohl, autor que dirigiu a Galaxy e a If nos seus períodos áureos, ao mesmo tempo que era (e foi o único) agente do gigante Asimov (uma indústria em forma humana), que viria a ser um dos autores mais fiéis da chancela. Marques inclui o post na sua fascinante série de comentários gráficos ao ano de 1968 (que adquiriu uma certa aura na Europa que eu nunca vou conseguir compreender), altura em que a publicação de FC pela Doubleday estava no auge; efectivamente, logo no ano anterior, tinha sido sob essa chancela que Harlan Ellison dera à estampa o histórico volume Dangerous Visions (1967), a obra que acabou, de certa forma, por definir o movimento New Wave da FC, iniciado por Moorcock na revista New Worlds em 1964.
O Pedro aborda ainda, e apenas de passagem, o Science Fiction Book Club, que era uma divisão da Doubleday que tinha a particularidade de publicar também livros de outros editores, em edição harcover.
No entanto, nada melhor que ir à fonte, e beberem directamente das observações do Pedro, que nestas coisas gráficas, é praticamente imbatível. E aproveitem para se deliciar com algumas capas surpreendentes, de títulos bem conhecidos...

domingo, 24 de agosto de 2008

Sobreviver ao cogumelo



Creio que não sou o único a olhar com nostalgia para o período da guerra fria. Aqueles que vivemos as décadas de setenta e oitenta, experimentamos ainda alguns dos picos do confronto ideológico-militar dos dois super-blocos. Apesar de tudo, do ridículo que hoje nos parece, o despertar para um amanhã iluminado pelos cogumelos nucleares era uma possibilidade bem concreta. A arte e a música populares reflectiam-no. No cinema Rocky massacrava Ivan Drago e colhia o aplauso do Politburo; Rambo liderava os mujaheideen contra a ocupação soviética; os soviéticos, auxiliados por tropas cubanas, ocupavam os Estados Unidos e eram vítimas da guerrilha dos Wolverines em Red Dawn de Millius; e nos comics Ronnie Raygun Reagan apertava a mão do Super-homem; o heróis da Marvel enfrentavam os correlativos soviéticos; a literatura apresentava-nos as melhores obras de LeCarré, Tom Clancy, Forsyth, Little, et. al. e na música, The Russians de Sting, 99 Red Balloons de Nena ou Star Wars de Paul Hardcastle foram verdadeiros hinos da guerra fria (da mesma forma que Winds of Change, dos Scorpions o foram para o colapso da USSR.

É claro que mesmo a escalada de tensão que os exercícios da NATO geraram em 1983 (provavelmente o ano da década de 80 em que o mundo mais se aproximou de um conflito aberto USA-USSR) não se compara minimamente à crise dos mísseis de Cuba em 1962, tal como a paranóia nuclear nunca igualou os anos que antecederam esse episódio.

Dessa paranóia ficaram-nos vários testemunhos, autênticos documentos de uma era que hoje nos parece saída da ficção mais pobre: não só os filmes de ficção científica de monstros e mutantes radioactivos, mas também os filmes oficiais de prevenção de um eventual ataque nuclear aos Estados Unidos.

Filmes com títulos como:



Breves curtas metragens, patrocinadas pelo governo e destinadas a preparar a população para o inevitável confronto que faria surgir um sinistro jardim de cogumelos luminosos. Olhando para trás para esses filmes, é impossível não nos rirmos com a ingenuidade das recomendações (you better keep a flashlight at hand, you might need it), como se nunca tivéssemos visto as imagens das planícies arruinadas em que Hiroshima e Nagasaki se converteram.



Ao invés, é-nos recomendado, mal surja o flash que denuncia a detonação, "to hit face to the ground immediately" e "stay where you are until you're sure it's safe to move", enquanto alguns fragmentos esparsos tombam sobre o actor que se apressa a demonstrar o cumprimento das instruções.



Ou, "if you're inside a house, fall beneath the table".





As instruções, perante o triplo impacto da bomba (the blast, the heat, the radiation), são cada vez mais incríveis: abrigar-se debaixo de uma mesa pode ser o suficiente para nos salvar; ou, o meu favorito, "keep a first aid kit and learn how to stop bleeding".



E a apoteose com uma observação de involuntário humor-negro (ou talvez de freudiana expiação pela contabilidade macabra que os efeitos secundários ainda não tinham encerrado): "If the people of Hiroshima and Nagasaki had known what we know about Civil Defense, thousands of lives may have been saved".



Ao ver estes filmes, ao escutar estas considerações, não consigo deixar de pensar que ideias semelhantes devem ouvir-se hoje em dia à mesa do presidente Ahmadinejad.

sábado, 9 de agosto de 2008

Brightness falls from the air...



Por volta das onze horas e um minuto da manhã do dia 9 de Agosto de 1945, uma abertura na cobertura de nuvens permitiu ao artilheiro do B-29 "Bockscars", capitão Kermit Beahan, localizar visualmente o alvo do segundo bombardeamento atómico da história da humanidade. A Fat Man, prevista para atingir a cidade de Kokura, acabou por ser lançada sobre Nagasaki, alvo secundário, devido à cobertura de nuvens que impedia completamente a visibilidade sobre o alvo principal.



A bomba mergulhou durante quarenta e três segundos, antes de deflagrar a cerca de 469 metros de altitude, resultando num raio de destruição total de mil e seiscentos metros, e riginando a deflagração de incêndios numa extensão de três mil e duzentos metros através da zona norte da cidade.



A explosão sobre Nagasaki, apenas três dias após a destruição similar de Hiroshima, obrigaram à rendição incondicional do Japão, tornando desnecessários outros bombardeamentos semelhantes. No entanto, o exército norte-americano aguardava ter disponíveis para utilização outras sete bombas entre Agosto e Outubro, para apoioar a planeada invasão do território japonês.



Certamente, o mundo teria sido muito diferente se o uso de armas atómicas não se tivesse confinado àquelas duas manhãs que a História não nos permitirá jamais esquecer. As páginas da ficção científica, porém, são ricas em cenários pós-apocalípticos provocados por um uso incontrolado do arsenal nuclear que se foi acumulando durante a guerra fria. Não duvido, como Bradbury afirmou certa vez, que a obsessão que a FC manifestou com o horror nuclear entre os anos 50 e 80 do século XX, foi em grande parte responsável pela contenção no uso dessas armas. Também não duvido, que as suas disparatadas historietas de mutantes radioactivos e gigantescos insectos geraram grande parte da aversão ao nuclear que nos tem mantindo estupidamente reféns do uso do petróleo.



Em The Imagination of Disaster, um ensaio influente mas não muito elaborado, incluido no volume Against Interpretation (1966), Susan Sontag, referindo-se apenas aos filmes de FC dos anos 50, reconhece aquele que é (indubitavelmente) um dos maiores prazeres do visionamento desses filmes (e, diria eu, da leitura de algumas obras do género), ao escrever que " science fiction film is concerned with the aesthetics of destruction, with the peculiar beauties to be found in wreaking havoc, making a mess" (p.213).



Essa estética da destruição, emergiria dos perigos naturais do (ab)uso da ciência e da tecnologia, ampliados à última potência pelo símbolo desse (ab)uso, a Bomba, a ponto de Sontag identificar em todas as ameaças futuras ou alienígenas da FC, uma metáfora para esse espectro damocleano em constante pendência sobre o cachaço da humanidade.



Embora Sontag exclua o prazer estético da destruição, da literatura de FC ("But in place of an intellectual workout, they can supply something the novels can never provide—sensuous elaboration", p.212), não nos é difícil reconhecer essa elaboração sensual na própria literatura, de tal forma que será válida para ambos os meios a afirmação de que "(...) one can participate in the fantasy of living through one’s own death and more, the death of cities, the destruction of humanity itself" (idem).

Por vezes interrogo-me que teria pensado Sontag se tivesse lido a saga da Purple Invasion, nas páginas do Operator #5? Pese embora ter protagonizado 48 aventuras entre Abril de 1934 e Dezembro de 1939, escritas por Frederick C. Davis e Emile C. Tepperman, sob o pseudónimo editorial Curtis Steele (informações mais pormenorizadas podem encontrar-se no incontornável The Great Pulp Heroes (1996,2007) de Don Hutchinson), o Ás do Serviço Secreto norte-americano ficou na memória dos leitores pelas treze últimas novelas, as quais constituem a narrativa (inacabada) da invasão dos Estados Unidos pelos exércitos de Rudolfo I da Bulkaria, o Imperador Púrpura.

Ao longo das treze desesperantes aventuras, onde parece ser impossível derrotar as tropas invasoras, apesar do heroísmo dos rsistentes (em alguns trechos, é fácil encontrar momentos percursores de outros encontrados no Red Dawn (1984) de John Millius), os Estados Unidos são varridos por armas extremamente avançadas, numa sucessão de calamidades, derrotas e reveses que só a inflamada escrita pulp consegue transmitir adequadamente.



Há, porém, no último número publicado (The Army From Underground, em Dezembro de 1939), uma passagem profética, cuja leitura ainda hoje provoca arrepios na espinha:

Soon they reached the edge of the recognizable ruins and were picking their way through a desolation that resembled the debris-littered trail of a devastating tornado. Wreckage encompassed them on every side. Tall buildings had been flattened, stout steel girders twisted and snapped, concrete shattered and crumbled. Streets had ceased to exist, except as barely distinguishable canyons through the mounds of litter. And nowhere was there a living human being... only mangled, half-burned corpses to indicate that this stricken wilderness had once been a great city. (...)
«Everything is destroyed», one dazed worker told them as he tore away tumbled wreckage in an attempt to reach a screaming woman pinned beneath the debris. «Philadelphia is wiped out... everything but the suburbs. It'a all gone - disappeared. Houses, cellars, bomb-proof shelters - all blown to nothing.»
His incredible words were all too true. Operator #5 found them corroborated even before the grey light of dawn revealed the tremendous crater that was the huge empty grave of the Quaker City. Philadelphia had been utterly obliterated, wiped from the face of the earth - with a loss of life that probably would reach a million!
«They never had a chance», he said bitterly as he stared out over that terrible waste. «This is the most ghastly mass murder the world has ever seen - the most heinous crime ever committed agains an innocent and defenseless people!»
A primeira bomba atómica tinha sido lançada sobre os Estados Unidos.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Happy Birthday, Mata Hari



Mata Hari, nascida Margaretha Geertruida Zelle, passou à história como símbolo da femme fatale, capaz de ajoelhar os militares mais experientes perante a beleza e sensualidade dos seus bailados éxóticos/eróticos. As fotografias que nos restam da mais famosa espia da história, descontando os sempre volúveis padrões de beleza, mostram-nos uma mulher que era tudo menos isso: Russel Warren Howe, aliás, no seu livro Mata Hari: The True Story (1986), refere mesmo o facto de a agente dupla acolchoar as copas do soutien encrustado de jóias com algodão, para simular umas proporções que não possuía.

No entanto, quando a lenda é mais interessante que os factos, faça-se da lenda facto, e a interpretação imortal de Greta Garbo, no Mata Hari (1931) de George Fitzmaurice, dançando perante uma enorme estátua de Shiva com um ornamento cónico a emoldurar o rosto de uma beleza exótica e cativante, tornaram-na num ícone facilmente reconhecível.

A ilustração de capa deste número de Spy Stories de Março de 1929, demonstra bem o poder da lenda enquanto instrumento conformador da realidade. Mata Hari aparece representada como uma mártir perante o pelotão de execução, envergando a toilette com que esperaríamos encontrá-la num salão parisiense a seduzir um qualquer diplomata. É como se, surpreendida em flagrante delito, tivesse sido de imediato arrastada contra a parede e colocada perante os improvisados verdugos (erradicando, assim, da História os oito meses em que esteve presa, durante o julgamento). Uma écharpe cai-lhe dos ombros, escorrendo contra a parede branco como sangue que se esvaísse já das feridas abertas pelas balas impiedosas. É, mesmo perante a morte, uma figura sexual, em abandono.

Mata Hari é uma das personagens do meu seriado ZEPPELINS SOBRE LISBOA, que começará a ser publicado no próximo número da revista BANG!. Também eu, escrevendo aquilo que é uma história alternativa, e que pretende ser um exercício retro-pulp, escolhi a lenda perante a realidade. A minha Mata Hari, para além das particulares características que lhe confere a minha imaginação, subordinada às necessidades narrativas, é uma criatura compósita da imagem da espia ao mesmo tempo fria e apaixonada, fascinante e sensual que o imaginário popular tem transmitido de geração em geração, quer na literatura, quer no cinema.

E, particularmente deste último, servi-me de especial inspiração de três interpretações tão distintas como marcantes:




Greta Garbo em Mata Hari (George Fitzmaurice, 1931)




Jeanne Moreau em Mata Hari, Agent H21 (Jean-Louis
Richard, 1964)




Sylvia Kristel em Mata Hari (Curtis Harrington, 1985)

Mata Hari nasceu há exactamente 132 anos. E nunca mais morreu...

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Como um segundo sol


"Both of them were waiting for the rumble of sound that followed the bomb flashes, but an unbroken silence lay over the stadium and the surrounding land, as if the sun had blinked, losing heart for a few seconds. jim smiled at the Japanese, wishing that he could tell him that the light was a premonition of his death, the sight of his small soul joining the larger soul of the dying world".

James Ballard, The Empire of the Sun, 1984


Hiroshima, cumprem-se hoje 63 anos... O céu incendiou-se no espectáculo mais belo e devastador de que há memória. É irónico que a morte nuclear possa ser ao mesmo tempo tão violenta e tão fascinante. Ao mesmo tempo um desafio aos poetas e o parto cruel de uma nova era. Como um piscar de olhos do sol, uma composição silenciosa, um furacão de luz.