Em resposta aos meus dois anteriores posts (e, reflexamente, ao post da Safaa Dib que inspirou toda a questão), o Nuno Fonseca publicou uma
extensa reflexão sobre o potencial de comercialização da FC, para o qual o
Rogério Ribeiro aponta , indicando-o como discordância do que eu aqui escrevi. Ora, se o texto do Nuno Fonseca tem alguns pontos de possível fricção com a posição por mim defendida, afigura-se-me que, no geral, não belisca minimamente o que afirmei.
Desde logo, Fonseca reconhece a realidade essencial que apontei no meu texto: algures entre finais dos anos 80 e meados dos anos 90 do século passado, desvaneceu-se o público leitor que sustentava praticamente em simultâneo, quatro colecções regulares de FC (Argonauta, Caminho, EA Bolso e Nébula) para além de outras iniciativas de menor duração (como a Contacto ou a Bolso Noite), fazendo com que o ritmo de publicação de FC sofresse um decréscimo de cerca de 32 volumes anuais (mais, se contarmos com a publicação ocasional de títulos de FC por outras editoras, fora de coleccção), para uns escassos 6 (na melhor das hipóteses, já incluindo esses títulos “surpresa”). Só que em vez de tentar explicar esse fenómeno, o Nuno opta por estender uma nuvem de questões, com o resultado de que as águas do debate parecem bastante mais turvas do que já estão. Algumas dessas questões, porém, são pertinentes, e merecem ser abordadas:
1) Antes de mais, a questão das tiragens: é verdade, como eu próprio reconheci, que os números são escassos. Porém, aqueles que temos, provêm de editoras com actividade frequente na área do Fantástico – e aplico aqui o Fantástico como incluindo a FC, e não no sentido Todoroviano, recorrendo a ele para indicar toda a literatura oposta ao mero realismo mimético, embora assuma que prefiro a designação FC&F, que sempre utilizei, para aquilo que se vem (erradamente) designando como Fantástico em geral – e que são surpreendentemente homogéneos. E, a menos que queiramos acusar todas as editoras de fraude e desonestidade, esses números são confirmados pelos relatórios de vendas que estas são legalmente obrigadas a enviar aos autores e que estes, querendo, podem livremente e a qualquer altura, sindicar. (Questão diferente, é a de saber se algumas editoras enviam esses relatórios e cumprem a legislação ou os contratos, mas essa é uma questão meramente acessória no thema decidendum sobre que versamos).
2) Questão imdiatamente conexa com essa, é a de apurar de que forma as alterações do livro-objecto podem ter reflexo nessa escassez de vendas. Ora, quer o Luís Filipe Silva, quer o António de Macedo, publicaram livros na Caminho antes e depois da transformação do formato bolso para o formato estante, com o concomitante aumento de preço dos (então) cerca de 350$00 para os 1.000$00 (o triplo do preço, uma medida já então fortemente criticada pelo Pedro Foyos em crónica no DN). Das conversas que tive com eles, não me recordo de as vendas terem sofrido uma quebra significativa (e se eles lerem este post, agradecia a confirmação ou a refutação deste facto), pelo que não terá sido essa a razão de afastamento dos leitores. Mas admito que a colecção azul da Caminho era relativamente sui generis em termos de conteúdo, e não disponho de quaisquer dados quanto às colecções da EA e da Argonauta. No entanto, a passagem da Contacto do formato hardback para o formato bolso, também não a impediu da extinção com fundamento na escassez de vendas. Actualmente, parece-me que é dado mais ou menos aceite, que o livro de bolso não vende, e que as recentes tentativas de retomar as edições de bolso (apesar dos preços mais baixos e, por vezes, das capas mais apelativas) foram um fracasso. Os leitores preferem comprar livros mais volumosos e mais caros, do que um número maior de livros.
Assim, e pese embora o entusiasmo do Nuno, falecem de imediato as suas duas primeiras conclusões, na medida em que equaciona a abundância de FC no passado com a certeza da possibilidade da sua publicação hoje e afirma que ainda existe hoje o público comprador de outrora (que não nos diz onde está).
3) Já a sua terceira conclusão (“- que toda uma geração foi exposta à FC escrita e que ela ainda existe em circulação, seja na casa das pessoas, em alfarrabistas ou simplesmente no imaginário ou "memória das estantes lá de casa") parece-me de pouco impacto para a situação actual do género.
De seguida, o Nuno Fonseca formula cinco perguntas, uma das quais foi respondida supra, outra das quais é parcialmente conclusiva e como tal só pode ser respondida clarificando as demais, e três bastante pertinentes, nomeadamente quanto a:
“- o peso que essas vendas terão no total da tiragem, no lucro da editora, de todos os intervenientes do mercado e, também importante, nas taxas de exposição e re-leitura;
- que há sectores a sobreviver com vendas e tiragens bem inferiores;
- a quem são vendidos esses números? “
4) Ora, quanto à primeira questão, a sua resposta é enganadoramente simples. Se uma editora imprime uma tiragem de 5.000 exemplares e vende 600, 600 esses que venderá se fizer uma tiragem de apenas 1.000 e que poderá esgotar caso se limite a uma tiragem de 600, o peso dessas vendas será sempre o mesmo, podendo fazer variar, isso sim, o peso do prejuízo. Mas a pergunta que realmente importaria formular como complemente necessário, é saber se vale a pena a uma editora de dimensão média/grande, pela margem de lucro obtida atentos os custos de produção (incluindo publicidade e marketing) e a constância das vendas, levar a cabo esse tipo de tiragem se não tiver um objectivo editorial que vá além da mera venda de livros. É uma questão que se prende intimamente com a seguinte e que leva a uma resposta similar: é possível que haja sectores a sobreviver com vendas e tiragens bem inferiores (imagino que a poesia seja um deles), mas aí importa apurar se vendas constantes de tiragens iguais ou inferiores a 600 exemplares não confirmam apenas que a FC é hoje um género pouco mais que marginal?; e se isso não é reconhecer que houve uma diminuição significativa do número de leitores de FC, que antes suportavam quatro colecções mensais e hoje têm dificuldade em assegurar uma venda de mais de 3.600 livros anuais (pressupondo a venda de 600 exemplares de cada um dos seis livros de FC publicados, optimisticamente, por ano).
5) Já a terceira questão, também conexa com aquelas, prende-se directamente com aquilo que eu escrevi. Ou seja, que em determinada altura, seja porque motivo for, quebrou-se uma cadeia de continuidade entre os leitores daquelas pretéritas colecções e os potenciais leitores da FC publicada nas editoras emergentes (Presença, Saída de Emergência, Gailivro, Livros de Areia, Chimpanzé Intelectual/E’scritório, etc..) que, ou abandonaram apenas as edições nacionais ou abandonaram o género.
Questão que o Nuno formula mas deixa sem responder, pois isso implicaria um esmiuçar, impossível por escassez de dados, sobre quem lê os bons livros de FC e que lê os outros, transpondo, como defendo, grande parte da responsabilidade desta situação para os leitores que temos (e que são produto dos nossos sucessivos sistemas educativo e político).
6)Continuando na sua senda de escamotear a realidade que todos nós percebemos quotidianamente por detrás de uma imaginada falta de números objectivos, o Nuno Fonseca formula uma falsa questão (“Há mesmo crise no negócio dos livros?”. Não, não há a menor crise no negócio dos livros, quando o próprio sector reclama um movimentação de quinhentos milhões de euros anuais, quando Grupos editoriais se constituem em Portugal como se nós fôssemos um país de literatos e de autores com grande projecção internacional; Há, isso sim, crise em alguns sectores do livro e em alguns géneros literários, como a FC), que serve apenas como pretexto para defender o gigante Leya, a coberto da observação de que na raiz do problema poderá estar o facto de “que quem tem meios para editar FC com sucesso e lucro” ser “quem não o faz”.
A posição é relevante – diria mesmo, determinante - mas o contexto é atabalhoado. Escreve Fonseca: “Certo certo é que, em termos de Fantástico, temos de recordar que a Gailivro não é a Leya, apesar de lhe pertencer; a Gailivro não determina a estratégia económica do grupo, pelo que o poder decisório quanto ao publicar não é igual.” Ora, antes de mais, há que decidir: ou a Gailivro é a LeYa ou não é a LeYa; num ou noutro caso, se tem ou não poder decisório, e em que termos.
Antes de mais, parece-me importante separar a questão da Gailivro-LeYa, da questão mais geral, tanto mais que nem compreendo porque razão o Nuno resolve individualizar essa editora. É minha opinião que a mais recente política editorial da Gailivro tem sido a mais danosa para o panorama do Fantástico nacional, e não apenas da FC. Precisamente, pelas razões que o Nuno aponta. Neste momento, nenhuma editora nacional teria melhores condições para relançar um Fantástico de qualidade, sem, no entanto, mostrar sinais de o querer fazer. O Nuno fala do marketing e das capas que escamoteiam a identidade da FC, mas o primeiro livro de FC da Gailivro publicado em 2010, escolhe para a capa uma iconografia de zombies, na linha da aposta editorial que eu referi num post anterior. Mas esta questão LeYa é completamente alheia ao que vimos discutindo, pois a política editorial seguida pela Gailivro não apresenta alterações significativas face àquela que seguia antes da aquisição pelo Grupo.
Mais importante, ainda que empiricamente e porventura seguindo uma filosofia “em cima do joelho”, seria colocar a seguinte questão: Porque não aposta a Gailivro na boa FC? Porque razão, tendo a Presença estreado a sua colecção Viajantes no Tempo com livros de FC destinados a adultos e de qualidade (Stephensom, Asher, Dick) depressa a transformou numa colecção juvenil? Porque razão desistiu da publicação do CARBONO ALTERADO, que viria depois a ser publicado pela SdE, com resultados bem distantes dos obtidos na língua original? Falta de promoção? Falta de marketing? Quer a Presença quer a Saída de Emergência (entendá-mo-las, neste cenário de mega-grupos literários como pequenas ou médias editoras) têm uma exposição pública nvejável. As principais livrarias têm os seus livros nas montras e nos expositores? Que as leva então a tomar estas decisões, senão as ridículas vendas da FC?
O Nuno equaciona de seguida os Grupos como a LeYa com as cadeias como a FNAC. Aí está redondamente enganado. Se é certo que grupos como a FNAC, com as condições que impõem para a fixação de um preço inferior ao da venda em livrarias normais, pode levar a um encarecimento dos livros (pois as editoras procurarão manter a sua margem de lucro), não é menos certo que, pelo menos a FNAC, é muito mais receptiva à venda de edições de pequenas e médias editoras, e mesmo da literatura de FC, do que as distribuidoras e livrarias convencionais.
7) Igualmente escamoteadora da realidade é a questão da pescadinha de rabo na boca que o Nuno estabelece entre o “não se publica por não se vende, não se vende porque não se publica”, e escamoteadora porque parte do princípio de um novum, em contradição com o que defendeu em um. Ou seja, e como já antes tive oportunidade de observar ao Nuno, num outro post, a questão não é porque razão a FC não vende, mas sim porque razão a FC deixou de vender. É um fenómeno conexo e paralelo à de perguntar porque razão a Fantasia começou a vender tanto. Há certamente pontos de contacto entre ambas as questões, mas a resposta de uma nunca será suficiente para esclarecer a outra.
É que, apesar de tudo, e por muito mercantilistas que sejam, as editoras e os grupos editoriais não são insensíveis às pressões da procura. E eu, que sou insuspeito nessa matéria, não sinto a mais pequena pressão de procura da FC. Daí que eu não censure, por exemplo a Gailivro por não publicar FC; censuro a Gailivro por contribuir conscientemente para tornar impossível no curto-médio prazo avitalidade da FC e do Fantástico em geral, ao substituí-los paulatinamente por derivados que apresenta como tal. No que não está sozinha.
8) Por fim, iluminado por um fulgurante pensamento politicamente correcto, o Nuno aborda duas questões importantes – a da influência dos leitores de sexo feminino, e o do cinema de FC – escudando-se numa suposta falta de estudos e números objectivos, ignorando, porventura, que esses números existem lá fora, e que ambas as questões têm sido estudadas de forma pertinente e conexa pelo menos desde há trinta anos para cá, quando o surgimento dos primeiros fenómenos televisivos na área da FC, como o
Star Trek (1966-1969) nos Estados Unidos e o
Doctor Who (1963-1995) e sucessivas reencarnações, permitiram perceber uma alteração na demografia e na distribuição das audiências, sobretudo através da quase predominância de mulheres no universo de fanzines e fan-fiction da série Star Trek, motivada mais pela “sedução” do Sr. Spock do que do capitão Kirk. No entanto, este súbito crescimento da base feminina de fãs da FC, acompanhando os movimentos feministas e de empowerment das mulheres que nessa altura começavam a emergir, não era idêntico ao da tradicional base masculina da FC da Golden Age e dos anos cinquenta. Referindo-se, por exemplo, ao aspecto utópico da série
Star Trek, Henry Jenkins (in
Textual Poachers: Television Fans and Participatory Culture, 1992) escreve: “
female fans of Star Trek have, in fan magazines, gone further into the utopian than the text itself, transforming Spock himself and the series ‘into women’s culture, shifting it from science fiction into romance, bringing to the surface the unwritten feminine “countertext”, and forcing it “to respond to their needs and to gratify their desires. These female fanzine writers, thus, re-position the play of generic ambiguities and contradictions that Cranny-Francis talks about, but in this case outside
the televised text” (o bold é meu, o itálico é do autor).
Analisando o mesmo fenómeno, o aumento significativo da demografia do público-alvo da FC no pós guerra, e aceitando a posição de Gerald Klein de que a FC adoptou uma via pessimista nos anos 50, assim a distinguindo da via optimista dos anos de Campbell, Adrian Mellor [in ‘
Science Fiction and the Crisis of the Educated Middle Class’, in C.Pawling, (Ed.),
Popular Fiction and Social Change (London: Macmillan, 1984), p. 39] comenta que “
Our thesis must be that science fiction remained culturally marginalised for just as long as it continued to embrace science and technology, and to view the future with optimism. To the extent that it abandoned this world view, embracing instead the values of pessimism and tragic despair, so it was in turn embraced by the ‘dominated fraction’ of the dominant class. For the ‘tragic vision’ whose origins can clearly be discerned in SF from the 1950s onwards, is itself expressive of core values of the educated middle class. Mainstream culture’s new interest in SF, the vast growth of college science fiction courses in the United States, the advance of certain SF texts to the status of cult objects within the (middle-class) hippie counter-culture all this becomes explicable as a meeting of ideological minds. It is not the educated middle class that has changed, it is science fiction. The retreat into pessimism and cosmic despair is viewed by the dominated fraction of capitalism’s dominant class as a maturation, a welcome end to the isolation forced upon a subculture by virtue of its faith in the future.”
Uma constatação que levou Teresa Ebert a distinguir três formas de FC em razão dos seus respectivos receptores e consumidores: a FC mimética (a que também se referia como “literária” e que empregaria ‘
mimetic conventions of the bourgeois novel with its preoccupations with sociopsychological realism and its commitment to a causal interpretation of the universe’), Meta-FC (‘
a self-reflexive discourse acutely aware of its own aesthetic status and artificiality’) e o parente pobre a Para-FC. Se da primeira dava como exemplo o
STRANGER IN A STRANGE LAND do Heinlein e do segundo o
DAHLGREN do Delaney, o exemplo escolhido da terceira era a série
STAR TREK, o único exemplo desta nova forma de recepção de FC. Da Para-FC escrevia ela “
Para science fiction is a type of writing which is energised by the sudden popularity of science fiction among a new class of readers… an adaptation and updating of the old-fashioned space opera type of science fiction for the tastes of middle class consumers whose passion for gadgets is inexhaustible…. This type of science fiction has the tendency to leave the literary altogether and move into TV serials, films and comic strips.” (in ‘
The Convergence of Postmodern Innovative Fiction and Science Fiction’,
Poetics Today, 1:4, 1980, p. 92.).
Pese embora o meu desagrado por algumas das considerações da autora, é relevante a associação que desde sempre se estabeleceu entre o surgimento da FC televisual e o aumento da demografia de espectadores de ambos os sexos ao afastamento da FC escrita e das suas naturais características. Quando em 1982, William Sims Bainbridge da Universidade de Harvard publicou os resultados do primeiro estudo científico do reflexo da composição das audiências do género sobre a sua percepção, elaborado no decurso da 36º WorldCon, as conclusões (conforme sumariadas) foram: “
Science fiction has become an important medium of communication for new ideas and values concerning sex roles, and the influx of women into this previously male literary subculture is a change of significance for popular culture. This article uses the first large well-collected body of social science survey data to examine the ideological orientations of women readers and authors. None of the leading women authors write the traditional Hard-Science variety of science fiction that explores innovations in physicial science and technology, and there is a slight tendency for women readers to prefer this type less than men do. Women authors tend to write either Sword-and-Sorcery, a variety of heroic fantasy, or New-Wave science fiction, a politically liberal and stylistically progressive form. Many of the women authors use their fiction as a medium for advocating social change from a feminist perspective. Science fiction has become a forum for women authors' uninhibited public analysis of contemporary sex roles and consideration of options for the future.” (in
Sex Roles, Vol. 8, No. 10, 1982).
Dados mais completos e uma história mais detalhada podem ser encontrados, por exemplo, em
Science Fiction Audiences – Watching Doctor Who and Star Trek (2005) de John Tulloch e Henry Jenkins, que me foi de extrema utilidade para localizar a bibliografia citada neste texto.
Até que ponto estes estudos podem ser transpostos para a realidade portuguesa actual pode, e deve, naturalmente, ser debatida, mas não permite de forma alguma o subterfúgio de que houve uma transmutação da comunidade de leitores para a comunidade de telespectadores ou consumidores de espectáculos cinematográficos. Não só porque a literatura coexiste com eles desde os anos 50 (no caso do cinema) e dos anos 60 (no caso da TV), como porque cinema e televisão apresentam um discurso completamente distinto do da FC escrita, com raros e pontuais casos de sintonia entre ambos. Não tenciono menosprezar o cinema e a televisão de FC (que muito aprecio e de que sou consumidor habitual), mas isso não permite negar a predominância do espectáculo visual nesses meios em detrimento do conteúdo. Nessas circunstâncias, a literatura continua a ser a forma predominante da FC. E é essa que está manifestamente em crise em Portugal.
15 comentários:
«(...) É minha opinião que a mais recente política editorial da Gailivro tem sido a mais danosa para o panorama do Fantástico nacional, e não apenas da FC. (...) Porque não aposta a Gailivro na boa FC? (...) Censuro a Gailivro por contribuir conscientemente para tornar impossível no curto-médio prazo a vitalidade da FC e do Fantástico em geral, ao substituí-los paulatinamente por derivados que apresenta como tal. (...)»
Mais uma vez, João, «obrigado» pela parte que me toca... ;-))
... Mas não é só o «Espíritos das Luzes» que tu pareces ignorar ou menosprezar (valha a verdade, porém, que nisso não és, ou foste, o único...) Então e «As Atribulações de Jacques Bonhomme»? «A Guerra é Para os Velhos»? «Infecção»? «Truancy»? «Ar»? «A Invenção de Hugo Cabret»? «Brasi(y)l»?
«(...) A política editorial seguida pela Gailivro não apresenta alterações significativas face àquela que seguia antes da aquisição pelo Grupo. (...)»
Isto, pura e simplesmente, não é verdade. Digo-to eu, que enviei à editora o «Espíritos...» antes de ela ser adquirida pela LeYa.
João,
Como bem sabes, não me arvoro a grande experiência editorial. As conclusões que retiro são em grande parte por contacto com actuais e antigos leitores de FC, e por opiniões próprias.
Não escamoteio a actual crise na publicação de FC, mas, ao contrário de ti, não a vejo provada como inevitável (no que penso o Nuno também terá discordado contigo, daí a minha indicação).
Julgo que o antigo público da Argonauta existe, apesar de afastado do género por achar que já não se escreve a FC de Asimov, Clarke, Heinlein, etc. E enquanto não surgir uma nova space opera, vendida assumidamente como herdeira da golden age, duvido que sejam recuperados à leitura do género.
Da mesma forma, cá não soubemos repetir o êxito recente dos brasileiros, aliando a republicação dos clássicos a produção nacional nesse registo.
Se queres que aponte um possível caminho para fazer vingar a FC, aí tens um que me parece particularmente válido.
Outras coisas teria para dizer, mas, o principal, é continuar a não ver uma estratégia visual na venda de livros de FC que ache atractiva.
A Viajantes do Tempo teria sido uma boa oportunidade para aferirmos isso, mas, mais uma vez, a imagem escolhida foi mais uma vez demasiado genérica (embora se tenham convencido da sua sofisticação). Talvez esteja na hora de uma imagética mais... básica, tal como é feito na fantasia!
Novas audiências, penso que só serão "trabalháveis" a médio prazo; quem sabe repetindo a estratégia da EA, intercalando romances originais com novelizações. Mas estamos já longe dos anos 80, portanto talvez isso já não seja suficiente. Nesse caso, talvez o ovo de colombo seja a science-fantasy como porta de entrada. Neste caso, porque não aproveitar o boom de steampunk?
Abraços,
Rogério
Caro Octávio,
Lendo o(s) meu(s) post(s), parece-me claro que eu digo, e repito, uma e outra vez, que não são os dois ou três bons livros por ano que as nossas editoras publiquem que traduzem uma aposta na boa FC. Da lista que apresentas, o livro do Scalzi está longe, muito longe de ser um bom livro de boa FC, tal como sucede com o Infecção e a Invenção. Há um claro valor de aposta na publicação do Telmo Marçal, duas excelentes apostas no BRASYL e no AIR, mas, como a sua própria publicação demonstra, são apostas sem consequência. Conta o número de volumes da Stephenie Meyer que já foram publicados e o espaçamento da sua publicação. Conta o número de versões desses mesmos volumes que a Gailivro deu à estampa. Conta o número de acessórios que a Gailivro pôs à venda (desde caixas metálicas a adaptações em graphic novel) desse mesmo universo ficcional.
Agora conta quantos livros do Ian Watson e do Geoff Ryman a Gailivro publicou desde o BRASYL e o AIR.
E agora diz-me, honestamente, que a Gailivro aposta na promoção da boa FC.
Dizes-me ainda que enviaste o teu livro à Gailivro antes de ela ser LeYa; deduzo que com isso queiras dizer que ele foi recusado antes e publicado depois...
Octávio, sinceramente, isso não é coisa que se diga com o curriculo da 1001 Mundos.
Não leves a mal não me ter referido ainda ao Espírito das Luzes aqui no BLADE RUNNER, mas, sendo objectivo, reconhecerás que desde que ele saíu são muito poucos os livros que tenho tido tempo de abordar aqui. Não se trata de menosprezar ou ignorar. Trata-se mesmo, de gestão de tempo.
Um abraço,
Seixas
Rogério,
Como bem sabes, a tua opinião tem sempre valor, até pela actividade e conhecimento do género que tens exercido e adquirido enquanto foste editor de fanzines e revistas e co-organizador do FF.
No teu comentário referes duas questões bastante importantes e que se vires bem, não vão contra aquilo que eu aqui afirmei:
"Julgo que o antigo público da Argonauta existe, apesar de afastado do género por achar que já não se escreve a FC de Asimov, Clarke, Heinlein, etc. E enquanto não surgir uma nova space opera, vendida assumidamente como herdeira da golden age, duvido que sejam recuperados à leitura do género."
Essa premissa era uma que eu gostava de ver confirmada, a de que existe um "exército" latente de leitores que aguardam apenas a publicação do livro certo para entrar em marcha e reclamar a supremacia do género que tanto nos entusiasma. Mas não vejo indícios disso. E porquê?
Antes de mais, porque mesmo as edições de livros que de certa forma se aproximam do modelo da Golden Age, não vendem mais do que as outras: mesmo a antologia da Lua que eu organizei no ano passado, e que teve uma recepção unanimememente positiva, apesar de ter vendido bastante mais do a média referida nos meus posts, ficou aquém daquilo que seria de esperar de uma edição comentada, comemorativa de um feito histórico e, consequentemente, com apelo a leitores de fora do género. E não só incluía contos de autores da Golden Age, como incluía contos dos autores que citas: Heinlein, Clarke e Asimov.
Por outro lado, se há um autor de grande sucesso além fronteiras e que se aproxima bastante do modelo de Heinlein é o Peter F. Hamilton. Onde estava esse exército de leitores quando a Livros do Brasil deixou a primeira trilogia a menos de metade?
Esse mesmo exército de leitores que parece ter debandado da colecção Argonauta e da Colecção Nébula, apesar de esta última ter subitamente começado a publicar os trabalhos mais recentes de Joe Haldeman, outro dos grandes e assumido herdeiro de Heinlein.
Referes também a falta de uma estratégia visual atractiva. Com isso até concordo. E no entanto, com a parcialidade que tal referência envolve, penso que as capas da Livros de Areia se têm distingido nesse aspecto,e no entanto...
Também o exemplo da Saída de Emergência é variegado, com capas susceptíveis de apelar a várias camadas de leitores: AS FOGUEIRAS DE DEUS, O DILEMA DE SHAKESPEARE e o LEONARDO do McAuley aos apreciadores de Romace Histórico, COM A CABEÇA NA LUA aos apreciadores do pulp, o mais recente FORÇAS DE MERCADO aos apreciadores de thrillers de acção, e no entanto....
Idem aspas na Gailivro que, recentemente tem apresentado capas bastante mais apelativas, a começar pela do ESPÍRITOS DAS LUZES (e esqueçamos a debacle do BONHOMME), e no entanto...
Já no que toca à Fantasia, com toda a sinceridade, e com excepção da SdE que vai recorrendo a ilustrações das edições originais, parecem-me todas de uma mesmidade angustiante (quem é que tem paciência para mais um tipo vestido de monge numa floresta coberta de neblina?).
E, já que estou com a mão na massa, aproveito para deixar um pequeno desabafo: quando afirmo a inevitabilidade da crise da FC no curto-médio prazo, não o faço com nenhuma espécie de prazer mórbido. Se há alguém que tinha todo o interesse em ver a FC ressurgir e afirmar-se como um género de sucesso era eu (e atenção, a FC genuina, não os arremedos de fraca imitação com que os nossos leitores de Fantástico se parecem contentar no campo da Fantasia e dos Vampiros Desdentados), quer como crítico, quer como editor, quer como autor.
Enfim, e como diria o Barreiros, tristes tristezas...
Não, João, deduziste mal: a Gailivro não recusou – nunca recusou – o «Espíritos das Luzes». O que aconteceu – o que eu quis dizer – foi que quando enviei o livro para lá a editora ainda não tinha sido adquirida pela LeYa, e que quando recebi a resposta (positiva), a Gailivro já estava integrada na LeYa. Por outras palavras, a publicação do «Espíritos...» foi aprovada porque a LeYa tomou conta da Gailivro, porque o Pedro Reisinho se tornou director editorial da Gailivro por indicação da LeYa... enfim, porque foi o Pedro Reisinho que decidiu publicar o «Espíritos...» Toda a transição levou muitos meses, durante os quais eu esperei... mas que, como se viu, valeu a pena.
(Quem, sim, rejeitou o «Espíritos...», foram, entre outras, a Presença e a Saída de Emergência.)
E foi também uma decisão do Pedro a publicação – a aposta – na Stephenie Meyer, quando ela ainda não era (muito) conhecida, não só em Portugal como até nos EUA. E surpreende-me que tu continues a perder tanto tempo, e caracteres, a invectivar aquela autora (e quem a edita). Ela é mesmo assim tão má? Já não te vejo, por exemplo, a tomar uma atitude semelhante para com a Charlaine Harris (que já teve direito, não a caixas metálicas, mas sim a três «packs», dois dos quais com «t-shirts») e as Cast. Já contaste o número de volumes destas outras «escritoras de vampiros»? Consideras, portanto, que elas são superiores à Meyer?
E em que te baseias para afirmares que a publicação do «Ar» e do «Brasi(y)l» são «apostas sem consequência»?
Olá João, again, outra referência em post próprio no meu blog em:
http://innerspace22.spaces.live.com/blog/cns!C501FF0073089D1C!1220.entry
Numa coisa fundamental, como aqui dizes, concordamos: no amor ao género. E também que não há um panorama de publicação dsejável ou aceitável entre nós. O resto é o resto. E nem sempre somos meigos quer entre nós, quer com os que produzem mal ou bem o que vão sendo as nossas obras.
O Octávio tem razão quando se queixa que pouco se fala do livro dele e eu, como quase todos somos um pouco culpados disso.
Por outro lado, esta confusão entre Fantástico e FC é perniciosa para a FC, mas por enquanto não há volta a dar-lhe.
A estratégia visual mais atractiva que o Rogério advoga também é um dos passos que muitos de nós sempre achámos inevitável. E é verdade que a LdA contribui para melhorar o panorama geral, se bem que não na FC... no fundo, o que eu penso é que enquanto não houver mais capas "adultas" e descoladas do que se faz lá fora, não poderemos ver e aproveitar melhores captações do público cá dentro. Parece-me óbvio.
Adicionalmente, teremos de ver como continuam as apostas da Gailivro em relação a FC para ver se a sua postura comercial quanto ao género é favorável ou perniciosa. Penso ser ainda cedo para retoirar conclusões, com tão poucos títulos à venda. Nestes fenómenos, contam mais os esforços continuados e quase todas as colecções que por cá houve começaram de forma atabalhoada. A ver vamos. Por mim, a procissão vai no adro.
Já nestes posts por várias vezes li referências a um exército latente de leitores. Esse dito exército ninguém sabe bem onde pára. Ora como penso ter em tempos pertencido às hostes do dito cujo quero deixar aqui a minha confisão.
Cheguei tarde à colecão Argonauta. Seria 1978/79 o ano emqu comprei o primeiro exemplar, Exiladosa Terra de Ben Bova. Ainda assim com algum esforço financeiro - afinal de contas era um puto de 10 anos - fui, ao poucos e poucos, comprando a colecão em alfarrabistas até que no na segunda metade da década de 80 já possuía cerca de 400 números da Argonauta, a totalidade da coleção da EA, quase todos da Nebula, todos da Caminho e imensos outros avulso. E todos lidos! E era um dos maiores prazeres que tinha entrar semanalmente na Livraria Portugal ali ao Carmo para ver se tinham já saído outro «argonauta» ou outro «europa-américa». Mas... não saíam. A regularidade foi-se perdendo e um belo dia, nos Restauradores comprei o meu primeiro paperback - da série Skylark de E.E. Smith, para os curiosos - e abriram-se novos mundos à minha imaginação. Depressa percebi que entre as traduções que durante anos tinha lido e a verdade original havia um enorme fosso. A gota-de-água foi a tradução de A Zona Morta de Stephen King pela Livros do Brasil que de tão má arruinava por completo o livro. Assim, e no espaço de dois anos desertei! Para trás deixei as publicações traduzidas portuguesas. Pior! Quando passei a deixar de estar dependente dos importadores graças a uma pequena start-up chamada Amazon o meu nível de compras aumentou exponencialmente. Claro que por essa altura já tinha algum maior desafogo financeiro que assim o permitia mas a verdade é que o mercado nacional ficou para trás graças duma falta de profissionalismo, qualidade e pertinência actual que pura e simplesmente jamais parecerem lograr conseguir, salvo pontuais exemplos.
Hoje em dia só esporadicamente compro um livro de FC traduzido e na maior parte das vezes apenas para tentar incentivar o meu filho a lê-lo. Se bem que mesmo ele já o vá pondo a ler em inglês. No entanto compro todos os livros de autores nacionais e mais houvesse mais compraria.
Ou seja desertei do exército nacional mas alistei-me no internacional onde ainda hoje e graças a essa maravilha que se chama internet, compro todos os livros que me interessam (e bastantes que não me interessam, também). Compraria traduções acaso as editoras apostassem em novos formatos, novas capas, traduções mais esmeradas? Provavelmente sim, mas eu disponho de conforto financeiro suficiente para manter várias bocas ao mesmo tempo no entanto nem todos os consumidores estarão dispostos a pagar duplamente pelo mesmo «produto».
Bom, com todo o "barulho" suscitado em várias frentes em torno deste assunto, vou, à semelhança do Ricardo, dar o meu ponto de vista estritamente de leitora FC: também eu tenho gavetas cheias de Argonautas e da colecção FC dos livros de bolso da EA. Comprei-os por gostar e por algo muito importante: o preço. De vez em quando lá aparecia um ou outro volume "dos maiorzinhos" que me interessava e comprava-o, se bem que só o fazia em casos muito específicos - nomeadamente de autores que no formato bolso já me tivessem cativado.
Durante muito tempo foi assim porque o orçamento de um estudante tende sempre a ser reduzido. Depois continuou a ser assim porque o acréscimo de rendimento acompanhou o acréscimo de despesa... e gastar meia dúzia de contos todos os meses em livros era impensável.
Em Cascais ia frequentemente à Lyon, livraria da EA onde os títulos de FC estavam num cantinho e iam rareando. Novidades? Poucas. Tinha que pedir para mandarem vir as segundas partes de vários livros que tinham optado por dividir em dois. Imaginem Pern ou Helliconia com volumes em falta pelo meio...
Há algum tempo, a Lyon fechou. Assim, tenho que me deslocar ao centro comercial mais próximo para ter sequer algum tipo de escolha, porque as livrarias tradicionais... enfim.
Hoje em dia? Continuo a comprar as Argonautas isoladas que aparecem nas feiras do livro dos hipermercados e que já mencionei num comentário anterior - o dinheiro continua a não crescer nas árvores e parte dele é gasto em outro tipo de livros... esses, sendo necessários em termos escolares, não deixam de ter preços algo elevados e fazer uma bela mossa no orçamento familiar.
Por isso, volto ao mesmo: livros de FC, que em termos familiares são apenas para meu consumo, ficam para segundo plano e opto pelos formatos de bolso, muito mais baratos. Isso inclui a secção da literatura estrangeira na Fnac, que visito - com menos frequência do que gostaria - à procura da continuação de um título do James Patterson que ainda não encontrei por lá.
Hardcovers? Só nos Natais e quando o Rei faz anos - ou, neste caso, e com toda a propriedade, a Rainha...
Regina Catarino
Olá João! Tenho acompanhado as vossas reflexões sobre os mistérios da maior ou menor apetência por parte do público e das editoras em relação à FC&F, e dou-vos os parabéns pela assaz instrutiva «discussão». (Estou a referir-me, sobretudo, não só aos textos do João Seixas mas também aos da Safaa Dib, do Nuno Fonseca e do Rogério Ribeiro, entre outros participantes). Aliás a minha é uma mera intervenção pontual, apenas para tentar responder à pergunta do João:
«Ora, quer o Luís Filipe Silva, quer o António de Macedo, publicaram livros na Caminho antes e depois da transformação do formato bolso para o formato estante, com o concomitante aumento de preço dos (então) cerca de 350$00 para os 1.000$00 (o triplo do preço, uma medida já então fortemente criticada pelo Pedro Foyos em crónica no DN). Das conversas que tive com eles, não me recordo de as vendas terem sofrido uma quebra significativa (e se eles lerem este post, agradecia a confirmação ou a refutação deste facto), pelo que não terá sido essa a razão de afastamento dos leitores.»
Bom, na parte que me toca, e das várias conversas que tive, quer com o Belmiro Guimarães, antigo director das colecções de FC e policial da Caminho, e entusiasta incentivador dos respectivos prémios, quer com a direcção da editora, sobretudo depois da aposentação por doença do Belmiro (o que criou um lamentável vazio, porque ele era a alma da FC na Caminho), devo dizer que fiquei um tanto ou quanto desnorteado no referente às vendas dos meus livros (publiquei ao todo sete na Caminho, dois na colecção de FC e cinco na colecção Campo da Palavra, não por decisão minha, mas da editora, não me perguntem porquê). Nunca consegui saber com rigor quantos exemplares teriam sido vendidos, dos meus livros. O Belmiro era bastante optimista e num dos casos até considerou que o respectivo livro estava esgotado; mais tarde, falando com o director, Zeferino Coelho, ele referiu-me os dados contabilísticos e afinal os livros não tinham vendido, em média, mais de 400 ou 500. E isto tanto nos tempos do formato-bolso como depois no formato-estante, donde suspeito — pelo menos no meu caso — que a diferença ou não existiu, ou foi mínima, e nem sequer entro no terreno escorregadio de tentar descodificar quem estaria mais perto da verdade, se o contacto directo do Belmiro Guimarães com os meandros da editora onde trabalhava num nível superior, se os misteriosos dados contabilísticos fornecidos pela direcção.
Deixo à vossa consideração extrair pertinentes ilações deste fenómeno!
Grande abraço e parabéns pelo debate
Macedo
Um excelente contributo António! Pela minha parte, agradeço o input, que vai muito no sentido daquilo que eu pensava.
Um abraço.
Octávio,
Levantas quatro questões neste teu mais recente comentário, as quais quero desde já esclarecer.
1) Dizes que o processo de aprovação do teu livro demorou meses e que foi iniciado antes da aquisição pela LeYa. Muito bem. Tudo perfeitamente normal. Mas uma vez que o teu livro não foi rejeitado antes da aquisição, não podes usar esse facto como confirmação de alterações na linha editorial.
2)Quanto à questão Stephenie Meyer, sim, ela é assim tão má. Do piorzinho. Como tive oportunidade de comprovar quando a OML me pediu um artigo, quando tinham saído apenas os dois primeiros volumes, sobre o fenómeno que tinha destronado a Rowling dos tops no New York Times. Não só comprovei a qualidade rasteira daquilo, como desmistifiquei o golpe publicitário que foi aquela afirmação. Não tenho motivos para duvidar, nem de tim nem do Pedro Reisinho quando me dizem que a Meyer foi escolhida quando ainda não era o sucesso que hoje se sabe. Nada disso lhe confere qualidade, nem retira a péssima escolha editorial que foi (embora excelente do ponto de vista financeiro).
3) Contra toda a moda dos vampiros de imitação já me pronunciei uma e outra vez, aqui no blogue, na OML, quando participei no debate sobre essa literatura com o Davis Soares e o Rui Baptista aquando da publicação do ESTIRPE e em praticamente todas as intervenções que faço. Mas daí a dizer que Charlaine Harris é tão má como a Meyer é como dizer que o Robert Jordan é tão mau como Filipe Faria. Não é. Harris e Jordan estão longe do top de qualidade, mas são escritores competentes, com um módico de originalidade e com ideias. Tudo aquilo que a Meyer não é.
Quanto à MARCADA, a que mais se aproxima por baixo da Meyer, já causei alguma fricção na SdE (como penso que a Safaa te pode confirmar) por ter dito que a publicação da Marcada na colecção BANG! desacreditava TODA a colecção.
4) Digo que a aposta no BRASYL e no AR é inconsequente porque, como se viu, não teve consequências. Não voltamos a encontrar nenhum livro desses autores na coleccção 1001 Mundos. Ora, se se lançam dois autores de grande qualidade, com obras de referência e com boa recepção crítica nacional e internacional (cheguei a indicar o BRASYL como um dos livros do ano) espera-se que seja como iscos destinados a captar leitores para esses autores e para esse tipo de obras. Quando se atira com elas a ver "se pega", e se continua a apostar em obras inconsequentes, destinadas ao público infantil(izado), então é uma aposta inconsequente.
Abraços,
Seixas
Caros Ricardo e Regina,
Obrigado pelo contributo pessoal que, embora não possa ser extrapolado para uma generalização, acaba por ser uma confirmação dos pontos que referi no texto, nomeadamente uma deslocação de alguns dos consumidores de FC para o mercado original.
Nesse ponto a minha própria experiência ecoa de muito perto a do Ricardo, embora, por força da minha colaboração na OML, tenha lido nestes últimos cinco anos, uma boa centena de títulos traduzidos que, doutra forma, não teria lido (embora pudesse naturalmente ler outros).
António,
É sempre um enorme prazer tê-lo a comentar no neu blogue. Tal como o Nuno, agradeço a interessantíssima achega.
Já agora, há um outro dado que não tem sido equacionado na nossa cnversa, embora o Nuno se tenha referido a ela num dos seus textos: a questão da eficácia da distribuição e a forma como os livros chegam aos leitores.
Ainda sem sair do âmbito da Caminho, a verdade é que é difícil encontrar o TERRARIUM à venda onde quer que seja, pelo menos em grandes quantidades. O João Barreiros disse-me em conversa (e creio que também já publicou essa informação em várias das suas intervenções em fóruns e mailing lists) que as informações que a Caminho lhe presta vão no sentido que depois dos 700 exemplares o livro não teria vendido mais.
No entanto, quando estive em Macau em 2003, entrei numa livraria que, sem exagero, tinha lá uma boa meia-centena de exemplares (se não mais) formando uma parede azul sob umas das prateleiras ao fundo das estantes. Também havia outros exemplares da colecção azul, mas não tantos como os do Terrarium.
Enfim, coisas que não se conseguem perceber...
João,
eu posso utilizar – e utilizo mesmo – o facto de o «Espíritos das Luzes» ter sido publicado pela Gailivro «pós-aquisição-pela-LeYa» como confirmação de alteração da sua linha editorial... porque foi isso mesmo que aconteceu. Antes, a editora dava uma grande, talvez a principal, prioridade, ao livro escolar e à literatura infanto-juvenil (aqui com forte pendor para a fantasia, mas não só). Com a entrada do Pedro Reisinho, a FC & F mais «adulta» começa a ter uma preponderância cada vez maior, e o meu livro – que não é nada, nada «infanto-juvenil», aliás é para «maiores de 18» - constitui uma das primeiras demonstrações dessa nova orientação. Nova orientação essa que, de resto, me foi confirmada pelo Pedro, de «viva voz», numa das nossas primeiras conversas. E, mesmo que ele nada me tivesse dito a esse respeito, tal seria – e é – passível de confirmação.
Agora, ainda quanto à Stephenie Meyer... eu pouco mais tenho para dizer contra uma opinião (e uma teimosia...) tua (e de outros, reconheço...) que me parece exagerada e desproporcionada. Ainda não a li, mas nisto eu confio, mais do que nos milhões de pessoas que compraram e leram os livros dela, na minha esposa e na minha filha mais velha, que também o fizeram. Alguns dos comentários delas: «bastante aceitável», «empolgante», «bem escrito», «interessante», «bom sentido de humor». Elas reconhecem que, por exemplo, a J. K. Rowling é melhor... mas nem por isso concordam, longe disso, que a Meyer é assim tão má, do «piorzinho», de uma «qualidade rasteira».
Volto a dizer-te o que já te disse: tens talento, demasiado talento, para o desperdiçares em sucessivas diatribes contra a Stephenie Meyer e a Gailivro/LeYa. E apesar de apreciar o crítico – a quem reconheço evidentes, e consideráveis, conhecimento dos assuntos e capacidade de argumentação, embora por vezes (como agora) possa discordar – prefiro o criador: gostaria mais de estar a ler «A Alma do Louva-a-Deus» ou «Zeppelins Sobre Lisboa» em vez de estar a debater a edição de FC & F em Portugal.
Finalmente, quanto ao «Ar» e ao «Brasi(y)l»... tu não estás em posição de saber, e de dizer, se a edição destes livros vai ou não ter «consequências». Sim, foram publicados há dois anos... e depois? Neste âmbito as apostas têm «prazos de validade»? Acaso a Gailivro te garantiu que não vai voltar a publicar Geoff Ryman e Ian McDonald? ;-))
Abraço!
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