A Safaa Dib, assistente editorial na Saída de Emergência, assina no seu estimável blogue mais um texto extremamente pertinente sobre a triste realidade do presente mundo editorial. O fenómeno é mais ou menos transversal ao mundo ocidental, mas não deixa de ganhar particular acuidade no nosso entorno luso, até pela novidade que reveste numa actividade que, até há bem pouco tempo, se mantinha afastada das luzes da ribalta e da atenção pública. Pela experiência que a Safaa adquiriu nas movimentações editoriais que se registam longe do plano com que os leitores mais directamente contactam, e pela actividade que vem mantendo há quase uma década na organização do Fórum Fantástico (juntamente com o Rogério Ribeiro) e no fomento do Fantástico nacional, e na denúncia de situações menos límpidas em torno de algumas vanity presses, o texto em causa reveste-se de uma maior acuidade.
Sobretudo, quando ela aflora - embora, lamentavelmente, não aprofunde - uma questão essencial que poucos se têm ainda dado ao trabalho de denunciar. Quando a Safaa escreve, de forma certeira, que "Homens que normalmente não compreendiam o negócio de livros, mas compreendiam perfeitamente a palavra negócios, foram postos à frente dos destinos de editoras.", está a chamar a atenção para um fenómeno que começou lá fora há coisa de 20 anos e que finalmente se instala em Portugal com o maior despudor: o desaparecimento progressivo dos Editores. A demissão gradual das suas funções, substituídas pelas de meros administradores, pouco mais que contabilistas indiferentes àquilo que vendem.
Já foi observado inúmeras vezes que o campo do Fantástico sempre se desenvolveu graças ao impulso visionário de Editores carismáticos: Hugo Gernsbach, John W. Campbell, Horace Gold, Gardner Dozois, Ellen Dattlow, Michael Moorcock, David Hartwell entre tantos, tantos outros. O Pedro Marques, tanto no seu blogue como no blogue da Livros de Areia, vem prestando homenagem a outros tantos editores do mainstream, como Maurice Girodias, Barney Rosset, ou Giangiacomo Feltrinelli, uns e outros inspiração para aquilo que nós próprios procuramos lograr como Editores na LdA.
E no entanto, numa altura em que se publica como nunca se publicou antes, onde o negócio livreiro se gaba de movimentar 500 milhões de euros por ano, os Editores - daqueles que fazem jus a esse nome - são cada vez menos. E, infelizmente, o Fantástico é um dos responsáveis. Nunca antes de Rowlings, ou Paolini, ou Meyer se tinha assistido ao fenómeno de edições sucessivas na ordem dos milhares de exemplares por dia. Na Gailivro-LeYa, Meyer vendeu qualquer coisa como 600.000 livros, coisa inimaginável há uns anos atrás e ainda impossível para 99% dos demais autores e/ou editores. A abundância gera prodigalidade e a prodigalidade gera hábitos caros. Daí que a grande ambição dos Editores - descobrir o novo grande clássico da literatura, o futuro Pessoa, ou o futuro Sena - transformou-se na descoberta do próximo best-seller, sem qualquer consideração pela qualidade do mesmo.
A literatura desceu ao nível de uma moda, comparando-se a umas meras calças de ganga ou cuecas fio-dental. Só isso explica que editores, um pouco por todo o mundo, tenham deixado de encarar as obras literárias como objectos únicos e originais que darão a conhecer aos leitores, e tenham passado a procurar a próxima moda: há uns anos atrás eram os dragões e os elfos, no ano passado os vampiros, o que é que vai ser a seguir?
Em Portugal a Gailivro aposta nos zombies; lá fora, apostam nos anjos. Justin Chanda, editor da linha de juveniles da Simon & Schuster explica porquê perante a observação de que Bad-boy angels are the new hotties. Like modern vampires, they can be gorgeous, immortal and otherworldly heartthrobs, unlike, say, zombies. "With all that rotting-off, they're not very sexy."
Sobretudo, quando ela aflora - embora, lamentavelmente, não aprofunde - uma questão essencial que poucos se têm ainda dado ao trabalho de denunciar. Quando a Safaa escreve, de forma certeira, que "Homens que normalmente não compreendiam o negócio de livros, mas compreendiam perfeitamente a palavra negócios, foram postos à frente dos destinos de editoras.", está a chamar a atenção para um fenómeno que começou lá fora há coisa de 20 anos e que finalmente se instala em Portugal com o maior despudor: o desaparecimento progressivo dos Editores. A demissão gradual das suas funções, substituídas pelas de meros administradores, pouco mais que contabilistas indiferentes àquilo que vendem.
Já foi observado inúmeras vezes que o campo do Fantástico sempre se desenvolveu graças ao impulso visionário de Editores carismáticos: Hugo Gernsbach, John W. Campbell, Horace Gold, Gardner Dozois, Ellen Dattlow, Michael Moorcock, David Hartwell entre tantos, tantos outros. O Pedro Marques, tanto no seu blogue como no blogue da Livros de Areia, vem prestando homenagem a outros tantos editores do mainstream, como Maurice Girodias, Barney Rosset, ou Giangiacomo Feltrinelli, uns e outros inspiração para aquilo que nós próprios procuramos lograr como Editores na LdA.
E no entanto, numa altura em que se publica como nunca se publicou antes, onde o negócio livreiro se gaba de movimentar 500 milhões de euros por ano, os Editores - daqueles que fazem jus a esse nome - são cada vez menos. E, infelizmente, o Fantástico é um dos responsáveis. Nunca antes de Rowlings, ou Paolini, ou Meyer se tinha assistido ao fenómeno de edições sucessivas na ordem dos milhares de exemplares por dia. Na Gailivro-LeYa, Meyer vendeu qualquer coisa como 600.000 livros, coisa inimaginável há uns anos atrás e ainda impossível para 99% dos demais autores e/ou editores. A abundância gera prodigalidade e a prodigalidade gera hábitos caros. Daí que a grande ambição dos Editores - descobrir o novo grande clássico da literatura, o futuro Pessoa, ou o futuro Sena - transformou-se na descoberta do próximo best-seller, sem qualquer consideração pela qualidade do mesmo.
A literatura desceu ao nível de uma moda, comparando-se a umas meras calças de ganga ou cuecas fio-dental. Só isso explica que editores, um pouco por todo o mundo, tenham deixado de encarar as obras literárias como objectos únicos e originais que darão a conhecer aos leitores, e tenham passado a procurar a próxima moda: há uns anos atrás eram os dragões e os elfos, no ano passado os vampiros, o que é que vai ser a seguir?
Em Portugal a Gailivro aposta nos zombies; lá fora, apostam nos anjos. Justin Chanda, editor da linha de juveniles da Simon & Schuster explica porquê perante a observação de que Bad-boy angels are the new hotties. Like modern vampires, they can be gorgeous, immortal and otherworldly heartthrobs, unlike, say, zombies. "With all that rotting-off, they're not very sexy."
Anjos ou Zombies, serão apresentados como uma moda, a ser mastigada e remastigada durante uns tempos (intervalos cada vez mais curtos, tal como sucede com os telemóveis) antes de ser substituída por uma nova moda (talvez os centauros ou sanitas falantes). Estes novos "editores" partem já do princípio de que os leitores (e estes são cada vez mais jovens, cada vez menos críticos, cada vez mais iguais) reagirão automaticamente a este reposicionamento dos temas e dos afectos literários, pois não querem estar "fora de moda". No que não se enganam, pois o gosto de leitura destas novas gerações é formado nas redes sociais electrónicas que tendem a impor uma homogeneidade à escala global.
O acto de ler um livro, um dos raros prazeres individualistas a que alguém se pode dar, passa a ser encarado como uma actividade colectiva sob pena de exclusão dos não-aderentes, que passam a ser os novos nerds, os elitistas e intelectuais, pois a ênfase nesta leitura comunitária é sempre e exclusivamente colocada no prazer sensual da leitura.
Neste quadro, os Editores deixam de lidar com livros - com o texto, o seu conteúdo e a sua relevância - e passam a lidar com gostos, e gostos cada vez menos exigentes. Os nossos editores de Fantástico de leva mais recente, nasceram para a profissão neste caldo, sem nunca terem lido um manuscrito inédito, guiando-se pelos indicadores fáceis dos tops de referência internacionais. Nunca conheceram um mercado livreiro em que os livros tivessem voz própria, ao invés de se imitarem uns aos outros numa conformidade doentia; um mercado onde um livro tivesse valor enquanto tal, e não como potencial primeiro degrau de uma franchise lucrativa. Só isso explica aquele editor que no Verão passado em entrevista à Notícias Magazine, anunciava a descoberta de um novo fenómeno na literatura fantástica: as stand alone novels, como se 99% da literatura fantástica não se compusesse de livros individuais que nunca foram pensados ou quiseram ver-se integrados em séries intermináveis.
Foi algo que se perdeu em tudo isto: a excelência da edição, a individualidade da leitura, a essência do livro.
14 comentários:
Até certo ponto concordo com o que diz acerca das modas. Só não me parece que o que diz sobre as redes sociais esteja correcto. Talvez o que diz seja verdade em certos meios, mas penso que as redes sociais, e a internet em geral, ajuda exactamente a atingir o efeito contrário: diminuir o consumo dos hits e transferir mais consumidores para a tão falada cauda longa.
O que me parece é que esta ênfase nas modas se deve à adopção por parte do mercado livreiro de um modelo comummente usado por outras indústrias de entretenimento, nomeadamente a da música. E, da mesma forma que os consumidores de música se têm vindo a afastar dos hits e espalharem-se pela cauda, o mesmo acontecerá (e vai acontecendo) com os livros (mas mais lentamente, devido à falta de potencial para prazer imediato destes).
Por outro lado, obviamente que discordo totalmente com a sua
ênfase exagerada na qualidade (vai-me dizer que nunca leu e gostou de um livro, digamos, menos bom) e no seu desprezo por uma leitura centrada "apenas" no prazer sensorial.
E outra achega. Ao contrário do que diz, os jovens não são cada vez menos críticos. Pelo contrário. Nos dias que correm, é raro encontrar um forum ou até um blog de médio/grande tráfego que não tenha degenerado numa cacofonia ensurdecedora de críticas e whining (que vão das razoáveis, às paranóicas, passando pelas simplesmente estúpidas).
Difícil hoje em dia é uma pessoa dizer que gosta ou está entusiasmada com algo sem ser imediatamente julgada e rotulada (algo não muito diferente do que você faz neste e em muitos outros posts ou comentários).
Shadowphoenix,
Deixe-me dizer-lhe, antes de mais, que concordo inteiramente com a sua observação contida no primeiro comentário.E isso é de facto assim, mesmo na literatura, se bem que nesta ainda não se tenha deslocado do plano teórico para o prático.
Como já tive oportunidade de observar várias vezes, e até com algum suporte estatístico no debate da SPA de Outubro passado, a situação da literatura em geral, e do fantástico em particular, em Portugal está muito pior do que há uns meros quinze anos atrás, com menor variedade, menor diversificação de conteúdos, e menor aposta na qualidade (favorecendo apostas mais surefire).
Desejo que a movimentação - lógica - para a exploração de títulos de mid-list venha a acontecer, mas tenho fortes reservas quanto à possibilidade de que isso venha a ocorrer no curto/médio prazo devido à grande concentração em grupos editoriais (LeYa, Porto Editora, Babel), a demissão de editoras importantes (como a Presença) desse esforço e a escassez de pequenas editoras especializadas. Aliás, e por muito que isso custe ouvir a alguns, e apesar dos seus inevitáveis defeitos, neste momento apenas a SdE tem mantido uma aposta sistemática em títulos de qualidade ou de interesse histórico sem esperança de grandes retornos imediatos. É certo que a SdE aposta noutros títulos e chancelas de grande sucesso que lhe permite essa aposta. Mas as outras também.
(continua)
Quanto à questão da qualidade e do espírito crítico, penso que as duas estão interligadas.
Por um lado, acho que nunca há uma ênfase exagerada na qualidade. Por outro, é evidente que já li e apreciei (e ainda leio e aprecio) livros (e filmes e música, e ilustrações) de má qualidade e que, no entanto, me dão grande prazer: seja por razões de nostalgia, seja por meras passagens que me dão gozo, seja às vezes porque debaixo da má execução acolhe-se uma boa ideia ou, até, uma ideia subversiva.
Aliás, para alguém que adora o Fantástico em todas as suas vertentes e que, como sucede comigo, escolhe como período preferencial a Golden Age e os anos pulp na literatura e os anos 50-70 do século passado no cinema, grande parte do que leio e aprecio é de menor qualidade do que aquilo que, por exemplo, gosto e espero escrever.
A questão aqui é que eu consumo esses produtos de baixa qualidade, sabendo que o são. E apenas defendo os méritos que eles possam ter, sem tentar ocultar os seus muitos defeitos. Isto posto, também não é demais observar que a falta de qualidade de há cinquenta ou sessenta anos atrás, apresentava muito mais qualidade do que a falta de qualidade de hoje. Comparem-se as novelas pulp da Ace ou da DAW com o que se publica hoje em dia, e aquelas ganham sem luta. O mesmo se diga para os filmes Série-B.
O que se observa hoje em dia, é que a escrita (confiada a jovens autores que não têm a menor noção de como se escreve, o sabem sequer escrever em português correcto) é demasiado derivativa, pouco ambiciosa e nada original. Os autores procuram apenas imitar os sucessos da moda, sem tentarem aportar um módico de originalidade. E essa é uma falta de qualidade que não se pode perdoar. Quando a escrita se reduz exclusivaente a uma sucessão de clichés, é indefensável e irredimível.
Agora, quando me refiro à falta de espírito crítico, não me refiro à escassez de uma ânsia de fazer ouvir a sua opinião. Refiro-me à falta de sustentação dessas opiniões. Frequentemente as "críticas" que se lêm em blogues limitam-se ao "isto é muito bom, porque eu gostei muito", e é natural que opiniões destas sejam imediatamente "castigadas" por comentários de outros leitores quando a obra em causa é objectivamente má.
Que os nossos leitores mais jovens carecem de espírito crítico é patente na flagrante falta de referências que têm para justificar os seus gostos, pois estes circunscrevem-se a muito pouco. E isso é danoso para o fantástico e leva-nos ao ponto incial, o das redes sociais.
Muitas editoras aperceberam-se já desta recepção acrítica daquilo que editam (apostando na identificação do mais do mesmo com os gostos manifestados por estes jovens bloggers e twitterers)e enviam-lhes os seus livros sabendo que vão ser referidos de forma entusiástica e sem crítica.
Aliás, há mesmo blogues que por receberem os livros de borla são incapazes de apontar um único defeito nesses livros (como sucedeu naquele episódio do "mais uma excelente aposta literária da editora X. Só não gostei muito da forma como o livro está escrito").
Daí que não possa concordar com o seu segundo comentário, e muito menos com com a observação de que as pessoas são rotuladas e julgadas por aquilo que lêm. Mas essa é a essência da crítica não é? Quando um crítico é consistente nos seus gostos e apreciações, transmite a quem o lê uma noção do que espera naquilo que avalia.
Se alguém apenas lê Stephenie Meyer e seus derivados e acha isso muito bom, nunca conseguirá transparecer uma imagem de inteligência, cultura e bom gosto.
Pode ser apenas uma imagem.... mas dizem que uma imagem vale por mil palavras.
Caro João Seixas: embora pertinente no que respeita à abordagem feita pela Safaa Dib ao tema da situação do mundo editorial, permita-me que lhe diga que há aspectos em que não concordo consigo nem com ela.
Quer um quer outro lamentam que hoje sejam homens de negócios que estejam à frente dos destinos das editoras.
O João vai mais longe, falando em "meros administradores, pouco mais do que contabilistas indiferentes".
É aqui que se cava algo que, se não é ainda um fosso, se assemelha pelo menos a uma vala um bocadinho funda.
Acho que, para ser objectivo numa crítica, se devem colocar de lado alguns preconceitos. O João parece ter um deles bem presente: o endeusamento da figura do Editor visionário e pronto a arriscar, agora "em vias de extinção"... como se antes da chegada das vagas monopolistas ao negócio editorial/livreiro não existissem editores sem visão alguma e sem vontade de editar algo que não fosse uma mera tradução de um best-seller internacional. O próprio João Barreiros, no prefácio ao Disney no Céu entre os Dumbos disponibilizado no blogue da Livros de Areia, menciona o encontro imediato com um espécime desse género, tão atarefado a satisfazer o "seu" público-alvo que parecia alhear-se de que esse mesmo público-alvo poderia ter gostos algo diferentes daquilo que ele achava.
Fala de "meros administradores" como se fossem algo desnecessário ou até inconveniente. Mas poderá concordar comigo em como existem editores que, por muito bons que sejam nessa função, não têm o menor jeito para negócios; e que aí a presença de um administrador ou gestor é importante - para que o editor se dedique a fazer aquilo em que é bom enquanto o gestor orienta a parte empresarial.
Na minha opinião pessoal, não é o facto das grandes editoras quererem lucro que as torna em "demónios". Afinal uma editora é uma empresa e qualquer empresa quer lucros a menos que sirva apenas para lavar dinheiro.
O problema advém de quererem GRANDES lucros para cobrir outros tipos de gastos - representação, publicidade, margens de livreiros, etc além de alguns que se se fosse bem a ver não eram essenciais; aí tendem a ir atrás dos nomes consagrados, das modas e daquelas pessoas que não são escritores mas que lá por aparecerem na TV faz com que um livro escrito por elas seja um potencial sucesso mesmo que o conteúdo seja péssimo (a menos que entrem em campo os ghostwriters mas isso já são outros dois cêntimos).
Um administrador/gestor pode coexistir com um editor se cada um se incumbir da sua parte - sem ingerências nem tendências para o nepotismo que irão mais tarde ou mais cedo minar o equilíbrio dessa relação empresarial. A relação falha quando um dos dois se imiscui no trabalho do outro, pensando que é capaz de o fazer melhor do que o próprio.
E, finalmente, deixe-me que lhe diga que a visão que tem dos contabilistas é franca e tristemente redutora - talvez habituado à antiga figura dos guarda-livros que somavam e calculavam impostos sem saber ou preocupar com o negócio a que se referiam.
Dessa figura apenas gosto do nome - porque guardo as dezenas de livros de que gosto num lugar especial cá dentro, tornando-se parte daquilo que sou.
Por isso lhe peço: não endeuse os Editores d'antanho... e não menospreze os que se preocupam com os negócios; tanto fazem falta uns como os outros, mas de forma equilibrada e é isso que falha em Portugal.
Cumprimentos de uma contabilista que lê e guarda muitos livros - e que nas horas vagas também escreve algumas coisinhas ... e esbarra com editores que "só querem nomes consagrados ou pessoas cujos livros irão vender muito por serem famosos por outros motivos".
;)
Cara XR,
Muito obrigado pelo seu comentário e pela pertinência do mesmo. Ao contrário do que parece ter retirado do que eu escrevi, não afasto ou nego a importância do vector administração no negócio dos livros. Nem tão pouco endeuso os editores de antanho. Apenas afirmo a tremenda importância que eles tiveram para o desenvolvimento do género.
No entanto, dou-lhe toda a razão quando refere no seu comentário um aspecto que vai directamente ao cerne do problema: "O problema advém de quererem GRANDES lucros".
Aqui, nesse ponto, tem a XR toda a razão. Mas essa é uma questão que se prende intimamente a uma outra que raramente é abordada. O objectivo do lucro é evidentemente o motor da economia e mal estaríamos sem ele. Mas o lucro também é o objectivo do proxeneta ou do traficante de droga, e ninguém encara essas actividades com bons olhos.
O mesmo é dizer, uma editora não é propriamente uma peixaria ou um quiosque de jornais. A sua actividade impacta directamente sobre a formação dos cânones literários e da futura cultura literária. Tal como uma universidade privada tem o lucro como objectivo, espera-se de ambas um débito de produção mais ambicioso do que apenas a satisfação dos "consumidores" imediatos.
Volto a concordar consigo quando diz que "Um administrador/gestor pode coexistir com um editor se cada um se incumbir da sua parte - sem ingerências nem tendências para o nepotismo que irão mais tarde ou mais cedo minar o equilíbrio dessa relação empresarial. A relação falha quando um dos dois se imiscui no trabalho do outro, pensando que é capaz de o fazer melhor do que o próprio.", mas aqui observo que a crítica que fiz no meu post foi precisamente a substituição do primeiro pelo segundo no actual modelo editorial português, onde pululam editores que nem um livro leram na vida e apenas sabem ler gráficos de vendas e tops internacionais. Para isso não são necessários nem administradores, nem editores.
No que toca aos contabilistas, permita-me apenas referir que os qualifiquei como "contabilistas indiferentes", por contraponto aos contabilistas que julgo capazes. Como em qualquer profissão há-os de todas as variedades. Agora não me leve a mal que lhe diga que não imagino contabilistas manga de alpaca quando a eles me refiro; feliz ou infelizmente, tenho que lidar com eles quase diariamente na minha actividade forense, e quase nunca como parte da solução...
Ao contrário da XR, que aportou aqui algumas achegas bastante interessantes e pertinentes. Muito obrigado, por isso.
Caro João,
Afinal consegue-se, ao contrário do que parece acontecer noutros espaços "wébicos" que ambos conhecemos, discutir diferentes pontos de vista de forma perfeitamente coloquial.
Sei demasiado bem que existem bons e maus profissionais em qualquer área. Infelizmente, a tal necessidade que algumas entidades parecem ter do lucro grande e fácil leva-as a recorrer mais facilmente aos maus do que aos bons. Pior ainda quando nem profissionais são mas se arrogam a tal...
Admito que "acusá-lo" de endeusar os Editores de antanho teve a ver com o tom reverente com que se lhes referiu - como se hoje em dia fossem uma espécie rara. E se calhar até o são. Na minha actividade também tenho luminárias cuja opinião profissional respeito muitíssimo e outras pessoas que posso catalogar de "nódoas" no imenso mosaico que constituem os contabilistas deste país.
Mas aqui, no seu espaço, discute-se não a minha mas a sua actividade, a sua área de escolha, a sua paixão afinal. E como tal gostaria de saber a sua opinião sobre algo em concreto: o que leva as editoras a apostar tão pouco em FC ao contrário do Fantástico?
Mais ainda... porque existirá tanta escassez de autores de FC nacional? Será uma área que desperta tão pouco a imaginação, quer para leitura quer para escrita, na mente da maioria das pessoas?
É que, no âmbito do Fantástico - e sim, quero separar as águas para efeito desta "discussão" - vê-se desde há algum tempo um crescendo de novas obras nacionais, embora o nível de qualidade seja quase tão variado quanto o número de autores.
Por cada Telmo Marçal surgem dois ou três novos autores de Fantástico português.
Será que existe algum tipo de "aversão" à ciência ficcional, já que temos tanta gente com aversão à matemática e que esses leitores inconscientemente possam ligar as duas coisas?
Será que a maioria das editoras se fecha numa espécie de autismo no que toca a propostas de FC por achar que "vai vender pouco"?
(cont)
Aí, João, tenho que dar a mão à palmatória: fazem falta (mais) alguns Editores que acreditem na qualidade dos manuscritos e defendam a sua publicação mesmo que nunca venham a tornar-se best-sellers - para dar aos leitores mais do que a papinha feita lá fora (e tantas vezes sofrivelmente traduzida) que muitas editoras teimam em querer enfiar-nos pelas goelas abaixo.
À força de existirem poucos novos títulos disponíveis de FC em Portugal, mesmo de autores estrangeiros, como se vai estimular a imaginação de potenciais escritores? Parece-me um ciclo (muito) vicioso e viciado...
João, eu não me importo de ler obras com monstros, elfos, vampiros ou zombies - se forem boas. Mas gostava de ter acesso a mais livros com parsecs, buracos negros, contracção espaço-temporal, singularidades, naves, exploração do espaço e dos limites do conhecimento humano! E vejo-me reduzida a percorrer títulos desgarrados de Argonautas descoloridas nas "feiras do livro" dos hipermercados... isto entristece-me, sabe? Tal como me entristeceram os emails polidos mas com rotundas negativas das editoras que abordei sobre apreciação de contos/noveletas de FC. É que nem hipótese me deram de submeter fosse o que fosse a partir do momento em que mencionei o tema - desde "não publicamos novos autores" a "a nossa linha editorial não inclui Ficção Científica" li de tudo um pouco, quase como se a FC fosse uma lepra que urge erradicar das prateleiras para melhor as poder preencher com vampiros, lobisomens e jovens magos.
Não fora a carolice de alguns fanzines e as nossas "vozes" ficariam caladas... a menos que acabemos por nos limitarmos a enviar os textos para lá do Atlântico, onde a FC em português - embora com sotaque diferente - parece ser mais viva e aceitar novas contribuições.
O João fala do panorama editorial presente. Por este andar, como será o futuro? Não aquele sobre o qual os escritores de FC adoram debruçar-se, mas o futuro da literatura na nossa língua mãe. Inverter-se-á algum dia a tendência "anti-FC" generalizada?
Cumprimentos da contabilista de profissão e wannabe author por paixão,
Regina Catarino
aka XR
Cara Regina,
Muito obrigado pelos seus comentários e pelas suas questões. Se não leva a mal, faço transitar a resposta da caixa de comentários para aqui: http://spaceshipdown.blogspot.com/2010/04/ficcao-cientifica-os-porques-e-os.html
Desculpem lá meter o bedelho mas, alertado para a questão pelo blogtailors, agora que ando com pouco tempo para navegações ao sabor do vento, li com bastante atenção o que se foi escrevendo em relação ao Fantástico.
Não vou falar da parte editorial que me ficaria mal. Sou fã de boa literatura fantástica e gabo-me de ter publicado algumas coisitas quando na Cavalo de Ferro esperando poder continuar a fazê-lo em breve num novo desafio.
Queria, isso sim, levantar dois ou três pontos essenciais que estranho não ter visto aqui debatidos e pelo contrário estão na base de algumas confusões.
Em primeiro lugar não se pode confundir literatura fantástica (um sub-género temático) com fantasia (um seu sub-sub-género). Se o sub-género do fantástico surgiu como antecipação de muitos movimentos modernos como o Surrealismo e outros,a fantasia é um regressar aos paradigmas românticos do romance heróico e sentimental com um jaez eminentemente de entretenimento. Mai do que isso: salvo em raros casos é uma literatura formulática que segue de perto os padrões deixados por Tolkien. Fazer juízos de valor sobre estas categorias ou sub-géneros é ridículo pelas suas totais discrepâncias em termos de intenção artística/literária e objectivos comerciais.
Por outro lado a questão da falta de editores (e já agora leitores) visionários deve-se e muito a uma questão cultural não abordada. Está muito estudado pela história das ideias e pela teoria literária (cf, por exemplo a Mimesis de Auerbach): a diferença de tradição/crenças e religiosidade das civilizações mediterrânicas, presas ao maravilhoso e as dos povos célticos/germânicos/nórdicos presos ao fantástico mais negro e negativo.
Bastará para isso comparar as nossas moiras encantadas com as fadas de Machen.
Se aliarmos a essa falta de tradição fantástica o facto de termos vivido muitos anos num regime ditatorial que se revia muito mais num pacato neo-realismo nacionalista e idílico, percebemos como a cultura do fantástico é recente.
Mas percebam sobretudo que editar fantástico - como boa FC - é um risco tremendo porque falamos de públicos especializados e nós, editores, temos de viver até para continuarmos a publicar.
E nem vou falar da nossa tradição de literatura fantástica que, à excepção de um conto aqui e um conto ali, ou se prendia a ridicularias neo-góticas, ou a fracassos por falta de conhecimento como o fram os contos Phantásticos do Teófilo. Ou seja, olhando do começo do século XX para trás, a únicaobra sóbria - e já agora de real mérito pois capaz de rivalizar e na minha opinião ultrapassar um Poe, por exemplo - foi a de Álvaro de Carvalhal que, infelizmente e como bom romântico, morreu aos 24 anos.
Caro Hugo Xavier,
É um prazer tê-lo aqui a meter o bedelho. Sobretudo quando aporta algumas questões importantes mas que, ao contrário do que diz, não foram descuradas, nem se prestam a confusões - aliás, essa questão da "definição" do Fantástico chegou a ser debatida entre mim e o Nuno Fonseca, apesar de admitidamente, pela rama.
Assim, quando o Hugo escreve que " não se pode confundir literatura fantástica (um sub-género temático) com fantasia (um seu sub-sub-género)" tem, no essencial, razão, mas não toda. E não toda porque quando refiro o Fantástico ou a Literatura Fantástica, faço-o no sentido crítico do tema conforme definido nos anos 30 e 40 do século passado, quando os vários géneros literários se consolidaram. Para isso, e aqui sigo de perto Clute, o Fantástico tem o sentido abrangente que inclui a FC e a Fantasia, como podemos confirmar pela primeira obra de referência publicada em 1948, "The Checklist of Fantastic Literature" de E. F. Bleiler.
Foi isso que observei ao Nuno quando lhe disse que não estava aqui a aplicar o conceito mais restritivo de Todorov, embora também não aceite o sentido moderno do termo como termo geral capaz de englobar todas as formas de expressão não-realistas, desde a Fantasia e a FC, passando pelo Realismo Mágico, o Surrealismo, a Fabulação ou o Folclore (por muitos elementos fantásticos que possam incluir). Isso porque, e acompanhando Rosemary Jackson, entendo que a par do carácter simbólico e metafórico dos elementos narrativos, o conteúdo dos géneros e modos do fantástico possuem também um elemento directo sobre o qual versa a trama: ou seja, por muito que possamos ler uma história de vampiros, ao longo do tempo, como sendo uma metáfora para a libertação da repressão vitoriana, da exploração capitalista, ou como metáfora para a rebeldia contra o status quo social, a história de vampiros é, acima de tudo, uma história de vampiros: sobre criaturas que bebem o sangue humano e possuem capacidades metamórficas, para além de uma série de limitações.
É por isso que gosto de englobar no Fantástico aqueles géneros ou modos que tratam de forma "realista" o impossível (Horror e Fantasia e os seus inúmeros sub-géneros) e o ainda impossível (como a FC), sendo essa impossibilidade aferida pelo grau de conhecimentos científicos contemporâneos da obra.
Daí que, sem qualquer confusão, me tenha referido ao longo dos meus textos, a FC&F (Ficção Científica e Fantástico), na qual não incluo sub-géneros próximos como o Folclore ou o Realismo Mágico (neste último caso, os elementos fantásticos têm uma utilização exclusivamente simbólica - veja-se, por exemplo, a magnífica análise que David Lodge faz desses elementos na obra de Kundera).
(continua)
Por outro lado, já não é possível hoje em dia circunscrever a Fantasia a um mero "regressar aos paradigmas românticos do romance heróico e sentimental com um jaez eminentemente de entretenimento." Embora a Fantasia Épica, o sub-género que mais se aproxima dos primevos Romances de Cavalaria e que efectivamente é dominada pelo monumento de Tolkien, possa realmente ser acusada de manter uma certa dimensão do bucólico, isso não pode ser afirmado nem se perto nem de longe das inúmeras obras de Fantasia que precederam Tolkien e que não vão beber a sua inspiração às gestas medievais.
Com Clute, podemos tentar definir a Fantasia como sendo "uma narrativa auto-coerente que, quando passada no nosso mundo, conta uma história que é impossível no mundo tal como o podemos compreender; e quando noutro mundo, esse outro mundo será impossível, embora as histórias que aí se passem serão possíveis nos seus próprios termos".
É ainda assim, uma definição sujeita a muito debate (eu próprio não concordo totalmente com ela, pois relega o Horror ao papel de mero modo e não já de género autónomo), mas é mais útil do que a definição apresentada pelo Hugo Xavier, que, como muitas outras, parece ser construída com o intuito de mais uma vez separar a Alta Literatura/Arte, da Literatura/arte Popular.
Por fim, nesta parte, não tem também razão quando afirma que "Fazer juízos de valor sobre estas categorias ou sub-géneros é ridículo pelas suas totais discrepâncias em termos de intenção artística/literária e objectivos comerciais."
Porque todos esses sub-géneros, que podemos classificar como FC, Horror e Fantasia (e os seus múltiplos sub-géneros respectivos) consolidaram-se e desenvolveram-se praticamente em paralelo a partir dos anos 20 do século passado, recuperando obras anteriores e apropriando-se delas como elementos identificadores. Pelo que há praticamente 100 anos elas dividem públicos leitores, e são publicadas nas mesmas revistas (a Magazine of Fantasy and Science Fiction, por exemplo) ou em publicações concorrentes, muitas vezes pelas mesmas casas editorias (o caso da ASTOUNDING SCIENCE FICTION e da UNKNOWN, uma especializada em FC a outra em Fantástico (Fantasia e Horror), que não só eram publicadas pela mesma editora, como tinham o mesmo editor, John W. Campbell). Aliás, muitos dos autores, escreviam livremente em todos os géneros (para além do Policial, do Western, etc...), umas vezes sob pseudónimo, outras com os seus próprios nomes.
Daí que, apesar das suas muitas diferenças, são categorias comerciais que se desenvolveram em paralelo e em concorrência de autores, leitores e mesmo temas.
É certo que sub-géneros do Fantástico como o Realismo Mágico sul-americano ou Europeu, e um Fantástico mais próximo do Folclore, não se desenvolveram nos mesmos moldes (veja-se Buzatti que a Cavalo de Ferro publicou, e o já referido Kundera, ou Gabriel Garcia Marquez) mas foi para essas categorias que Sterling criou o termo slipstream. Já não incluo aí Borges, pois Borges conhecia e apreciava a literatura popular norte-americana.
O que parece ter escapado é que neste nosso debate não fazíamos julgamento sobre a Fantasia ou a FC, apesar de ser relativamente fácil fazê-lo. O meu objectivo era, obviamente, denunciar obras que, não tendo nada de fantástico que não meros elementos (como a de Meyer e sua imitações) estão a canibalizar o Fantástico e a desacreditá-lo perante leitores que o não conhecem.
Daí que, apesar do aparte, a sua conclusão final (no 1º comentário) é absolutamente verdadeira: o gosto pelo Fantástico é recente em Portugal, que não tem, nem nunca teve uma tradição de Fantástico, e os editores correm riscos publicando para um público especializado (daí a minha "sanha" contra as escolhas editoriais da Gailivro, que subvertem completamente essa conclusão, ignorando o público próprio do género, e substituinddo-o por consumidores de pastiches acéfalos (os pastiches) que pretende fazer passar por Fantástico).
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