sexta-feira, 21 de maio de 2010

Dos Zero aos Cem em menos de nada


Ainda me recordo de quando "O Intruso" de H. P. Lovecraft chegou às livrarias, em 2004. Era, se bem me recordo, o segundo volume publicado pela Saída de Emergência (que à data usava ainda a designação Fio da Navalha), na sequência do Cristo Clonado de J. R. Lankford. Quer a editora, quer os seus títulos, eram motivo de conversa entre os entusiastas do Fantástico, que não sabíamos bem para que lado pender, entre o esperançosos e o desconfiados. Em 2004, ainda parecia estarmos a viver um momento de crescimento na FC e no Fantástico português, antes de as colecções da Presença se terem voltado quase exclusivamente para o público infanto-juvenil, e a escolha de títulos desta nova editora não permitia ainda adivinhar o seu rumo futuro. O Cristo Clonado era uma espécie de thriller com travos de FC, mas claramente comercial e pouco interessante em termos de género, ao passo que Lovecraft era algo saído dos armazéns das obras em domínio público, uma aposta economicamente segura, embora editorialmente arrojada, atendendo ao pouco que do mestre de Providence se tinha publicado entre nós. Era, de certa forma, uma entrada em cena tímida.

Volvidos seis anos incompletos, e a Saída de Emergência não deixa dúvidas quanto à aposta sólida e de qualidade no Fantástico, assumindo-se como a única editora que arrisca sistematicamente afastar-se dos caminhos bem batidos da bestsellerolândia para apresentar ao público leitor obras arrojadas e de grande qualidade, de autores como Dan Simmons, Tim Powers, Richard Morgan, Mervyn Peake, a par dos grandes clássicos que estiveram nos momentos formativos do género (Lovecraft, Howard, Burroughs, Dunsanny, Poe) e de uma aposta corajosa em autores nacionais de qualidade, dos quais David Soares é o melhor exemplo. Mais do que isso, e contadas raras excepções, é a única editora a fazê-lo actualmente.


Aquele "O Intruso" tornou-se o #1 da colecção BANG!. Hoje, menos de seis anos depois, chega às livrarias o ALMANAQUE THACKERY T. LAMBSHEAD DE DOENÇAS EXCÊNTRICAS E DESACREDITADAS, cuja edição portuguesa tive o prazer de organizar, reunindo um leque de novos e valentes autores que contribuiram para este volume com as cerca de cem páginas do COMPÊNDIO CALAMAR TRINDADE DE DOENÇAS NOTÁVEIS E INVULGARES. O estatuto da edição original, e o material inédito que compõe a versão portuguesa, só por si tornam este volume uma peça obrigatória de coleccção. Sucede porém, que o acaso ditou que o ALMANAQUE fosse o volume #100 da Colecção BANG!.

A BANG! torna-se assim na quarta coleccção nacional na área da FC&F a atingir a marca dos 100 títulos publicados, juntando-se à Argonauta, à EA de Bolso, e à Nébula. No entanto, se a Argonauta necessitou de 11 anos para atingir essa marca (1954-1965), a Nébula, 22 (1983-2005), e a Bolso-FC da EA cerca de 7 (1979-1985), a BANG! fá-lo em menos de seis, bem demonstrando uma expressiva vitalidade. Vitalidade essa que sai reforçada quando consideramos que em Julho do ano passado, a antologia COM A CABEÇA NA LUA era apenas o #75. A Saída de Emergência publicou assim 25 volumes da colecção (um quarto do total) em menos de um ano. Também por isso, está a Saída de Emergência, e muito especialmente os seus editores, Luís Corte Real e António Vilaça, de parabéns.

E que venham mais cem!

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Biblioarqueologia gráfica



Nesta época de massificação dos gostos e de doentia redução da oferta temática e gráfica na área da Ficção Científica e do Fantástico, uma época dominada não só pela inexistência de memória/história do género entre os novos leitores (e alguns não tão novos) - dir-se-ia mesmo que dominada pela necessidade de desincentivar e eliminar essa memória para que não se registe a mediocridade e paucidade do que se vai publicando - é uma sorte termos alguns arqueólogos do gosto como o Pedro Marques que, ultimamente, tem mantido uma actividade notável na exploração das ligações entre forma e conteúdo (e suas implicações culturais) nos textos da ficção científica.

Desta feita, o Pedro debruça a sua atenção sobre o grafismo de uma particular colecção de ficção científica francesa, a Chute Libre, que publicou cerca de 20 volumes entre 1974 e 1978. A certo momento do seu texto, o Pedro aventa mesmo a hipótese de que "para além da questão das vendas, (...) o fim da colecção poderá ter tido algo a ver com o arrojo de algumas delas (capas)….". E estou bem em crer que não se engana, sobretudo porque alguns dos títulos publicados são dos (tematicamente) mais arrojados que a FC já nos apresentou: atente-se na capa do The Women Factory do Ian Watson (que também chegou a ter uma polémica edição portuguesa), ou nas do díptico Image of the Beast e Blown de Philip José Farmer, dois dos famosos títulos "pornográficos" que a Essex House lhe encomendou em 1968, que representam, se não fielmente, pelo menos honestamente o conteúdo dos mesmos.

Recordo-me - e neste momento, cito de cabeça - que Stan Barets no seu Catalogue des Cycles et des Âmes de la Science Fiction (1979), referia a recepção da novela Flesh, também de Farmer, publicada em francês sob o título Une Bourrée Pastorale, envolta em polémica, porquanto, exageradamente, "das suas páginas escorrem rios de sémen". Prometo mais tarde actualizar esta entrada com a citação exacta. No entretanto, nada melhor que ler o texto do Pedro e explorar o link que ele fornece e que nos remete para uma invejável enciclopédia da FC publicada em francês.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Dois dias no País dos Livros



João Seixas e Ricardo Pinto

E assim foi que, percorrendo oitocentos quilómetros, fiz uma visita relâmpago à Feira do Livro de Lisboa, no passado fim de semana. Da temível chuvada que obrigou a organização a encerrar a feira às 18:00 de Sábado, pouco testemunhei, já que cheguei ao Parque EduardoVII mesmo em cima da hora para realizar uma breve entrevista para a Os Meus Livros com Ricardo Pinto que, a convite da Editorial Presença e do Fórum Fantástico, visitou Portugal para o lançamento do terceiro e último volume da sua trilogia A Dança de Pedra do Camaleão (1999-2009). Logo de seguida eu e o autor mantivemos uma interessante conversa sobre a sua obra, as suas influências e os seus projectos futuros, perante um pequeno pavilhão a abarrotar de fãs entusiastas do autor. Interessante sobretudo por mérito do Ricardo Pinto, conversador cativante apesar da óbvia dificuldade de expressão em português. Se o pavilhão estava a abarrotar, a fila para os autógrafos tardou praticamente uma hora em dissolver-se. Se tudo correr bem, poderemos voltar a vê-lo no Fórum Fantástico 2010.


Rogério Ribeiro, João Seixas, Madalena Santos e Luís Filipe Silva

Sábado foi oportunidade ainda para conhecer a hiper-activa e não menos simpática Sofia Teixeira (Bran Morrighan), e para pôr a conversa em dia com o Rogério Ribeiro, o Luís Filipe Silva e a Safaa Dib, à qual se juntou a Madalena Santos, também ela acabada de sair de uma concorrida sessão de autógrafos.


Luís Corte Real, Joana Neves, Luís Caetano, Pedro Reisinho e Sofia Teixeira

Já no Domingo, o ponto alto da feira foi o debate sobre Literatura Fantástica que juntou Luís Corte Real, Joana Neves e Pedro Reisinho (respectivamente ediores da Saída de Emergência, Contraponto e Gailivro) à Sofia Teixeira, a quem coube o ingrato papel de representar os leitores do Fantástico. Digo que foi o ponto alto, quando o mais correcto seria dizer que devia ter sido o ponto alto. Infelizmente, cheguei cerca de meia-hora atrasado e, nessa altura, o pouco que houve de debate já tinha terminado e assisti apenas ao deprimente espectáculo de editores em modo de auto-congratulação, publicidade e palmadinhas nas costas: ou seja, tudo aquilo de que o Fantástico nacional não necessita neste momento.

Assim sendo, o debate limitou-se a um momento de grande frontalidade por parte de Luís Corte Real, que sem rodeios ou bochechos, traçou todos os tês e pontilhou todos os ís, recorrendo a exemplos do seu próprio catálogo para demonstrar o quanto de negócio anima as escolhas que alguns editores nos querem fazer crer criteriosas, demarcando-se corajosamente da posição anódina e displicente dos seus colegas de "debate". Por outro lado, verifiquei com agrado que pelo menos um dos editores presentes (Pedro Resinho) segue atentamente a crítica que se vai fazendo na blogosfera, e no Blade Runner em especial, congratulando-me por o ouvir reconhecer - finalmente - aquilo que eu e tantos outros vimos clamando: que Stephenie Meyer integra a categoria do Romance Paranormal (ou seja, literatura romântica com adereços de sobrenatural) e que apenas foi integrada numa colecção de Fantástico por falta de categoria própria (só fiquei sem perceber porque não criou a Gailivro essa categoria...). Do pouco que se falou da literatura de Horror, coube também a Pedro Reisinho pintar o cenário que deve dar pesadelos a qualquer amante do Fantástico, quando disse que gostaria de ter mais dez ou vinte Stephenie Meyers para publicar. Para nossa sorte, não tem, mas talvez por isso teve que se contentar com nada menos que Joe Hill, de quem ainda este ano deverá publicar o livro, Horns. Foi a melhor notícia que ouvi nessa tarde, o que me faz pensar que ainda há uma réstia de esperança...

A Sofia Teixeira, pelo menos na parte em que assisti, procurou puxar a brasa para a sardinha dos autores portugueses, mas misturou de tal forma bons autores com autores execráveis, que ninguém soube (ou quis) prosseguir com o tema. Infelizmente, do muito que tem que se fazer para estabelcer um Fantástico português de qualidade não se falou, e a intervenção da Sofia deixou subentender que esse Fantástico já existe e que apenas precisa de visibilidade. Infelizmente, todos sabemos que não é assim.

O dito "debate" foi moderado de forma profissional e competente por Luís Caetano; diria mesmo que de forma demasiado profissional e competente, para poder transcender os lugares-comuns habituais e entrar por caminhos que permitissem verdadeiramente questionar o estado do Fantástico em Portugal. Para isso era preciso um debate que não temesse o confronto, que sacudisse um pouco as águas. Ao invés, tivemos um debate à imagem do que a maioria das editoras intervenientes nos vêm oferecendo. Requentado, sem gosto e pouco original.

As fotos pertencem a Sofia Teixeira e a Ricardo Lourenço, a quem desde já agradeço pela utilização. O Ricardo Lourenço disponibilizou igualmente uma gravação do debate, que pode ser acedida a partir do link fornecido.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

R.I.P.: Frank Frazetta (1928-2010)



Frank Frazetta moldou o imaginário popular de forma indelével. As suas ilustrações, as pranchas de banda desenhada em que trabalhou, as capas inconfundíveis que emprestou a milhentos livros, criaram ao longo de gerações um imaginário visual que alimentou a forma como nós próprios, seus fãs, percebíamos os maravilhosos mundos que nos eram descritos nas páginas da Fantasia, do Horror e da Ficção Científica.



Artista por mérito próprio, e senhor de um talento invejável, Frazetta moldou o visual do Fantástico e da Aventura com a mesma genialidade com que Harrihausen moldava as suas criaturas de barro. Compondo quadros cromáticos envolventes, o pincel de Frazetta convida-nos a perder o olhar nas áreas mais sombrias das suas composições, descobrindo pequenos detalhes e pormenores que rodeiam as figuras centerais, todas elas larger than life. Cores quentes, figuras rubicundas e muscolosas, guerreiros imparáveis e deslumbrantes mulheres, nuas ou semi-nuas, quase rubenescas, tremendamente sensuais, eram a sua imagem de marca.



Frazetta, redefeniu o género da sword and sorcery através da sua interpretação do Conan de Robert E. Howard, tão icónica como a de Windsor Smith, e não foram poucos aqueles que compraram, nos anos 60, as re-edições dos clássicos de Burroughs, não só pelas suas capas deslumbrandes, mas pelas magníficas ilustrações interiores, a tinta da china, que Frazetta assinou. Foi nos anos 80 que pela primeira vez descobri o nome do autor de alguns dos meus posters de sword & sorcery favoritos. Eram imagens de um Conan implacável, quase sobrenatural. Foi à procura de um desses posters que descobri o seu trabalho na ilustração retrofuturistas de FC, nomeadamente das personagens de Buck Rogers e Flash Gordon [mas também nas ilustrações que fez para os paperbacks da Galáctica (1978-1980)] com o seu misto de alta tecnologia nos foguetes e naves espaciais e nas pistolas de raios, com o olhar nostálgico a um passado de elegantes rapiers, longas capas e elmos helénicos. No entanto, nenhuma delas se comparava ao conjunto de sensuais ilustrações que Frazetta assinou para as aventuras do John Carter of Mars, com o seu bestiário tão exótico, tão terrivelmente verosímil, quando pintado pelo seu pincel. Ao preparar para a Saída de Emergência a edição portuguesa do A Princess of Mars (cuja tradução assino) e que deve surgir ainda este ano, não foram poucas as vezes que revisitei esse mundo fantástico, recolhido entre as capas dos volumes que preservam a memória do seu trabalho. Frazetta, como atestam muitos desses volumes, era também ele uma figura larger than life, um ilustrador que coneguiu elevar a Fantasia, a Sword and Sorcery e os mais prurientes dos devaneios pulp ao estatuto de Grande Arte. Frank Frazetta morreu hoje, aos 82 anos. Frank Frazetta vai viver para sempre.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

The Game is On Again


E cá está. Após um único mês de interregno, a Os Meus Livros regressa às bancas, com equipa sólida e apenas ligeiramente renovada, retomando a numeração onde esta tinha sido interrompida (esta é a edição #86) e, claro, continuando a prestar atenção ao que se vai publicando de FC&F entre nós: este mês, textos sobre Dog Mendonça e Pizzaboy, Contos de Poe, O Grande Retrato, Se Acordar Antes de Morrer, O Elmo do Horror e O Mago.

No editorial, João Morales, mais uma vez ao leme da embarcação, recorda que não é a primeira vez que a revista é cancelada e ressuscita. Para mim, é a terceira encarnação em que participo nesta fascinante publicação com vida de gato. Esperemos que regresse para, pelo menos, mais cinco anos...

domingo, 2 de maio de 2010

Ele está a chegar...

... e já é falado. Dia 21, nas livrarias.