quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

R.I.P.: Jean Rollin (1938-2010)



Eis um crédito cinematográfico que não mais voltaremos a ver. Com a típica indiferença da morte, faleceu Jean Rollin, pouco depois desse outro ícone do cinema de horror que foi Ingrid Pitt. Provavelmente para muitos dos que me lêem, o nome não quererá dizer muito, e certamente, evocará muito menos memórias do que o de Pitt. Mas para os verdadeiros cognoscentti, Jean Rollin era um mestre do surrealismo cinematográfico cujo génio foi aplicado, sem pretensões e sem hesitações, ao cinema do fantástico, do erótico e do sobrenatural.







Rollin tinha o dom da composição de enquadramentos verdadeiramente sublimes. Os seus filmes, apesar de um preponderante elemento de titilation (e nenhuma palavra portuguesa traduz tão bem este conceito), compõe-se de fotogramas que poderiam ser directamente traduzidos em pinturas dignas de figurar numa qualquer galeria de arte do macabro, do sensualmente macabro.









Muitos dos seus filmes, poder-se-ia mesmo afirmar que os mais memoráveis dos seus filmes, sobretudo os realizados no período mais fértil e criativo que experimentou nas décadas de sessenta e setenta, exploraram o tema do vampiro. E embora nenhuma das suas criações se tenha tornado tão eminentemente reconhecível quanto o Drácula da Universal ou da Hammer, foram certamente das mais arrojadas esteticamente, com especial destaque para o vampiro andrógino de REQUIEM POUR UN VAMPIRE (1971).







Sem perderem as suas características predatórias, os vampiros de Rollin não deixaram nunca de possuir uma aura animalesca; a sensação que deixam, é literalmente a de uma bestialidade latente sob as vestes adinheiradas (REQUIEM...), tão obviamente decalcadas de modelos anteriores do mito que sabem a pastiche, ou das peles que descobrem mais do que cobrem, como em LE VIOL DU VAMPIRE (1968). São, pós-morte, uma caricatura do que eram em vida, uma caricatura do humano, consumindo-se nos prazeres da carne - que somos levados a pensar que não são já capazes de sentir - enquanto consomem a carne e o sangue alheios. Não obstante, os vampiros de Rollin nunca são solitários, permanentemente rodeados de um séquito que parece parasitar esses magníficos seres deslocados, em proveito próprio e egoísta.

Uma coisa é certa, os vampiros de Rollin são aristocratas da decadência e, com os seus tiques, a sua sexualidade indefinida, o seu ennui e a sua bestialidade (muitas vezes meramente complacência pela bestialidade alheia), nunca seriam reconhecidos como tal pelos apreciadores acéfalos dos pirilampos desdentados da menina Meyer.







Foi em finais dos anos 80 que pela primeira vez me cruzei com um filme de Jean Rolllin, uma versão truncada e dobrada para inglês desse fabuloso REQUIEM POUR UN VAMPIRE. Atento o panorama videográfico contemporâneo, parece impensável que há apenas duas décadas fosse possível encontrar títulos como este nos clubes de vídeo. Apesar de cortado e de dobrado, abastardado sob o irreconhecível título O Castelo dos Vampiros (outro título sob o qual circulou foi o ainda menos apelativo Vierges et Vampires... menos apelativo, dependendo dos gostos, claro), foi um filme que obcecou durante anos, até conseguir identificar o realizador, e posteriormente, já no universo do mercado de DVDs, obter uma excelente versão editada pela revista Dark Side, que o apresentou numa duplo disco com o não menos fascinante FASCINATION (1979).



Os altos e baixos da vida fizeram que Rollin assinasse também uma plétora de filmes pornográficos, alguns banais, outros apresentando ainda marcas do génio visual do mestre francês. Nada que envergonhe um trabalhador honesto, e certamente algo melhor do que parasitar os equivalentes franceses, ou italianos ou espanhóis dos ICAMs e MCs que, aqui e ali, vão alimentando umas ténias longevas que nunca na vida lograram produzir cinco minutos de película paga com dinheiro do próprio bolso ou suor do próprio corpo. Mas será, sem dúvida o bastante para que Rollin nunca ultrapasse o circuito do cinema de culto e das referências elogiosas nos tomos que preservam a memória das obras de género.



Talvez Rollin não ambicionasse mais do que isso. Como um dos seus vampiros, nunca será reconhecido mundialmente, mas quem se cruzou com eles, jamais os esquece.

1 comentário:

Ana C. Nunes disse...

Por momentos pensei que este fosse o mesmo que fez "Valerie And Her Week Of Wonders (1970)", mas parece que não é.

Infelizmente desconhecia o trabalho deste senhor, mas agora que ouvi falar, ou tentar descobrir alguns trabalhos dele.